Crônica: Domingo não é dia de trabalho

Artigo de Theo de Oliveira, responsável pelo Departamento de Saúde do Trabalhador e Meio Ambiente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC

O forte latido do cão na casa vizinha o fez acordar. Sobressaltado, com um misto de raiva pela interrupção brusca do sono gostoso da manhã, e de saudade, pois há muito tempo não ouvia o cão, ele lembrou-se que ultimamente acordava muito cedo, ainda antes de começar o movimento na rua e do cão latir.

Olhou para o relógio, quase oito horas daquele domingo de outono e, ainda deitado, fechou os olhos e agradeceu. Há muito tempo os domingos eram iguais. Acordava às cinco para trabalhar e, muito raramente, quando não tinha hora extra, às seis para ajudar a mulher com a feira da semana. Hoje era diferente, não havia trabalho, nem feira.

A empresa o convocara para um café da manhã às nove, que antecederia a uma dinâmica de grupo. Parte de um programa motivacional que incluía ainda uma churrascada com os colegas numa atividade de integração entre os colaboradores e, destes, com a chefia, gerência, supervisores e até diretores.

Saltou da cama e já no banheiro diante do espelho olhou para si assustado.
Não fosse a obrigação voltaria para a cama. Isso incluía uma boa prosa com a patroa que já voltava carregada de compras, um carinho e talvez até um namoro.

Bem, uma boa farra com os filhos, um sorvete e no final da tarde uma cervejinha com os amigos para acompanhar o futebol.

Pensou quanto tempo não parava diante do espelho.

Parecia um estranho, vendo pela primeira vez algumas rugas já profundas, um ou outro fio branco na barba. Sentiu saudades de seus sonhos. Não tinha mais tempo para eles, nem para si. O trabalho nunca lhe permitia estar consigo mesmo. Só em casa podia ficar a sós, ouvir seu corpo, sua mente. Só ia para o trabalho porque era o único meio de sobreviver e criar os filhos. Não era um prazer, só obrigação.

Imaginava-se em um caminho sem fim em que o portão da fábrica não chegava nunca. Chegar para que? Lá dentro tudo era irritantemente igual, não precisava mais que obedecer e fazer, fazer cada vez mais, obedecer e fazer, fazer sem pensar, só obedecer cada vez mais. As palmas interromperam seu sonho de olhos abertos. Os colegas se abraçando, alguns com lágrimas nos olhos.

Esfregou os seus, abriu um sorriso amarelo e entendeu que a palestra de motivação havia terminado. Agora que o domingo já se ia, pensou no dia seguinte. Já estava motivado.
O sorriso desapareceu. Ouviu copos se tocando tim-tim…saúde!!!

Departamento de Saúde do Trabalhador e Meio Ambiente