Crise acelera alianças entre montadoras
Mesmo antes de assumir, Jalinier já defende a prorrogação na redução do IPI para manter o atual nível de produção
O novo presidente da Renault do Brasil, Jean-Michel Jalinier, estima que, assim que a crise mundial passar, as posições dos países produtores de veículos no ranking mundial deverão mudar. Até lá, segundo sua previsão, o processo de alianças entre montadoras vai se intensificar. Numa breve passagem pelo Brasil esta semana, viagem feita antes de assumir o novo cargo, no dia 1º de abril, o executivo francês já aprendeu que aqui existe um imposto chamado IPI, reduzido para estancar a queda de vendas de automóveis. Um cenário diferente da crise profunda que ele tem acompanhado na Europa.
Jalinier também já concluiu que o Brasil leva vantagem em relação à Rússia, país onde ele comandou a Renault nos últimos seis anos. Enquanto no Brasil o incentivo fiscal freou o desaquecimento de demanda, na Rússia a crise provocou uma queda de 50% no mercado de veículos. Por isso, ele já aprendeu, antes mesmo de assumir o cargo, a defender a extensão do benefício.
O executivo lembra que somente no acumulado dos dois primeiros meses do ano a crise provocou queda nas vendas mundiais de veículos de 2,2 milhões de unidades. Trata-se de um volume equivalente a quase todo o mercado brasileiro previsto para este ano. Ele diz não saber o tamanho do estrago que essa crise provocará no setor automotivo, nem mesmo nos Estados Unidos, onde os fabricantes enfrentam dificuldades.
Mas o Brasil, para ele, está numa situação mais favorável. “Vejo que o Brasil depende menos de outros países”, destaca. Para ele, o potencial de ampliação do mercado brasileiro, que tem oito habitantes por veículo, é nítido e virá com o crescimento econômico do país. Jalinier conta que no ano passado houve uma espécie de “competição” entre Rússia e Brasil dentro da Renault. O Brasil vendeu 115 mil veículos da marca e venceu a Rússia, que comercializou 108 mil unidades.
Jalinier passou o começo desta semana em São José dos Pinhais (PR), onde fica a fábrica da Renault, para acompanhar o lançamento do Symbol, automóvel produzido na Argentina que substitui o Clio sedã. Ontem à noite ele seguiu para Moscou para cuidar dos detalhes finais da sua mudança para o Brasil.
Além do contraste do clima, a mudança para o Brasil representa para o executivo a necessidade de aprender um novo idioma. “Na Rússia ou você aprende a língua ou não come”, afirma. No Brasil, as coisas lhe pareceram mais fáceis. Ao passar por um pequeno supermercado, o novo presidente da Renault disse ter se impressionado com a atitude aberta, amável e solícita dos brasileiros.
Esguio e elegante, Jalinier demonstra disposição para aprender. Com o objetivo de adiantar o aprendizado do idioma local, que ele faz questão de falar, o executivo comprou alguns CDs de ensino da língua portuguesa. Também chamou a sua atenção a localização da fábrica do Paraná, instalada numa área de 2,5 milhões de metros quadrados, dos quais 60% são mata preservada.
Esta é a quarta mudança no comando da subsidiária brasileira que a Renault faz desde a construção da fábrica no país, há dez anos. Jalinier substitui Jérôme Stoll, convocado pelo presidente mundial do grupo, Carlos Ghosn, a se mudar para Paris para ajudar a empresa a enfrentar as dificuldades na Europa. Stoll já assumiu a vice-presidência comercial mundial, mas também voltou ao Brasil esta semana para acompanhar o encerramento do ciclo de lançamento de seis modelos de veículos que Ghosn prometeu para o país há três anos.
O Symbol é o sexto dessa série. Nos cálculos da direção da Renault, com a conclusão desse ciclo, a filial brasileira estaria preparada para dar a arrancada que lhe faltou durante esses dez anos para conquistar uma fatia de mercado mais próxima dos fabricantes de veículos veteranos no país.
A montadora francesa deu um salto nos três últimos anos. Conseguiu dobrar o volume de produção e a participação no mercado, crescendo mais que as concorrentes maiores e ainda estancou os prejuízos financeiros. Mas a sua fatia nas vendas de veículos no país, de 4%, ainda está longe de Volkswagen, General Motors e Fiat, com mais de 20% cada uma.
O fim do ciclo também significa o encerramento do último grande programa de investimentos da companhia no país. Entre 2006 e 2009 a Renault investiu R$ 1 bilhão no Brasil. Daqui em diante não existe ainda nenhum novo plano do mesmo porte. Stoll diz que estão previstos alguns “face lifts” – nome que a indústria automobilística dá às modernizações feitas em um modelo de carro já existente – e adianta que haverá “uma surpresa” num prazo de dois anos.
Doutor em engenharia, Jalinier, um executivo com 55 anos e 24 de Renault, aproveitou o encontro com Stoll esta semana no Brasil para aprender com o seu antecessor algumas dicas sobre o país. Ele já se convenceu, por exemplo, que crédito é fundamental para movimentar o mercado de veículos.
“Para vender carros precisamos estar atentos a três ferramentas fundamentais: financiamento, preço e atratividade do veículo”, afirma Stoll. “Quando um fabricante lança novos modelos ele tem uma boa chance de conquistar o consumidor, mas é preciso contar também com o preço – e isso nós conseguimos com a redução do IPI – e ainda as condições de financiamento, que estão voltando com a queda da Selic”, destaca Stoll.
Do Valor Online