CUT na luta em Rondônia: durante reunião com comissão do Senado, trabalhadores expõem casos de violência

Ministério público também destaca ataque à legislação trabalhista

Na noite desse domingo (3), no hotel Rondon, em Porto Velho, capital de Rondônia, os senadores da comissão parlamentar de Meio Ambiente, Fiscalização e Controle disseram que o encontro com representantes dos trabalhadores serviria como aprendizado para que os erros cometidos na construção das usinas de Jirau e Santo Antônio não se repetissem em outras obras.

Pelo relato dos operários presentes, há muito o que aprender. O armador Wilson dos Santos, por exemplo, representante da comissão de trabalhadores da Santo Antônio, falou sobre o assédio moral imposto pela empresa, que negligencia a troca de equipamentos de segurança. Já Emerson do Nascimento, conhecido como Maranhão, teve a perna esquerda esmagada por uma máquina de 14 toneladas e precisou lutar muito para conseguir tratamento.

O operário que há dois anos prestava serviço para o Consórcio Santo Antônio Energia, capitaneado pela Odebrecht, passou a sofrer perseguições após denunciar uma manobra da empresa para esconder o acidente. “Fui destratado pela assistente social porque fui ao Ministério Público (MP) e denunciei que minha CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) estava errada. Botaram um código de dedo mindinho quebrado”, diz o operário que relata ver o mesmo caso se repetir com outras pessoas.

A decisão gerou represálias. Quando iria viajar para Sorocaba para colocar uma prótese, a funcionária o impediu por ter comunicado o caso ao MP. O plano de saúde também foi suspenso.

Ele retornou ao trabalho em 2010, mesmo ano do acidente, após ter realizado a cirurgia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e recebido alta do INSS. Maranhão agora se locomove com o auxílio de muletas

Sine vira arma para falcatrua
O próprio Ministério, na figura do procurador-chefe em Rondônia, Francisco Cruz, enfileirou uma série de denúncias. A principal delas envolve uma manobra trabalhista do grupo controlador da Jirau para não fornecer a baixada, período de cinco dias oferecido ao trabalhador de outro estado a cada quatro meses, para que possa visitar a família. A tática do consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), que conta com a Camargo Correa e com a Enesa como construtoras, é arregimentar os operários em suas cidades e, chegando a Porto Velho, os contratarem pelo Sistema Nacional de Emprego (Sine), como se fossem da capital rondoniense.

Os problemas não param por api. Vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Civil de Rondônia (Sticcero), Altair Donizete, fez um resgate do processo que levou aos conflitos. Para ele, a confusão está ligada à falta de diálogo com a empresa. “Temos acesso ao canteiro da Enesa e em nenhum momento a empresa parou. No caso da Camargo, uma semana antes do ocorrido ligamos e dissemos que tínhamos uma pauta, mas não nos ouviram e nem permitiram que fizéssemos uma assembleia.”.

Fatores econômicos como o não pagamento da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) por parte da Camargo – que os operários da Enesa, das terceirizadas e de Santo Antônio receberam – e administrativos, como a segurança sob responsabilidade de ex-policiais que agrediam operários ao comando de um funcionário identificado como Raimundo Nonato Castro, fizeram com que a bomba relógio explodisse.

Sem conversa
Secretário de Saúde do Trabalhador da CUT-RO, Raimundo Nonato Soares, criticou a demora da comissão em comparecer à região. “Acho que deveriam ter vindo antes, porque o problema não é de agora. São as duas maiores obras do governo federal e tanto Câmara quanto Senado deveriam estar vistoriando de perto para verificar tanto o atendimento aos trabalhadores quanto o cumprimento dos compromissos firmados. Espero que daqui para frente as coisas melhores e mudem para quem, de fato, constrói o futuro do país”, comentou.

O presidente da Assembleia Legislativa de Rondônia, Valter Araújo (PTB), acrescentou mais pimenta ao molho da ESBR. Disse que o grupo não investiu em capacitação profissional, burlou o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) ao apresentar um número muito inferior de trabalhadores que seriam deslocados para a obra em relação ao que efetivamente chegou em Rondônia e também criticou, principalmente, a falta de diálogo. “O que nos causa bastante estranheza é que Santo Antônio ao menos senta à mesa. Já os administradores de Jirau não tem comprometimento com nada. No momento de crise, queriam passar a responsabilidade para o Estado. Se com o governo agem assim, imaginem como tratam os trabalhadores.”  

