Debate sobre trabalho decente abre o Congresso
Evento teve presença de ministro, presidente do Ipea, da CUT nacional, diretora da OIT e da Contag
Trabalho decente foi o tema que abriu o 6° Congresso dos Metalúrgicos do ABC, no dia 15 de setembro. Participaram do encontro aberto à categoria, que lotou o 3° andar, o ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi; o economista Márcio Pochmann, Presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada); a socióloga Solange Sanches, Coordenadora da OIT (Organização Internacional do Trabalho) no Brasil; e Carmem Foro, Vice-Presidente da CUT Nacional e Coordenadora da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura). O mediador foi Artur Henrique, Presidente da CUT Nacional.
No evento, foram discutidas as conseqüências e alternativas às políticas neoliberais que varreram o mundo nas últimas décadas provocaram o aumento do desemprego e do trabalho realizado em condições precárias. O Brasil não é exceção à regra.
Os metalúrgicos do ABC acreditam que a retomada do crescimento econômico do País deve ser aproveitada para combatermos de maneira efetiva esses problemas. Um dos caminhos é adotar a Agenda Global do Trabalho Decente proposta pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Como defende a OIT, a construção de um Brasil justo e democrático – tema de nosso VI Congresso – só será possível quando o trabalho for produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, eqüidade e segurança e capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que trabalham.
Transformar essa proposta em realidade é o desafio colocado aos metalúrgicos do ABC neste Congresso.
A agenda de Trabalho Decente da OIT
O 6° Congresso coloca a Agenda Global do Trabalho Decente, definida pela OIT, como uma das prioridades no seu plano de ação dos próximos anos.
A partir do debate, que apenas abriu a discussão, um grupo de dirigentes do Sindicato continuará estudando o assunto, com o objetivo de engajar toda a categoria no debate sobre a agenda do trabalho decente e aproveitar ao máximo as contribuições de cada um.
Os subsídios deverão enriquecer as propostas para as plenárias deliberativas do Congresso, em maio de 2009, e ajudarão na confecção do Caderno de Teses.
Entenda o que é trabalho decente
Estudos realizados pela OIT concluíram que o processo de globalização econômica neoliberal (leia abaixo) é excludente e concentrador de renda, além de incentivar processos de precarização e flexibilização do trabalho, provocando uma crise mundial no emprego.
Segundo a Organização, existem 200 milhões de trabalhadores desempregados no mundo, o que equivale a 6,3% de toda a força de trabalho do planeta. O contingente de pessoas sem emprego – pouco mais que a população total do Brasil, oficialmente em 190 milhões – foi recorde no ano passado. Mais de 90 milhões dos desempregados – quase metade do total – são jovens, com idade entre 15 e 24 anos.
Também chama a atenção que mais de um bilhão de trabalhadores receba menos de dois dólares (cerca de R$3,60) por dia. Na África, oito em cada dez pessoas empregadas estão nessa categoria.
A OIT acredita que a única forma sustentável de combater essa situação é com a criação de empregos de qualidade. Por isso propôs a Agenda Global do Trabalho Decente. Trata-se de um trabalho que:
- permite satisfazer as necessidades pessoais e familiares de alimentação, educação, cultura, moradia, saúde e segurança;
- garante uma remuneração suficiente e estável para homens e mulheres adultos, para que as famílias não tenham que recorrer ao trabalho infantil para garantir níveis mínimos de subsistência;
- garante proteção social nos impedimentos ao exercício do trabalho (desemprego, doença, acidentes, entre outros);
- assegure renda ao chegar à época da aposentadoria;
- respeite os direitos fundamentais dos trabalhadores e trabalhadoras;
- é livre de qualquer discriminação (de gênero, raça, idade, orientação sexual etc.);
- é livre de coerção ou privação de liberdade que possa considerá-lo como um trabalho forçado ou em condições análogas à escravidão; – esteja associado à proteção social e à noção de direitos do trabalho, entre eles os de representação, associação, organização sindical e negociação coletiva.
Como encontrar os mecanismos necessários para cumprir a Agenda Global do Trabalho decente, é o desafio apresentado aos metalúrgicos do ABC em seu VI Congresso.
Antes, cabe perguntar por que o desemprego e o trabalho em condições precárias cresceram tanto nos últimos anos. O texto abaixo tenta explicar o que ocorreu.
Entenda o surgimento do neoliberalismo
A crise mundial do emprego começou nos países industriais mais avançados e se espalhou pelo mundo. Suas raízes estão no modelo de desenvolvimento adotado naquelas nações após o fim da II Guerra Mundial, em 1945.
