Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 60 anos nesta quarta-feira

Nesta entrevista à Tribuna Metalúrgica, Paulo Vannuchi, ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, conceitua direito humano, fala de avanços e do que falta para a compreensão do que é direito humano

Qual é a conceituação de direito humano?
É uma discussão de muitos séculos. A revolução francesa o discutiu no lema liberdade, igualdade e fraternidade ao fazer uma carta dos direitos do homem e do cidadão. Depois, com a derrota do nazismo, o mundo assustado e ainda sem compreender a brutalidade e barbárie que levou 60 milhões de vidas humanas em seis anos. firmou uma declaração de 30 pontos que desenvolve a idéias do ser humano ser portador de uma dignidade que nasce com ele. Seja porque o ser humano é construído à imagem e à semelhança de Deus ou por outra qualquer explicação que não passe pela teologia. É reconhecer que o ser humano tem uma dignidade pessoal que o impede de ser agredido, violentado, desrespeitado, excluído e alvo de preconceitos.  Para isso, é preciso construir as regras que estão aí. Estamos construindo no Brasil uma posição incomparavelmente melhor que há de 40 anos, quando o 20ª aniversário da Declaração foi comemorado com a decretação do AI cinco.

O que falta para que a compreensão dos direitos humanos ganhe a agenda do dia-a-dia das pessoas?
O grande avanço do governo Lula foi ter iniciado um ataque frontal para recuperar o primeiro dos direitos humanos, que é o direito à vida, por meio do direito à alimentação. Haviam milhões de brasileiros sujeitos a morrer de desnutrição ou condenados a viver com fome, o que tira da pessoa qualquer energia para lutar por outros direitos como saúde, ao voto, à participação política. Falta ainda na escola, na televisão, nos rádios e nos jornais ter uma explicação e educação sobre o que sejam direitos humanos. Em países mais avançado qualquer pessoa que for perguntada na rua responderão imediatamente que direitos humanos é a agenda da vida, da vida com liberdade, com igualdade e na diversidade. Isto é: eu não sou obrigado a ser igual a alguém. Eu tenho direito a ter meu time diferente de futebol, opinião religiosa e idéias políticas e tenho direitos de manifestar isso. E não são apenas direitos de liberdade, são direitos de igualdade. Ou seja: existe uma vaga no vestibular e tenho liberdade de disputar essa vaga do ponto de partida e não disputar com alguém que desde os 6 anos tem seu computador pessoal, quando eu só vi um de perto aos 18 anos. Essa é a construção da igualdade que o governo Lula consegue enfrentar. E espero que os governos seguintes venham a mantenham.

Quer dizer que nesses 60 anos, hoje o direitos humanos são considerados como tais…
Qualquer país do mundo hoje tem um lado de avanços e um lado de problemas que continuam a existir. No Brasil os avanços são incomparáveis a 200 anos atrás, tempo em que o País era montado na escravidão, que envolvia a tortura, o castigo em praça pública no pelourinho.
Comparado com 40 anos atrás, no AI cinco, hoje os estudantes podem realizar reuniões para falar mal do governo o quanto queriam. Isso não vai gerar o menor problema.

Quais direitos ainda são negados?
A juventude sofre um desemprego grave. O Brasil ainda não consegue realizar a proteção integral da criança e do adolescente. As crianças sofrem violência dentro de casa e abuso e exploração sexual. Os presídios tratam como iguais assassinos e presos por pequenos delitos. O presídio tem de ser um local onde o Estado ofereça condição para os presos voltarem à sociedade, voltarem à vida. Nos temos também muita violência no campo e contra indígenas.

Como você se sente quando houve a crítica de que direito humano é direito de presidiário?
A notícia boa que tenho é que acabamos de realizar uma pesquisa nacional e fizemos essa pergunta. Temia que a metade dos entrevistados dissessem que direito humano é direito de bandido, mas não! Apenas 20% disseram isso. Faz-se muito blá-bla-blá com essa posição em alguns programas de rádio e de televisão, porque alguns profissionais de imprensa, que não tem formação adequada, fazem essas guerrinhas, na qual o cidadão menos informado politicamente forma essa idéia.
 
Como o governo trata as denúncias dos desrespeitos praticados pelas polícias?
Estou estruturando um programa de direitos humanos para policiais pra acabar de vez com essa visão e mostrar que segurança pública é direito humano. É o direito de não ser roubado, de não ser morte, de não ser vítima de uma bala perdida. Fiz uma grande reunião semana passada com a Polícia Rodoviária Federal e os agentes serão formados para cuidar do tráfico de pessoas e vítimas de exploração sexual. A polícia tem de combater o crime com a lei. Quando a polícia combate o crime com o crime, como a tortura ou mata um bandido rendido, faz disso uma semelhança, uma identidade entre polícia e bandido. Quando nasce essa semelhança, o celular entra nas celas, o dinheiro apreendido no assalto vira propina, a arma apreendida volta para as ruas depois. Essa contaminação é uma agressão aos bons policiais.

Você entrou num conflito entre governo e judiciário ao defender a responsabilização dos torturadores da ditadura militar. Como está essa situação agora?
Tenho de saudar que esse debate está desbloqueado no Brasil. Ele tem de ser feito dessa maneira. O jornal O Estado de São Paulo fez um caderno especial sobre o AI 5 (no domingo, 7 de dezembro), lembrando essa história e com revelações inéditas de agentes da repressão sobre desaparecimentos de pessoas. Dos 400 brasileiros e brasileiras mortos pelo aparelho de repressão do regime militar, 140 estão desaparecidos. As famílias deles não tiveram ainda o direito histórico e sagrado de chorar os seus mortos e enterrá-los. Os povos mais guerreiros na história da humanidade faziam tréguas nas guerras para trocar cadáveres. Então por que o Brasil nessa fase avançada de democracia não consegue fazer um levantamento, ouvindo, mesmo que sigilosamente, os agentes da repressão para que possamos devolver a essas famílias o direito de lembrar seus mortos? Quando não se faz isso sempre existe a angustia da dúvida, se a pessoa está mesmo morta. Essa luta deve ser levada com calma, com serenidade e com convencimento. O presidente Lula está convencido e me determinou a coordenação desse trabalho até conseguirmos uma explicação histórica, uma abertura de arquivos para que o Brasil saiba o que aconteceu e não deixar que aconteça de novo.

Da Redação