A culpa é dos operários…
No período da tarde, antes da reunião o grupo formado pelos senadores Ivo Cassol (PPS-RO), Valdir Raupp (PMDB-RO), Jorge Vianna (PT-AC) e pelo presidente da comissão, Rodrigo Rolemberg (PSB-DF), visitaram Santo Antônio. Na manhã desta segunda (4), estarão em Jirau e se reunirão com o governador de Rondônia e com o prefeito de Porto Velho.

Durante todo o encontro os parlamentares trataram de enaltecer o desejo de ouvir todas as partes envolvidas no caso para elaborar um relatório que será levado até Brasília. O tom ameno só foi quebrado por Cassol.

Ex-governador de Rondônia, ele suspeita que a série de paralisações em obras do Programa de Aceleração do Crescimento não sejam fruto somente da precarização nos canteiros. “Parece uma coisa orquestrada e de nível nacional. Tudo indica que tem interesse dos sindicatos. Vamos apurar, porque alguns tentam culpar A, B ou C e o que queremos é que os investimentos continuem”, disse.

Ele também recomendou a volta urgente ao trabalho. “Patrão nenhum quer negociar com funcionário parado. Pego por mim, porque quando era governador não tinha acordo, podia fazer piquete, greve. Essas obras devem servir de exemplo para a nação, especialmente numa época em que o Japão está espalhando contaminação com suas usinas nucleares e nós queremos energia limpa”, sentenciou.

…e da anta
O parlamentar também sugeriu a criação de um “ICMS verde”. “O que estou achando muito errado é trazer gente de fora para Rondônia. O que aconteceu há poucos dias atrás é uma amostra do que vai acontecer no futuro. Por enquanto, foram pessoas de outros estados, mas e depois que as usinas forem embora e o padeiro, o comerciante, o farmacêutico estiver mandando gente embora? Esse pessoal vai todo para o mato derrubar, desmatar e a criminalidade vai crescer. Precisamos criar o ICMS verde para todos os empreendimentos da região amazônica.”

No meio do discurso, sobrou até para a anta. “Temos R$ 60 milhões de cada consórcio para cuidar de anta e R$ 30,5 milhões para cuidar de gente. É culpa dos dois consórcios? Não. É culpa de quem cuida da parte ambiental que só está preocupada com os bichos. Vamos pegar essa parte da compensação para cuidar de anta e passar a cuidar de gente. Não está difícil recuperar o canteiro de Jiral, é só dar condição porque o pessoal quer trabalhar”, afirmou.

Mais ou menos por aí
A presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 14ª. Região, Vânia Abensur, falou sobre a necessidade urgente de investir na ampliação do atendimento aos trabalhadores. De acordo com a magistrada, duas varas da Justiça do interior foram deslocadas para Porto Velho com o intuito de suprir a demanda, mas não houve aumento de servidores. “Temos dificuldade porque as varas são criadas por lei e isso é um processo muito lento. Desde o início das obras, o crescimento foi de ano menos 30% das reclamatórias trabalhistas.”

Vânia foi a juíza que no último dia 24 acatou uma ação da Camargo Correa e determinou a suspensão da greve em Santo Antônio, multando o Sticcero em R$ 50 mil ao dia por descumprimento. Questionada por nossa reportagem se achava a ação do sindicato legítima, ela surpreendeu. “O sindicato tem envidado esforços, não apenas para que os trabalhadores tenham seus direitos respeitos, mas também adotado uma postura de pacificação.“

Ela aproveitou para mostrar sua visão diante dos ocorridos. “Não se sabe quais trabalhadores participaram, quais não, porque você vê muitos assustados com a situação. Por outro lado, as empresas do consórcio, as terceirizadas, todas estão contra essas atitudes barbáries”, comentou.

Perguntada se achava que havia diálogo entre empresas e trabalhadores, Vânia esmiuçou a importância do retorno das obras. “Havia negociação entre eles, mas todo mundo tenso acabou gerando insatisfação dos trabalhadores. Quando empresa procurou a Justiça para intervir, nós interviemos e aplicamos a multa, caso a obra não voltasse a funcionar. Porque é necessário, nós temos período de chuva, o rio vai subir, tem etapas da obra que precisam continuar agora, sob pena de continuar só no próximo ano. As obras não podem parar”, determinou.

Da CUT Nacional