Crédito curto atrapalha planos de aumento de capacidade

O crédito farto, que sustentou o crescimento do mercado de automóveis nos últimos meses, mascarou também as consequências da rápida ampliação da capacidade de produção de veículos no Brasil. A julgar pelo apetite das montadoras para instalar ou ampliar suas bases industriais no país, os encalhes nos pátios das montadoras e concessionárias voltarão a levar os dirigentes do setor a Brasília cada vez que a capacidade de endividamento do consumidor diminuir.

A indústria automobilística está pronta para elevar a capacidade das fábricas do Brasil em 25% até 2015, o que significa uma produção anual em torno de 5 milhões de veículos. O otimismo se baseia, em grande parte, no que aconteceu no mercado brasileiro na história recente.

Nos últimos 16 anos, a população brasileira cresceu 21%. Havia 157,6 milhões de habitantes em 1996, época da primeira onda de novos investimentos do setor automotivo no país. Hoje são 192 milhões, segundo estimativas do último Censo, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No mesmo período, porém, a expansão da frota foi muito além. Em 1996, um total de 17,7 milhões de carros, caminhões e ônibus rodava pelas ruas e estradas do Brasil. Hoje são 34,9 milhões. Consequentemente, ao longo desses 16 anos o número de habitantes por veículo caiu de 9,1 para 5,5

A conta da relação habitantes/veículo é usada pela indústria em todo o mundo para medir o potencial de cada mercado. É por meio dela que se conclui que não há como crescer em países como Estados Unidos, onde são 1,2 pessoa por carro, ou Japão (1,7).

Os cálculos para os próximos anos voltam a indicar crescimento de frota superior ao populacional. Segundo as projeções do IBGE, o Brasil terá 200,9 milhões de habitantes em 2015 e 207 milhões em 2020. A indústria automobilística projeta um mercado anual de mais de 5 milhões daqui a três ou quatro anos, o que representaria um avanço de quase 40% em relação ao volume de 2011, de 3,63 milhões que coloca o Brasil entre a quarta e quinta posição no ranking mundial.

“O poder está nas mãos de quem detém o mercado”, diz um dirigente do setor. Isso, no Brasil, significa ter que construir mais fábricas. Não apenas devido à natureza da manufatura dos carros, mas também porque o governo já deixou claro que cobrará mais impostos da empresa que não investir na produção local, com peças nacionais e engenharia brasileira.

A crise e estagnação de mercado em seus países também fazem com que montadoras europeias, americanas e asiáticas se voltem para o mercado brasileiro. As que operam no país há mais tempo se sentiram ameaçadas com a chegada de concorrentes de peso, como a coreana Hyundai, que está prestes a inaugurar uma fábrica que produzirá 150 mil veículos poro ano.

Somada à previsão de aumento de renda do brasileiro, a vinda de mais concorrentes levou a Fiat a anunciar investimento de R$ 4 bilhões na primeira fábrica de automóveis em Pernambuco, que produzirá 200 mil unidades por ano a partir de 2014. Na mesma linha, General Motors e Volkswagen decidiram ampliar a capacidade das fábrica de Gravataí (RS) e Taubaté (SP), respectivamente.

Como suas contas na relação habitantes/veículo deram certo até agora, os dirigentes do setor se assustaram com o aumento dos estoques, que desde o início do ano passaram de 35 a 37 para 43 dias. Vale ressaltar que a conta dos estoques segue o ritmo de vendas. Se o volume diário de licenciamentos cai, o número de dias de estoques automaticamente aumenta.

Correr até o governo cada vez que percebem o volume de vendas diminuir tem sido um exercício que as montadoras praticam desde a década de 50. Mesmo que dias depois o resultado de vendas comece a melhorar, como neste mês. O volume de automóveis e comerciais leves licenciados no país na primeira quinzena de maio aumentou 9,74% na comparação com a primeira metade útil de abril. O avanço não serve para empolgar o setor, já que foi em abril que a “a luz amarela acendeu”, como diz um vendedor. No entanto, mesmo na comparação com a primeira quinzena de maio de 2011, o resultado representa um crescimento, de 5,31%, segundo dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos (Fenabrave).

Já as vendas de caminhões continuaram em queda, que chega a 30% na comparação com o mesmo período de 2011. No caso, a retração se deve à elevação de preços por conta dos novos equipamentos para reduzir emissões.

Na cadeia de fornecedores, embora tenha chamado a atenção a redução nas horas extras e trabalhos nos fins de semana nas montadoras, o ritmo não foi dramaticamente alterado. Alguns fornecedores reclamam de operar em 50% inferior à média de 2011. Mas parte deles percebeu substituição de seus produtos por importados. Segundo fonte do setor, os fabricantes de veículos trabalham hoje na média de 13,5 mil veículos por dia, pouco abaixo das 14 mil de março.

Supondo que o ritmo não mudasse mais e o resultado da primeira quinzena de maio seguisse até dezembro, o mercado somaria, incluindo as vendas de 1,076 milhão no quadrimestre, 3,5 milhões de unidades (incluindo leves e pesados). Nada muito distante dos 3,633 milhões de 2011. Seria mais do que o dobro do mercado de 2005.

Valor Econômico