Os trabalhadores nestes países eram protegidos por leis que garantiam a negociação coletiva para a reposição da inflação e o aumento real de salários. Uma avançada rede de proteção social para toda a população era a parte que cabia ao governo no sistema. Os trabalhadores sentiam-se seguros, pois o modelo permitia que mantivessem um alto padrão de vida e se prevenissem para o futuro.
A partir do início da década de 70, influenciado pela Crise do Petróleo, o lucro das empresas norte-americanas e européias começou a declinar e, como sempre acontece nessas ocasiões, a culpa pelo fracasso nos negócios foi jogada nos salários. Os trabalhadores não se sentiram ameaçados, pois a legislação trabalhista e salarial protegia seus direitos.
Dentro do mesmo processo de aumentar a taxa de lucros, o capital financeiro iniciou nesta época a globalização dos mercados. Aliado aos governos conservadores, os grandes investidores conseguiram derrubar as regras que proibiam o dinheiro circular livremente pelo mundo.
Assim, governos, empresas e o grande capital uniram-se em um movimento global que recebeu o nome de neoliberalismo e se caracterizou pelo ataque contra a legislação trabalhista e salarial, pela flexibilização e precarização do trabalho, pelo desmonte do setor público, pelo aumento do nível de desemprego e pela interrupção de políticas sociais.
O desastre neoliberal no Brasil
A década de 80 marcou o início do ajuste neoliberal no Brasil. Suas principais características foram a crescente repressão contra movimentos grevistas; perseguição às representações de trabalhadores; retirada de direitos da legislação trabalhista e salarial; estímulo à reestruturação produtiva; desativação da rede social e previdenciária, entre outras medidas.
O sentimento de segurança que os trabalhadores tiveram até a década de 70 foi eliminado diante das novas políticas que acabavam com o emprego seguro, bem remunerado e protegido pela legislação.
Com a eleição presidencial de 1989, o projeto neoliberal foi aprofundado no País e os trabalhadores brasileiros passaram a enfrentar as mesmas dificuldades que seus companheiros nos países industrializados.
A abertura econômica indiscriminada promovida pelo novo governo provocou enorme impacto na indústria brasileira. O abandono pela produção nacional e as importações resultaram no fechamento de várias empresas e em elevadas taxas de desemprego.
Com Lula, a volta do crescimento econômico
A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República, em 2002, e sua reeleição, em 2006 mudou a concepção de “neoliberal” que predominava na política brasileira desde 1989. O novo governo passa a buscar o crescimento econômico combinado com a diminuição da pobreza e a inclusão social.
Para alcançar esses objetivos, o Estado voltou a fortalecer-se, instituindo políticas socioeconômicas, interrompendo as privatizações e promovendo a geração de trabalho e renda. Os resultados são animadores.
A economia cresce a seis anos seguidos e deve prosseguir nesse movimento. O PIB do segundo semestre de 2008 teve alta de 6,1% em comparação ao mesmo período do ano anterior e chegou a R$ 1,3 trilhão.
A expansão econômica promoveu a abertura de mais de nove milhões de postos de trabalho formais no Brasil desde 2003. Somente no ABC, somam-se mais de 50 mil novos empregos com carteira assinada no último ano.
A geração de empregos com carteira assinada significa diminuição da precariedade, pois o trabalhador passa a contar com proteção social. No ano passado, a Previdência Social registrou a marca de 40 milhões de trabalhadores com carteira assinada, quantia recorde em sua história e que representa 50% da População Economicamente Ativa. O número está crescendo, já que em 2002, eram 31 milhões.
A pobreza segue diminuindo por conta do crescimento econômico, do aumento do salário mínimo, dos programas sociais de transferência de renda e dos incentivos à agricultura familiar.
Entre 2003 e o final deste ano, a taxa de pobreza deve cair 8% (de 32% para 24%) com a saída de quatro milhões de pessoas desta faixa no País.
De 2004 e 2008, outros 10% de brasileiros entraram para a classe média, que inclui famílias com renda entre R$ 1.064,00 e R$ 4.591,00. Hoje, 52% da população brasileira (perto de 100 milhões de pessoas) pertencem à classe média.
As projeções da economia brasileira para os próximos anos continuam sendo de crescimento sustentável. As previsões de investimento no setor automotivo confirmam essa tendência.
