Congresso devolve mandato de João Goulart e repara erro histórico
A família de Jango recebeu os diplomas do Congresso e do TSE reconhecendo a posse simbólica da Presidência
Filho do ex-presidente recorda que Brasil continua em débito com as reformas propostas por Jango ´em benefício das camadas mais populares´. Em sessão com quebra de protocolo, emoção predomina
O Congresso Nacional viveu, ontem (18), uma tarde marcada por gestos emocionados durante a sessão solene que instituiu a devolução simbólica do mandato do presidente João Goulart, 49 anos depois de o mesmo Congresso ter declarado vaga a Presidência da República (em 2 de abril de 1964). O filho de Jango, João Vicente Goulart, chorou. A esposa de João Vicente também, assim como o senador Pedro Simon (PMDB-RS). A presidenta Dilma Rousseff, após entregar o diploma de Goulart ao filho, quebrou o protocolo e o puxou para um abraço forte quando ele já estava saindo. E várias pessoas, entre parlamentares e convidados sentados nas cadeiras da primeira fila, engoliram em seco os discursos, mal contendo as lágrimas.
A sessão teve direito ao hino nacional entoado pela cantora Fafá de Belém e a apresentação de um vídeo sobre o ex-presidente. Contou com a presença da presidenta Dilma Rousseff, do vice-presidente Michel Temer (PMDB) e de cinco ministros, além de outras autoridades – incluindo vários militares. Dilma não discursou e manteve um tom sisudo, que foi derrubado quando entregou o diploma e abraçou João Vicente Goulart. “A democracia venceu”, expressou o filho de Jango, ao agradecer o reconhecimento do Congresso, num discurso carregado de significados políticos.
João Vicente lembrou que o pai pretendia implementar um pacote de reformas que tinham a proposta de combater o que chamou de “apartheid econômico” existente na década de 1960 na sociedade brasileira. Apartheid, este, em que figuravam, de um lado, as elites, e, do outro, o povo. “O golpe não foi contra Jango, mas contra as reformas de base que o presidente tinha mandado ao Congresso em benefício das camadas mais populares. Esta sessão repara a triste mancha e o equívoco cometido pelo parlamento brasileiro ao concordar com a ruptura e destituição do poder instituído da pátria e colaborar com um regime de exceção no país”, pregou.
O filho do ex-presidente destacou, ainda, que há 50 anos o Estado brasileiro precisava avançar para o desenvolvimento do país e ainda hoje muitas das reformas propostas pelo seu pai são necessárias. Citou, dentre estas, “reforma agrária, uma reforma tributária profunda, justa e solidária, uma educação de base integral para as crianças e uma reforma política que faça dos nossos parlamentares representantes dignos e admirados”, colocou.
‘Necessidade de avançar’
“Ainda hoje é necessário avançar, acabar com privilégios políticos. A história de Jango se coloca acima dos partidos políticos para virar parte da nação brasileira, um prisma entre as ações do presidente caminhando pelas propostas de futuro que ele semeou para o país. Jango se vai e fica o homem com suas propostas de reformas”, acentuou.
Do plenário, o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que leu a resolução No. 4, disse que o Congresso não deve fugir de suas obrigações institucionais e chamou a atenção para a importância de a verdade ser reparada. “Com isso estamos declarando que João Goulart não foi um fugitivo, mas sim uma vítima que tentou resistir ao regime militar que fechou esta Casa em três oportunidades. Anular a sessão de 1964 é reconhecer que Goulart foi deposto por uma ilegalidade e isto o Congresso Nacional devia ao país, aos seus cidadãos, a Goulart e à sua família”, enfatizou Renan. “Em nome do Congresso, peço desculpas pela inverdade patrocinada pelo Estado contra um ilustre brasileiro, um nacionalista, patriota, reformista e que, talvez, tenha conseguido reunir uma das melhores equipes de governo na história do Brasil.”
Pedro Simon, um dos autores da proposta de cassação do ato que destituiu os poderes de Goulart em 1964, juntamente com o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), ressaltou que a partir de hoje filhos e netos da atual geração vão poder estudar nas escolas a verdadeira história do Brasil, e não a que foi forjada durante o período da ditadura. Simon presenciou vários dos acontecimentos marcantes da época, ao lado de Jango e de outras personalidades históricas da política brasileira, como o antropólogo e ex-ministro Darcy Ribeiro, o ex-presidente eleito Tancredo Neves e o ex-governador Leonel Brizola.
‘Todos os momentos’
Ao relembrar vários fatos da época, Simon contou que mesmo com Darcy Ribeiro, então ministro da Casa Civil, tendo comunicado formalmente ao então presidente do Congresso, senador Lauro de Moura Andrade, que o presidente Jango não estava fora do país e Tancredo Neves, que era deputado federal, tendo solicitado um período de três horas para que Goulart se apresentasse, os apelos não foram levados em conta pelo chefe do Poder Legislativo.
“Vivi todos os momentos, vi a surpresa da decisão do Congresso, o drama do presidente, tudo o que se passou à época e vi também, anos depois, a volta de Jango morto ao Brasil, para o enterro em São Borja, sob a fiscalização do regime militar sem conseguir controlar o povo inconsolável que insistiu em acompanhar o cortejo. Neste momento o que queremos é a união de todos, não é atingir A, B ou C”, destacou Simon.
Randolfe Rodrigues, por sua vez, afirmou que a história já mostrou que, quando não são corrigidos os erros cometidos no passado, os povos voltam a incorrer nesses mesmos erros. “Primeiro, precisamos registrar o pedido formal de desculpas por parte do Estado brasileiro, mas também quero agradecer ao governo pelos esforços envidados na exumação do corpo de Goulart e na recuperação das homenagens especiais feitas a este chefe de Estado, recentemente. Não houve no país alguém com uma trajetória política tão curta e tão celebrada quanto Goulart. Ele teve uma vida marcada pela coerência, sempre ao lado do povo brasileiro e dos trabalhadores”, acentuou.
O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-AL), abordou o caráter emblemático da sessão. “Estamos, hoje, resgatando a história e devolvendo ao ex-presidente o lugar que sempre lhe foi devido em nome da democracia brasileira. Equivocou-se a maioria do Congresso há 49 anos ao cassar o mandato de João Goulart. A supressão do mandato que lhe fora conferido por meio de mandato popular jamais poderia ter acontecido”, colocou.
Argumentos inverídicos
A sessão de abril de 1964 em que foi declarada vaga a Presidência da República teve como pretexto o argumento inverídico de que Goulart havia fugido do Brasil. Os autores do projeto de resolução, Simon e Rodrigues, ressaltaram durante a apresentação da proposta que a vacância não poderia ter sido declarada, uma vez que o então presidente se encontrava em solo brasileiro, e não no exterior. Simon, inclusive, estava ao lado de Jango naquela noite, em Porto Alegre (RS).
Já a sessão desta quarta-feira consistiu num dos últimos capítulos das homenagens prestadas ao presidente, mas não o último. João Goulart, morto durante o exílio e enterrado sem honras de chefe de Estado, teve seu corpo exumado e a descoberta, por peritos encaminhados pela Comissão Nacional da Verdade, de que ele teria sido assassinato. O ex-presidente também teve reparada a sua memória na homenagem feita a ele com as devidas honras de chefe de Estado, recentemente. Mas o desenrolar dessa reparação com a verdadeira história do Brasil sendo contada nas escolas, só passará a ser feito daqui por diante, conforme lembrou Simon. “Hoje se encerra um ciclo no país para que possamos dar início a outro, muito melhor e mais democrático”, frisou o senador.
Da Rede Brasil Atual