Debate sobre desoneração da folha deixa Previdência ´apreensiva´
O ministério da Previdência está “apreensivo” com o debate sobre o fim da cobrança de contribuição previdenciária sobre a folha salarial das empresas. Para os técnicos da pasta, a discussão tem ponto de partida errado. “A desoneração da folha é uma agenda que está dentro do governo mas que causa uma certa apreensão no ministério. O financiamento da Previdência não é uma questão de competitividade”, disse o diretor do Departamento do Regime Geral de Previdência Social, Rogério Nagamine.
O ministério da Fazenda estuda isentar a folha de salário das empresas para auxiliar aquelas pertencentes a setores industriais que empregam muitos trabalhadores e, ao mesmo, enfrentam concorrência estrangeira nas exportações ou no mercado brasileiro. Para aquelas empresas, o atual preço baixo do dólar ajuda o inimigo. Seria preciso adotar alguma medida que lhes desse mais “competitividade”.
“A apreciação cambial é realmente grande, mas não dá para botar toda a conta desta valorização na folha de salários”, disse Nagamine, que participou de um seminário sobre desoneração da folha promovido pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), na última quinta-feira (07/07), no Congresso Nacional.
A equipe econômica não trabalha com a hipótese de incentivar a competitividade das empresas brasileiras encarecendo o dólar. Valendo pouco, a moeda norte-americana está contribuindo para segurar a inflação e para modernizar o parque industrial brasileiro, via importações, e para aumentar exportações de commodities (minério de ferro, produtos agropecuários, petróleo, os principais itens da pauta exportadora brasileira hoje), vitais para o país fechar as contas externas.
Na avaliação de Nagamine, desonerar a folha preocupa por várias razões. A mais importante, e que já justificaria um debate cauteloso, é o tamanho do impacto no caixa da Previdência. A tributação da folha rendeu R$ 82 bilhões no ano passado, o equivalente a 40% de toda a arrecadação própria da Previdência.
Desoneração total
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, que no governo Lula propôs eliminar apenas uma parte da tributação sobre a folha, mudou de idéia. No fim de maio, primeiro em reunião com centrais sindicais, depois com empresários da Câmara Americana de Comércio, informou que a intenção agora é desonerar 100% da folha. Mas que haverá uma compensação: um novo imposto será criado com a finalidade única de financiar a Previdência.
A principal proposta discutida até agora pela Fazenda com sindicalistas é taxar as vendas das empresas. Nagamine acha isso um risco. Primeiro, porque faturamento seria uma base de tributação mais instável que salário. Em tempos de crise, faturamento cai mais rápido do que o nível de emprego. Em 2009, em razão da crise financeira mundial que exclodira no ano anterior, a receita da Previdência teve aumento real de 3%. Já as demais receitas tiveram queda real de 6%.
“É até uma ironia discutirmos isso quando a base de financiamento [folha de salários] está bombando”, afirmou o diretor, em referência ao ritmo de geração de emprego com carteira assinada na casa de 2 milhões ao ano.
Outro problema de trocar a folha de salários pelo faturamento seria o reforço do caráter regressivo da carga tributária. O sistema fiscal brasileiro privilegia a tributação de produtos – e, portanto, pesa mais para quem faz compras –, enquanto alivia nos impostos sobre a renda ou o patrimônio.
Além disso, para Nagamine, a desoneração da folha de salários, por si só, não assegura que haverá mais geração de empregos. O efeito seria mais sobre o salário de quem já está empregado numa empresa que fosse beneficiada pela alteração. O objetivo do governo não é, porém, incentivar a criação de postos de trabalho, mas aumentar a rentabilidade (lucro) das empresas que sofrem com o dólar barato.
Preocupações compartilhadas
As preocupações do diretor da Previdência foram compartilhadas, no seminário, pelo presidente da Anfip, Álvaro Sólon de França, ex-secretário-executivo do ministério da Previdência, e pelo economista Evilásio Salvador, professor de Política Social da Universidade de Brasília (UnB). Especialmente o fato de o combustível do debate não ter relação com previdência social, mas com rentabilidade empresarial.
“Não se faz competitividade assim. Temos de trabalhar melhor a política cambial”, afirmou Sólon. “O governo prefere mexer num sistema constitucional constituído para não mexer no câmbio”, disse Salvador.
De acordo com o professor, o salário recebido pelos trabalhadores do setor industrial no Brasil já é mais baixo do que em outros países. Seria de cinco dólares por hora, enquanto na Alemanha seria de 37 dólares, nos Estados Unidos, de 25 dólares, no Japão, de 19 dólares e em Cingapura, de 8 dólares. “Nossa mão de obra é extremamente barata. Só perdemos para o México, que paga US$ 2,92”, disse.
Ele concorda que a troca da tributação da folha pelo faturamento tem potencial de causar instabilidade ao sistema, pois emprego varia menos do que vendas. Que a regressividade da carga fiscal no Brasil aumentaria. E que seria mais fácil para o empresário driblar o fisco maquiando faturamento do que folha de salários.
Da Carta Maior