“Crescemos sem desequilíbrio”, afirma Mantega

O ministro da Fazenda diz que há muito tempo o Brasil se prepara para ser um país forte e saudável

Ao fechar os números do segundo trimestre de 2009, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou que, nos últimos 12 meses, o Brasil cravou um crescimento positivo de 1,3%. Embora seja uma prova de que o país venceu a recessão, é um índice modestíssimo sob qualquer ponto de vista. Quando se recorda que, em setembro de 2008, o mundo afundava na pior crise em 80 anos e que a economia de muitos países segue em estado vegetativo, a recuperação brasileira tornou-se caso de estudo dentro e fora do país. Na semana passada, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que esteve no centro do esforço de recuperação, recebeu ÉPOCA para uma entrevista. Eis os principais trechos.

ENTREVISTA – GUIDO MANTEGA

QUEM É

Nascido em Gênova, Itália, Guido Mantega é ministro da Fazenda desde 2006. No governo Lula, foi presidente do BNDES e ministro do Planejamento

O QUE FEZ

Para enfrentar a crise mundial, o Ministério da Fazenda lançou medidas de estímulo ao crescimento

O QUE PUBLICOU

Livros de economia, entre eles Economia política brasileira e Acumulação monopolista

ÉPOCA – Como está a economia brasileira, hoje?

Guido Mantega – O Brasil não só está saindo da crise, mas também sai mais fortalecido. É visto hoje como um dos países mais dinâmicos do mundo. O nível de investimentos estrangeiros cresceu. Nossa Bolsa de Valores foi a que mais se valorizou, em dólar, no mundo. O Ministério do Trabalho diz que vamos criar 1 milhão de novos empregos até o fim do ano. Acho que vamos criar 600 mil. Nosso Natal será um dos melhores do planeta. Acredito que, na virada do ano, nossa economia vai estar crescendo 4% e que vamos entrar num novo ciclo de crescimento pelos próximos seis ou sete anos.

ÉPOCA – Essa recuperação se apoiou em gastos e estímulos do governo. Esses custos não podem atrapalhar mais à frente?

Mantega – Isso não vai acontecer. Estamos gastando pouco. A China vai gastar 13% do PIB. Os Estados Unidos, 5,6%. Estamos gastando US$ 30 bilhões, ou 1% do PIB. Se você medir o deficit, teremos um deficit de 1,9% em 2009. Deveremos ficar com 0,8% em 2010. O deficit da Índia será de 10%. O dos EUA 13%, e o da China 3%.

ÉPOCA – Mas as exportações continuam sendo um problema.

Mantega – Perdemos US$ 40 bilhões. O setor de calçados levou uma trombada. A siderurgia também. As exportações da indústria automobilística caíram 30%. A recuperação aí será mais lenta, até porque depende de algo que não podemos controlar, o mercado externo.

ÉPOCA – O governo não cometeu nenhum erro?

Mantega – Depois que as coisas acontecem, você sempre pode dizer que poderia ter feito melhor. Mas os resultados mostram que em geral acertamos, tanto nas medidas econômicas como em fazer um pouco de pressão. Reduzimos o IPI da indústria automobilística, que mobiliza 28% da produção industrial. Liberamos o compulsório dos bancos, mas condicionamos o pagamento da remuneração à oferta de crédito para compra de automóveis. O Tesouro também colocou R$ 100 bilhões no BNDES, como empréstimo a quem quisesse fazer investimentos. Oferecemos outras garantias. Os juros caíram. Tudo começou a melhorar.

ÉPOCA – Qual é a raiz da recuperação?

Mantega – É como se há muito tempo o país viesse se preparando para se tornar um país mais forte e saudável. Fizemos mudanças institucionais e econômicas importantes, em diversos governos. Antes da crise, tivemos três anos de altos investimentos, de aumento nas exportações, de crescimento nas reservas. Pela primeira vez na história recente, o Brasil apresentou um crescimento sem desequilíbrio. Antes o país crescia, mas gerava inflação. Ou crescia e gerava dívida externa, ou gerava deficit. Nós crescemos sem inflação, pagamos nossa dívida com o FMI, fizemos mais de US$ 200 bilhões em reservas. Entramos na crise sem inflação e sem dívidas em dólar. Estávamos crescendo quase 7%. Nossa preocupação era pisar um pouco no freio para evitar pressões inflacionárias. Os países que mais sofreram foram aqueles que produziam grandes desequilíbrios, como os Estados Unidos, que usavam a poupança externa para pagar o consumo da população e mantinham deficits gigantescos, num castelo de cartas que só poderia cair.

ÉPOCA – Por que o Brasil ficou diferente?

Mantega – Essa foi uma crise financeira, e o Brasil é um país conservador do ponto de vista financeiro. Pelas regras internacionais, um banco pode fazer empréstimos equivalentes a 11 vezes seu patrimônio. Nos EUA, os empréstimos dos bancos de investimento passavam de 30 vezes. No Brasil, a média é emprestar apenas 6,5 vezes. Veja você que, às vezes, o conservadorismo é bom.

ÉPOCA – Como explicar isso?

Mantega – Os bancos sempre puderam ganhar muito com nossas taxas de juro, que sempre foram altas. Mesmo hoje, com juros baixos, o spread cobrado pelos bancos continua alto. Isso não é certo, pois voltamos a ser um país normal e podemos ter juros normais. A diferença está em nossos controles, que são rigorosos e não deixam os bancos esconder seus problemas. O controle não pode ser 100%, porque existem operações fora do Brasil, mas chega a 90% do setor financeiro. Outro fator são os bancos públicos. Na crise, eles elevaram o crédito em 25%, em comparação a pouco mais de 3% dos bancos privados. Hoje, representam 40% da oferta de crédito privado.

ÉPOCA – Quando o senhor constatou que estava diante da pior crise em 80 anos?

Mantega – Quando o Lehman Brothers caiu (15 de setembro de 2008). Até então, ninguém sabia o que estava acontecendo. Os problemas eram escondidos, a sujeira ia para debaixo do tapete. Ocorreu, de repente, a paralisação total de crédito. Zero. As portas se fecharam, e a economia parou. Lembro que eu encontrei o Paulson (Hank Paulson, então secretário do Tesouro dos Estados Unidos), logo depois, em Washington. Você podia ver a crise no rosto dele. Estava branco, parado. A expressão era de quem havia tentado de tudo e já não sabia mesmo o que fazer. Todo mundo estava assim. No Brasil, os empresários se apavoraram. Muitos começaram a dar férias coletivas, a suspender a produção. Houve certo exagero. Porque o país estava bem, queríamos sair da crise e agíamos para isso. O presidente Lula nos disse para ser ousados e agir com rapidez. O Brasil foi rápido para fazer uma política contracíclica.

ÉPOCA – O senhor acredita que a crise mundial acabou?

Mantega – Não acredito na volta da recessão, pelo menos enquanto a maioria dos países concordar que é preciso manter políticas de estímulo ao crescimento. O mundo está saindo da recessão, mas o risco de retorno não está eliminado. Uma das lições da crise é entender que os mercados não podem ser deixados à solta, sem uma intervenção do Estado. A recuperação só foi possível porque todos aceitaram isso. Caso contrário, o mundo teria ido para uma depressão.

Da Época