Crise amena no Brasil é prova de estabilidade, afirma pesquisadora
Para a brasileira Marcelle Chauvet, da Universidade da Califórnia e relatora de comitê da Fundação Getúlio Vargas que avalia recessões, recuperação substancial vem no 2º semestre
Para a pesquisadora Marcelle Chauvet, o fato de o Brasil estar atravessando a atual crise mais suavemente do que outras nações é mais uma prova da sua estabilidade. Segundo os seus cálculos, a recuperação está em curso e já no segundo semestre o país pode voltar a crescer. Leia abaixo trechos da entrevista que ela concedeu à Folha por e-mail e por telefone da casa da sua família, em Brasília, na semana passada.
FOLHA – O Brasil entrou oficialmente em recessão no primeiro trimestre do ano. O que os índices já dizem sobre a economia do país no segundo trimestre?
MARCELLE CHAUVET – Os indicadores de atividade apontam para uma recuperação já a partir de março. Os dados de abril são ainda melhores, indicando uma recuperação econômica contínua. Essa retomada ainda é incipiente e relativamente frágil: precisa se sustentar nos próximos meses para definir o fim da recessão.
FOLHA – Quais os dados que mostram melhora e quais estão fracos?
CHAUVET – Normalmente, o emprego é a variável que demora mais a indicar a recessão, pois as empresas tendem a segurar os seus funcionários tanto quanto possível. Reduzem a jornada, dão férias, para só depois demitir mesmo. Da mesma maneira, os empregos só serão retomados quando a expansão se estabilizar mais. Em março, esse é um dos índices mais fracos. Já nos dados relativos a produção e vendas da indústria, começa a haver uma recuperação.
FOLHA – É correto aplicar o termo recessão ao que aconteceu no Brasil? Quando os especialistas falam em recessão técnica e frisam o termo “técnica”, tem-se a impressão de que o fenômeno se encaixa na definição teórica sem ocupá-la com propriedade.
CHAUVET – O conceito mais tradicional de recessão é aquele baseado na análise do NBER (National Bureau of Economic Research), dos EUA, desde os anos 1940. Por essa definição, recessão é uma queda generalizada e substancial de vários setores da economia por um período de pelo menos cinco a seis meses. Afeta não só a produção mas também a renda pessoal, o emprego, as vendas do comércio e da indústria. Usar o conceito de queda do PIB [Produto Interno Bruto] por dois trimestres é uma forma mais popular e acessível. Essa definição pode ser problemática porque não reflete diretamente as condições do mercado de trabalho e também não incorpora nuances importantes da volatilidade econômica durante períodos recessivos. Por exemplo, suponha que a economia estivesse apresentando um crescimento forte, de 5%, e um choque interno ou externo fizesse com que a atividade recuasse 3% em um trimestre e avançasse 0,1% no seguinte. O conceito simplificado não indicaria esse período como de recessão. No entanto, o emprego, a renda, os lucros, as vendas etc. podem ter caído substancialmente, e diversos setores e agentes teriam sido afetados. Pela definição do NBER, esse período seria de recessão.
FOLHA – Essa foi mais ou menos a situação do Brasil. Ainda assim, alguns setores não experimentaram toda essa contração.
CHAUVET – As quedas mais bruscas se deram no setor industrial, então as pessoas próximas a ele, tanto empregadores como empregados, perceberam. Quem não sentiu foi o setor de serviços. Porém a desaceleração atingiu profundamente o país. As recessões enfrentadas pelo Brasil na última década foram muito curtas, bateram e foram embora muito rápido, não chegaram a afetar demais o emprego. Isso mostra que a economia do país está realmente mais estabilizada.
FOLHA – Quanto tempo vai levar para que o Brasil volte a crescer?
CHAUVET – Se não houver outro choque externo significativo, a economia brasileira deve se recuperar substancialmente neste ano já a partir do segundo semestre. A queda da produção no último trimestre de 2008 foi brusca, porém os modelos indicam que essa queda foi temporária e que já está havendo uma recuperação. O Brasil entrou em recessão bem depois dos EUA e deve sair dessa antes.
FOLHA – E as previsões de que a recessão nos EUA vai passar entre o final deste ano e começo do próximo são factíveis, pelo modelo?
CHAUVET – Sim, as probabilidades de recessão para os EUA vêm caindo lenta mas continuamente. No entanto janeiro e fevereiro foram meses muito ruins ainda, com probabilidades de recessão por volta de 90%. A economia americana começou a mostrar sinais de recuperação a partir de março e os dados de abril confirmam isso. A economia americana pode sair da recessão já no terceiro trimestre deste ano. O modelo apresenta probabilidades inferiores a 50% no outono [do hemisfério Norte].
O fim da recessão, o vale, na verdade representa o fundo do poço e um movimento ascendente das séries. Os economistas dizem que a recuperação vai ser lenta, mas ainda não é possível saber. A renda dos consumidores não caiu tanto, e pode ser que em certo momento eles não tenham conseguido comprar porque não havia produtos -com medo, os comerciantes reduziram drasticamente seus estoques. Quando a produção volta ao normal, se as pessoas estão com dinheiro e não muito temerosas em relação ao futuro, a tendência é que voltem a gastar.
Da Folha de S. Paulo