O setor investirá R$ 36 bilhões de dólares no aumento da capacidade produtiva até 2010, sendo R$ 9 bilhões nas montadoras já em 2008. Este número representa o maior montante da história desta indústria e é mais do que o dobro dos R$ 3,8 bilhões aplicados em 2007. O ano de 2008 deverá ainda bater mais um recorde de produção automobilística, com mais de 3,4 milhões de unidades, 16% superior a 2007.
Estes dados indicam um ambiente favorável à ampliação das conquistas. No entanto, para a eliminação das diferenças e da precarização no trabalho, também é necessária uma política regulatória do Estado.
Por um lado, estabelecendo critérios que impliquem na redução dos níveis de rotatividade dos trabalhadores, por outro, intervindo em processos de guerra fiscal, a fim de transformar as conquistas dos trabalhadores em direitos.
Os metalúrgicos do ABC enfrentam o neoliberalismo
Por estarem localizadas na região mais industrializada do País, as sete cidades do ABC sofreram a maior parte do impacto das políticas neoliberais adotadas no Brasil. A crise foi grave. A participação do setor automobilístico – motor da economia regional – no PIB nacional diminuía a cada dia.
Em apenas dois anos (1989 a 1991), indústrias de diversos setores fecharam e mais de 80 mil metalúrgicos perderam seus empregos na região. Com o aumento da população, cresciam o desemprego, o emprego precário e as demandas por serviços sociais.
O movimento sindical percebeu as conseqüências do ajuste neoliberal e começou a mobilizar os trabalhadores para defenderem seus direitos.
Foi neste contexto que os metalúrgicos do ABC iniciaram uma nova fase de sua luta e participaram das negociações da Câmara Setorial Automotiva, órgão tripartite também formado por governo e empresários.
As negociações resultaram em dois grandes acordos – em 1992 e 1993 – que permitiram a retomada do crescimento no setor. A produção passou de 914 mil veículos em 1990 para 1,6 milhão em 1995, enquanto os metalúrgicos receberam 20% de aumento real e mantiveram o nível de emprego.
Sindicato discute reestruturação
O Sindicato também debateu a contratação da reestruturação produtiva, intervindo no processo. A categoria concluiu que, se não era possível combater todas as transformações que estavam colocadas, era preciso, então, conhecê-las bem para, entre outros fatores, minimizar seus impactos sobre os trabalhadores em termos de ritmo de trabalho, condições de saúde e ergonomia, assim como repensar as necessidades de formação e qualificação e de remuneração.
O processo de “reestruturação produtiva” nas fábricas, implantado com a aplicação de um novo conjunto de técnicas e métodos, havia alterado completamente a organização da produção e do trabalho. Entre inúmeras mudanças, a reestruturação foi responsável pela substituição de algumas grandes linhas de produção altamente verticalizadas pelas pequenas células de produção. O processo tornou comum termos até então pouco pronunciados no chão de fábrica, como trabalho em grupo, metas, produtividade, polivalência, terceirização, just in time e kaizen.
Precarização e concentração de renda
Mesmo com os inúmeros avanços conquistados pela classe trabalhadora no período, o neoliberalismo aumentou a precarização do trabalho. Os ataques às organizações sindicais e seu enfraquecimento eram condições estratégicas para se adotar práticas de trabalho precário e impedir a reação do movimento sindical.
A individualização das relações de trabalho é a lógica desta estratégia. Dela resultam os processos de terceirização não só como uma questão de redução de custos, mas também como forma de dividir os trabalhadores.
Não é à-toa que os trabalhadores passam a ser chamados de “colaboradores” e, assim, “convidados” a participar desta nova forma de organização das empresas.
É neste contexto que, além dos trabalhadores terceirizados, surgem os contratados como pessoa jurídica (PJs), os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada, sob o regime de estágio, com contratos temporários ou por empreitada e assim por diante.
Se nos anos 90 o “ajuste estrutural” estava consolidado nos países industrializados, no Brasil as fábricas também haviam ficado mais “enxutas” às custas da superexploração dos trabalhadores.
A conseqüência das políticas neoliberais foi a concentração ainda maior da riqueza, ao mesmo tempo em que os trabalhadores ficaram mais pobres e desprotegidos. Por outro lado, grande parte da população foi praticamente excluída da sociedade devido à explosão do desemprego.
