Contra alterações do Código Florestal, movimentos sociais aprofundam unidade
Em seminário, entidades repudiam relatório de Aldo Rebelo, cobram postura firme do governo e definem mobilização para próxima terça (10)
A julgar pela quantidade e a heterogeneidade de entidades que se reuniram na capital paulista no último sábado (7), o substitutivo para reforma do Código Florestal proposto pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), previsto para ir à votação na Câmara dos Deputados na próxima terça (10), deve encontrar grande resistência.
Cerca de 400 representantes dos movimentos sociais reafirmaram o repúdio à proposta que trás pontos como o perdão a desmatamentos ilegais ocorridos até julho de 2008 e a anistia de recomposição ambiental às propriedades com até quatro módulos fiscais. Nesse caso, como o módulo é diferente para cada Estado, a medida pode beneficiar desde pequenos agricultores até grandes latifundiários. As áreas de preservação permanente (APPs) às margens de rios também diminuiriam de 30 metros para 15 metros.
Durante intervenção na mesa de abertura, a secretaria de meio ambiente da CUT, Carmen Foro, destacou que desde o início a entidade foi clara em se posicionar contrária ao documento apresentado por Rebelo. Exemplo disso foi o seminário que a Central realizou no último dia 28, quando formalizou a defesa da exigência mínima de 30 metros para APPs, com flexibilização de 15 metros para a agricultura familiar, se mostrou contrária à estadualização do Código Florestal para evitar a pressão do agronegócio nos estados e municípios e defendeu a obrigatoriedade da reserva legal para todos os imóveis rurais, com a compensação da reserva sendo no mesmo bioma e repudiou a anistia aos crimes ambientais.
A dirigente desmitificou ainda argumentação do parlamentar de que o Código defende os pequenos agricultores. “A anistia nunca foi uma reivindicação da agricultura familiar e os grandes produtores usam o argumento de que beneficiarão os pequenos para conseguir infiltrar interesses pessoais. Por outro lado, alguns pequenos agricultores, que foram condenados a pagar multa, podem ter a ideia de que estariam livres dessa infração. Estão sendo envolvidos pelo choro do agronegócio, que tem uma bancada muito forte no Congresso. Basta ver quantos deputados estão ligados à crimes ambientais e tiveram suas campanhas financiadas pelos grandes produtores rurais”, disse.
De acordo com levantamento do jornal Correio Braziliense, 18 parlamentares da bancada ruralista – 15 deputados e três senadores –, multados pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), principalmente por desmatamento de reservas legais e APPs, seriam beneficiados pelas alterações no Código Florestal.
Governo precisa agir
Carmen criticou também a postura do governo, que demorou para se pronunciar sobre o caso e agora fechou questão contra a reforma. Para ela, é hora de recuperar o tempo perdido, inclusive contando com a unidade das entidades que lutam por um desenvolvimento responsável. “Ao atrasar o posicionamento, o governo deixou o debate ser contaminado. Mas, pela força que tem, deve enquadrar os partidos da base para que votem a favor do Brasil. Além disso, os movimentos sociais precisam ter unidade, caso contrário, teremos sérios problemas.”
De acordo com a dirigente, passada a turbulência, é necessário discutir um conjunto de políticas ambientais. “É fundamental pensarmos em políticas públicas que garantam condições tecnológicas e terras aos pequenos agricultores para que tenham condições de produzir sem precisar destruir florestas.”
Mesmo princípio defendeu a ex-ministra do Meio Ambiente durante o governo Lula – entre 2003 e 2008 –, Marina Silva. “Não está faltando sustentação política, mas sim visão estratégica. Deveríamos ter uma política florestal”, afirmou ela para quem “Aldo não foi capaz de atualizar o pensamento para integrar meio ambiente e economia.
Além de lideranças dos movimentos sociais, encontro recebeu acadêmicos, cientistas e parlamentares Adiar a votação para ampliar o debate
Deputado federal do PSOL-SP Ivan Valente acredita que é fundamental adiar a votação para que exista tempo de discutir o assunto. “As mudanças no Código Florestal não são um problema rural, mas de todo o Brasil. A medida que a informação corre, o agronegócio perde peso porque eles podem ter maioria no Congresso, mas não tem maioria na sociedade civil. Por isso querem votar logo”, explica.
O também deputado Paulo Teixeira (PT-SP) lembrou que dos 18 partidos no Congresso Nacional, apenas três são contra a votação: PT, PSOL e PV. A visão dele é que, neste momento, a correlação de forças è favorável ao relatório de Aldo Rebelo, por isso, também defendeu que o governo comandado por Dilma centralize a base e organize a votação, honrando o compromisso assumido com a sociedade brasileira.
O parlamentar também lembrou a todos os presentes, inclusive àqueles na mesa, que a política ambientalista deveria ter sido feita durante toda a década e definiu a postura do governo como defensiva. Por fim, repudiou o princípio ventilado em alguns cantos de que são as ONGs (Organizações Não Governamentais) financiadas por capital estrangeiro que não querem a aprovação do Código. “O que temos visto é elas agirem exatamente do outro lado para impor sua agenda”, criticou.
Já o assessor especial do ministério do Meio Ambiente, Luis Antônio Carvalho, representante da ministra Izabella Teixeira, lançou esperança ao debate afirmando que o governo Dilma não aceita diminuir APP, é contrária à isenção de reserva legal e não permitirá a anistia a atos criminosos cometidos em áreas rurais. “Passar a régua em tudo é, inclusive, inconstitucional. O dever do Estado é combater a degradação e a ocupação em área de risco. Que direito é esse que o Aldo quer colocar?”, questionou.
Reforma urbana
Não é apenas no campo que as APPs causam polêmica. A urbanista e professora da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo)/USP Erminia Maricato lembrou que a população mais pobre das cidades ocupa o que sobra para ela, exatamente as áreas de proteção ambiental. Mesma visão do também urbanista Renato Tagnin. “São as áreas de riscos, as mais baratas, ocupadas inclusive pelo poder público que coloca as pessoas lá”, define.
A forma como as terras são distribuídas na cidade e no campo mostram que o Brasil necessita urgentemente de uma reforma discutida com toda a sociedade. Segundo estudo apresentado por Paulo Kageyama, da ESALQ (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queroz)/USP, 83% das propriedades rurais são de pequenos produtores, mas, por outro lado, eles ocupam apenas 30% do território brasileiro. Apesar de minoria, os grandes produtores ainda são os maiores detentores da terra.
A mudança desse cenário passa pela votação da reforma no Código Florestal que, no formato apresentado por Aldo Rebelo, não satisfaz aos movimentos sociais. Em manifesto apresentado ao final do seminário, a articulação de organizações critica a falta de participação e democracia no debate, afirma que o relatório não contempla a agricultura familiar, os povos indígenas e quilombolas e destaca a necessidade de mais tempo para que se construa uma proposta de política ambiental que leve em conta os interesses do povo brasileiro.
O documento que também ataca o desmonte dos órgãos ambientais será entregue aos parlamentares em Brasília nesta terça (10), quando uma grande mobilização está prevista para tomar a capital federal e tentar impedir a votação.
Da CUT Nacional