“’Cova’ América no Brasil é mais um recado de que para o governo vidas não importam”, diz Juca Kfouri

Juca Kfouri afirma que Bolsonaro, que aceitou trazer evento esportivo para o Brasil neste momento de auge da pandemia, precisa de camisa de força

O jornalista Juca Kfouri, apresentador do programa Entre Vistas na TVT, comentarista esportivo com longa carreira nos mais diversos veículos de comunicação e crítico ferrenho do governo Bolsonaro, conversou com a Tribuna sobre a decisão do governo de aceitar que a Copa América seja realizada no Brasil.

A Argentina, com 77.456 mortes pela Covid-19, desistiu de sediar a competição. A Colômbia, com protestos contra o governo, também.

O evento reunirá 10 delegações esportivas no país que é um dos epicentros da pandemia de coronavírus e está prestes a contabilizar 500 mil mortos pela doença.

Foto: Divulgação

Tribuna Metalúrgica – Qual o recado que Bolsonaro passa com essa decisão?

Juca Kfouri – Esse é mais um recado de que pra ele vidas não importam, o que importa é que gire a economia e, mais uma vez, ele tenta dar ao país, que é um dos epicentros da pandemia, um ar de normalidade.

Tribuna Metalúrgica – Alguns defendem, inclusive Bolsonaro, que, se é possível realizar o Brasileirão e a Libertadores, tudo bem realizar a Copa América. Mas há uma diferença, certo?

Juca Kfouri – A diferença é muita clara e eu sou contra a volta do futebol. Há uma diferença que é o cumprimento do calendário estabelecido no Brasil. Nós já temos isso como um problema a resolver, não precisamos acrescentar um novo torneio que não estava previsto para ser feito no Brasil.

É acrescentar mais problemas, desviar mais recursos e atenções num país que está precisando atender milhões de pessoas infectadas, porque isso tudo exige transporte aéreo, atendimento médico, mais investimentos e cuidados com novas cepas de nove países da América do Sul que virão ao Brasil com delegações de 60 pessoas.

Tribuna Metalúrgica – O ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, afirmou que os jogadores serão vacinados, mas sabemos que não há tempo hábil para isso e além de todos os jogadores, tem a delegação. É bravata do governo?

Juca Kfouri – A gente sabe que não tem como. Ele falou isso pela ignorância e pela leviandade. Mesmo que estivessem vacinados no tempo devido, isso não livra ninguém de pegar ou transmitir.

Para quem como eu é contra que o futebol esteja em curso no Brasil, não é “apenas”, entre aspas, pelos riscos de contaminação que os jogos trazem, é pelo que tem de simbólico.

Como é que você explica para uma criança que ela não pode descer pro pátio pra jogar futebol se o Corinthians está jogando? Como explica pra sociedade que tem que manter restaurante fechado, mas o Morumbi está recebendo jogos?

Tribuna Metalúrgica – Você acha que o governo brasileiro pode voltar atrás?

Juca Kfouri – Eu ontem (segunda-feira) fui dormir com essa esperança, mas pelo que estou vendo hoje (terça-feira), não. Até o ministro da Saúde entra para a turma dos genocidas, porque não é possível que um médico possa consentir. Já de um general você não pode esperar nada. O mínimo que ele deveria fazer era dizer ao genocida “olha aqui genocida, se a Copa América vier, eu me demito porque fiz um juramento e tenho um diploma e uma biografia a zelar”.

Tribuna Metalúrgica – Alguns governantes de estados e cidades já se manifestaram contra a realização dos jogos. Aqui em SP, Doria diz que é possível. O que pode acontecer, a realização em um único local?

Juca Kfouri – Em tese pode, leva tudo para Brasília. Com essa afirmação, Doria mostra que se distingue pouco do genocida. É evidente que o Doria tem que dizer não.

Tribuna Metalúrgica – Você mencionou em entrevista ao Uol que uma saída seria jogadores famosos não participarem. Acha que existe essa possibilidade?

Juca Kfouri – Aquele ex-goleiro do Paraguai, que é um cara consciente, o Chilavert (José Luis), está propondo isso, que os jogadores se recusem. Mas a gente não tem muita esperança disso porque não é, infelizmente, o habitual dos jogadores. Por exemplo, se dois deles, o Suárez e o Messi, disserem que não vão se meter em um dos epicentros da pandemia, isso terá um peso fortíssimo para patrocinadores.

Tribuna Metalúrgica – Está previsto que a partida final pode ser com público no estádio. Qual a imagem que o Brasil passa internacionalmente com isso?

Juca Kfouri –Sim, normalmente na final eles abrem para patrocinadores e quem sabe vendam 7 mil ingressos no Maracanã. Não duvidem, porque já fizeram na final da Libertadores quando estávamos no auge.

O Brasil é cada vez mais pária internacional, é isso que nós viramos no mundo por causa desse maluco, não é caso de impeachment, é de interdição, camisa de força. É bem possível que cheguemos aos 500 mil mortos durante a ‘Cova América’.