Déficit comercial da indústria cresce 50% e chega a US$ 30 bi
O déficit da balança comercial da indústria de transformação saltou de US$ 20,7 bilhões de janeiro a agosto de 2010 para US$ 30,2 bilhões no mesmo período deste ano. Os dados são da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex).
O aumento do déficit reflete não só o crescimento de importações em ritmo mais acelerado que as exportações, mas também uma dependência maior dos segmentos industriais que ainda contribuem com superávits para a balança comercial. De janeiro a agosto de 2005, dos 22 setores analisados, 13 tinham saldo comercial positivo. No acumulado dos oito primeiros meses deste ano, apenas seis contribuíram com superávit. Desses, somente três segmentos – produtos alimentícios, celulose e metalurgia básica – responderam por 92,5% desse superávit.
Rogério César de Souza, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), diz que os segmentos industriais que ainda seguram o saldo positivo são de baixo valor agregado. “São setores que têm em básicos agrícolas ou metálicos alta representatividade na composição do preço dos produtos. Por isso, estão muito mais vulneráveis às oscilações de preços das commodities, o que torna seus saldos favoráveis ainda mais frágeis.”
A concentração de superávits em poucos setores ocorreu porque segmentos que antes contribuíam para a balança comercial da indústria com saldos positivos acabaram trocando o sinal de seus resultados comerciais e hoje entram na conta apresentando déficits significativos.
O setor de produtos têxteis, por exemplo, fechou os oito primeiros meses de 2005 com superávit de US$ 413,6 milhões. No mesmo período deste ano, o segmento teve déficit de US$ 1,63 bilhão. O setor de veículos automotores teve uma trajetória mais impressionante. Na mesma base de comparação, o segmento passou de um superávit de US$ 4,44 bilhões em 2005 para um déficit de US$ 4,88 bilhões neste ano.
Fernando Ribeiro, economista-chefe da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), diz que o segmento de veículos teve seu saldo comercial deteriorado porque foi afetado nos últimos anos pela menor exportação de aeronaves e embarcações, que também entram no cômputo do setor.
Outros segmentos, como os setores têxtil e de confecção, que são de mão de obra intensiva, enfrentam um problema de competitividade. Essas indústrias, afirma Ribeiro, começaram a ter saldo comercial negativo porque passaram a enfrentar, tanto no mercado interno como no internacional, a concorrência de países que utilizam mão de obra barata, como Indonésia, Vietnã e Paquistão.
“Trata-se de uma questão estrutural difícil de resolver. Nos últimos anos praticamente todas as categorias têm conseguido aumentos reais. Ou seja, os salários médios reais têm crescido. Com a evolução do câmbio, os salários têm tido aumento ainda maior em dólares”, diz Ribeiro. “Também chama a atenção que alguns setores de média baixa e de baixa tecnologia, que sempre geraram algum superávit, embora pequeno, tenham passado a contribuir para a balança da indústria com saldo negativo”, completa Souza. “Isso revela que o déficit não está mais restrito ao setores de maior intensidade tecnológica.”
Outros segmentos que chamam a atenção são os que já tinham déficit e aprofundaram o saldo negativo. O setor de máquinas e equipamentos mostrava déficit de US$ 322,5 milhões no acumulado de janeiro a agosto de 2005. No mesmo período deste ano, o saldo negativo saltou para US$ 9,38 bilhões. Na mesma comparação, o déficit da indústria eletrônica e de comunicações saiu de US$ 2,39 bilhões para US$ 9,88 bilhões. O saldo negativo do setor químico, de US$ 5,42 bilhões, chegou nos oito primeiros meses deste ano a US$ 17,98 bilhões.
A deterioração maior nos segmentos de máquinas e de eletrônicos, analisa Ribeiro, revela outro problema estrutural. “Esses setores são muito intensivos em inovação tecnológica, que é um ponto fraco do país.” Já na indústria química, diz, deixando à parte o segmento farmacêutico, o grande problema do Brasil é a escala de produção, que ainda traz falta de competitividade, principalmente ao setor petroquímico.
Em vários dos setores, lembra José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), a indústria nacional tem enfrentado dificuldade em razão da pressão de custos em reais – como a dos salários – e da competição com o produto importado que ficou muito mais barato em razão do câmbio. “Na verdade o câmbio deixou evidentes os problemas estruturais da indústria brasileira.” Para ele, em vários segmentos o importado já ocupou espaço e não há a curto prazo possibilidade para reversão.
Para Ribeiro, a perspectiva da indústria é manter o quadro deficitário. Para este ano, o economista projeta déficit entre US$ 45 bilhões e US$ 50 bilhões. “A tendência de déficit comercial crescente da indústria de transformação não deve mudar pelo menos no horizonte dos próximos três anos”, estima. Esse é, segundo ele, o tempo mínimo para algumas iniciativas começarem a dar os primeiros resultados. Ele dá como exemplo o plano Brasil Maior, que tem entre seus objetivos a recomposição da verticalização das cadeias produtivas e o incentivo à inovação. Hoje, lembra Ribeiro, a taxa de investimento industrial é baixa e o quadro atual impulsiona a importação.
O economista da Funcex leva em consideração a expectativa de crescimento da economia em níveis próximos a 4% ao ano. “Isso deve manter um ritmo razoável de crescimento da demanda doméstica por importados.” Ou seja, o Brasil manterá o quadro propício ao aumento de importações, mas ainda não terá ganho competitividade necessária na exportação.
Do Valor Econômico