Trabalho precário
De modo geral, trabalho precário se resume em empregos mal remunerados, incapazes de satisfazer as necessidades pessoais e familiares de alimentação, educação, moradia, saúde e segurança; quando as pessoas têm pouca possibilidade de promoção e de carreira; quando sofrem com a rotatividade do trabalho; quando não há proteção social ou previdenciária; quando não possuem registro em carteira profissional ou trabalham na completa informalidade; quando acaba a garantia de aposentadoria; quando a representação e a livre organização sindical são reprimidas; quando a discriminação se manifesta em todas as formas; quando a terceirização e os contratos temporários são firmados sem que se preservem os direitos; quando se formam as “coopergatos”, criam-se os PJs, estagiários sem registro, entre outros.
Reação dos metalúrgicos do ABC
O Sindicato participou de outros fóruns após a Câmara Setorial Automotiva – entre eles, a Câmara Regional do Grande ABC e a Agência de Desenvolvimento Econômico -, onde acumulou experiência para combater o projeto neoliberal, enfrentar o desemprego e enraizar sua presença nas fábricas através da Organização no Local de Trabalho. Hoje, os CSEs (Comitês Sindicais de Empresa) já representam cerca de 70% da base.
Esta organização permitiu à categoria conquistar seguidos aumentos reais de salário. Nos últimos anos, os trabalhadores nas montadoras já acumularam um total de 20% de aumento real.
As negociações de PLR passaram a ter novo significado, tanto na forma de os trabalhadores participarem da vida da fábrica, intervindo para melhorar os indicadores de competitividade da empresa (discutindo produtos, inovação, jornada, condições de trabalho), como no impacto dos resultados destes acordos sobre o comércio e serviços locais, com a expressiva injeção de recursos que são disponibilizados durante o ano para o consumo e para a promoção de um círculo virtuoso da economia.
A organização também possibilitou a redução da jornada de trabalho. Um total de 59% dos trabalhadores do setor automobilístico no ABC exerce jornadas de até 40 horas.
O desafio dos Metalúrgicos do ABC para a Agenda do Trabalho Decente
Apesar dos avanços obtidos, ao comparar o conjunto das empresas na base nota-se que o quadro ainda é desigual. Novas fronteiras precisam ser desbravadas pelo combate às formas precárias de trabalho.
Os trabalhadores em montadoras e autopeças, por exemplo, representam 53% da força de trabalho da base sindical. No entanto, participam com 70% de toda massa salarial.
Historicamente, a participação das mulheres na categoria é de 13% do total de metalúrgicos. Somente no último ano houve um acréscimo de 9% de trabalhadoras na base. Sua renda média é de R$ 2.100,00, superior à remuneração do total de homens e mulheres no Brasil, hoje em R$ 1.230,00. Contudo, a batalha pela igualdade precisa continuar, pois as metalúrgicas ainda recebem cerca de 74% dos salários dos homens.
A situação é mais complexa quando se compara gênero e raça. Análise do Dieese para a Região Metropolitana de São Paulo mostrou que as mulheres negras recebem apenas 38% do valor da remuneração dos homens brancos.
Nosso Sindicato também dará continuidade à luta pelas cotas de contratação de pessoas com deficiência, para acabar com os procedimentos utilizados pelas fábricas na categoria. Não se pode permitir que trabalhadores seqüelados, vítimas do próprio processo de trabalho, sejam quantificados pelas empresas para justificar que atenderam ao número mínimo de contratações definidas por lei.
Pesquisa do Dieese mostra ainda que a taxa de desemprego do jovem é, no mínimo, uma vez superior ao restante da população economicamente ativa. Porém, esta população vem sendo pressionada cada vez mais a elevar seu nível de escolarização, como pré-condição para a entrada no mercado de trabalho, o que se torna muito difícil diante da falta de possibilidade dos jovens arcarem com seus próprios estudos.
Na categoria ainda existem distinções entre os trabalhadores que estão empregados. Os jovens de até 24 anos recebem cerca de 44% dos salários do total dos metalúrgicos.
Ao comparar trabalhadores em montadoras no País, verifica-se grandes disparidades. Em locais de produção industrial mais recentes, os salários aplicados correspondem a 1/3 daqueles das regiões tradicionais.
A Agenda do Trabalho Decente para os metalúrgicos do ABC só se consolidará quando todos os demais temas também tiverem atingido seus objetivos. Trabalho Decente nos Metalúrgicos do ABC representa o fim da desigualdade de gênero, raça, remuneração, condições de trabalho e de organização sindical. Significa trabalho de qualidade, sem precarização, com proteção social e com maiores oportunidades para homens e mulheres. Significa que todas, ou a maior parte das diferenças ainda existentes no interior da categoria, sejam eliminadas, e que os trabalhadores estejam nivelados nos seus mais elevados patamares de conquistas.