Cultura|Ritmo, Poesia e Periferia

Intercâmbio de classes: o rapper
nova-iorquino Guru dá show em bar
paulistano de classe média

Não espere o futuro mudar sua vida / Porque o futuro será a conseqüência do presente / Parasita hoje / Um coitado amanhã / Corrida hoje / Vitória amanhã / Nunca esqueça disso
(A Vida é Desafio, Racionais MC’s)

Por Marcelo Santos

Boa parte dos 13 milhões de brasileiros habitantes de favelas convive com o estigma da invisibilidade social. Mas é também lá, no coração da favela, que a onda de hip-hop responde a essa invisibilidade com uma injeção de valor na auto-estima. O orgulho de ser da periferia é um dos frutos desse movimento cultural, identificado com a vida em comunidade e o que ela tem de melhor. Quem vê nos guetos apenas celeiros de bandidos e aspirantes a jogador de futebol é bom se preparar para rever conceitos. Em breve, as periferias serão os principais pólos culturais das cidades, formadores de escritores, poetas, músicos, pintores, dançarinos, enfim, uma nova safra de artistas.

Para o escritor e rapper Reginaldo Ferreira da Silva, o Ferréz, se o marasmo leva às drogas, o hip-hop leva à realização. “Para ser DJ, precisa treinar; para fazer um rap, precisa estudar, ler, escrever”, comenta. Reconhecido por sua literatura “marginal”, Ferréz é um dos principais entusiastas da cultura hip-hop na região onde mora – o Capão Redondo, na zona sul da cidade de São Paulo -, uma das mais críticas do país em relação à violência.

Lá, enquanto a cidade de São Paulo se escondia da guerra entre as “forças de segurança” e organizações criminosas, em maio deste ano, a retaliação policial impunha ares macabros. “A periferia sempre é criminalizada, quando na verdade mais de 99% somos trabalhadores. Os bandidos estão de terno na Avenida Paulista, não de chinelo na favela”, dispara o escritor.

Nesse contexto, o movimento hip-hop exerce papel inestimável. “Nenhum movimento jamais chamou tanto para si essa responsabilidade de criar um orgulho de ser periférico, uma vontade de mudar tudo através da arte.” O orgulho está estampado no rosto das pessoas, e também em camisetas, bonés, calças, chaveiros, adesivos feitos pelos próprios moradores. “A idéia é fazer a pessoa usar a atitude, ter orgulho do lugar onde mora”, defende Ferréz, que criou a marca 1 Da Sul, em 1999.

“É comum ver o pessoal vestindo nossas marcas em outros locais da cidade, como no centro ou nos shoppings. Isso nos deixa muito felizes”, comenta Alexandre Rocha, o DJ Alê, 33 anos. Ele se juntou a outros três amigos e formou o grupo de rap Negredo, que, além de cantar, faz roupas e acessórios com a marca dos músicos. “Mas só vendemos as roupas em nossa loja ou na 1 Da Sul.” A estratégia é estimular as pessoas a gostar da marca Negredo, por exemplo, a ir à periferia, a valorizar mais o local. Todo o processo, do design à venda, é feito pelos próprios moradores das periferias da zona sul da cidade. Somente as marcas 1 Da Sul e Negredo geram trabalho para mais de 70 pessoas.

É da favela? Então, não!

Moradores da Favela do Godoy, na zona su