Depois de quase uma década, julgamento da chacina de Unaí vai começar
Manifestação contra morosidade da Justiça, em 2007, no caso da chacina de Unaí. Julgamento começa só dez anos depois do crime
Na primeira fase, serão julgados os três réus que estão presos. Em janeiro de 2004, três fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho e Emprego foram mortos a tiros
Quase dez anos depois do crime (exatos nove anos e sete meses), o julgamento da chamada chacina de Unaí, no noroeste de Minas Gerais, vai começar. O início do Tribunal do Júri está marcado para as 9h desta terça-feira (27), na sede da Justiça Federal em Belo Horizonte. Nessa primeira fase, serão julgados os réus que estão presos, pelos crimes de homicídio qualificado e formação de quadrilha. Existe a expectativa de que os acusados de serem os mandantes sejam levados ao tribunal em 17 de setembro.
O crime ocorreu na manhã de 28 de janeiro de 2004, quando três fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho e Emprego foram emboscados em uma rodovia vicinal e alvejados na cabeça. Eratóstenes de Almeida Gonçalves, o Tote, de 42 anos, João Batista Soares, 50, e Nelson José da Silva, 52, apuravam possíveis irregularidades trabalhistas em colheitas de feijão. Ailton Pereira de Oliveira, 52, dirigia o veículo. Entre executores e mandantes, o número de réus chegou a nove – um deles morreu no início deste ano. Mesmo sem relação direta com o tema, em homenagem aos quatro servidores mortos o 28 de janeiro tornou-se por lei o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.
Dois dos acusados, os irmãos Antério e Norberto Mânica, são mais do que conhecidos na região. Candidato pelo PSDB, Antério foi eleito (2004) e reeleito (2008) prefeito de Unaí, cidade a 170 quilômetros de Brasília e a 600 de Belo Horizonte. O fazendeiro Norberto é conhecido como “rei do feijão”. Ambos respondem pela acusação de homicídio qualificado. Segundo o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, o objetivo é julgar os outros cinco réus ainda durante o período de convocação do Tribunal do Júri, que vai de amanhã até 27 de setembro.
Comprovação
A procuradora da República Mirian Moreira Lima, do Ministério Público Federal (MPF) em Minas Gerais, mostra confiança no resultado do julgamento. “Desde o começo, foi feito um trabalho de comprovação dos fatos pela Polícia Federal e pelo Ministério Público”, afirma. Ela cita itens como “ligações telefônicas feitas na véspera, durante e depois” do crime entre alguns dos acusados, o relógio retirado de uma das vítimas, uma pistola usada no crime, e depoimentos que demonstram o vínculo existente entre eles. Ao se referir a esse primeiro julgamento, a procuradora acredita que os acusados dificilmente escaparão “desse conjunto de comprovações”.
“A gente espera que finalmente a Justiça dê a resposta que a sociedade tanto anseia”, diz Mirian. “O julgamento é um direito inclusive dos réus”, acrescenta. Ela diz reconhecer que é excesso o período de prisão – quase dez anos – dos que serão julgados amanhã (Rogério Alan Rocha Rios, William Gomes de Miranda e Erinaldo de Vasconcelos Silva). Segundo ela, isso aconteceu por ação da própria defesa, devido ao número de recursos apresentados ao longo do processo.
“Foi demorado, sim. Mas isso tem muito a ver com a organização judiciária do nosso país, que permite muitos recursos. Mas chegou a hora”, diz a presidenta do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Rosângela Rassy. “Esse crime, acima de tudo, precisa chegar ao final porque foi um ataque ao Estado brasileiro. Esse julgamento vai ser uma resposta do Estado por meio do Judiciário.” Segundo ela, o crime de 2004 tornou-se emblemático para os fiscais. Possivelmente, também para os fiscalizados. “Ao longo do anos, ouvimos dos empregadores coisas como ´É por isso que casos de Unaí podem acontecer novamente´”, conta Rosângela.
Raposa no galinheiro
Mais de uma vez, houve possibilidade de o julgamento ser transferido para Unaí. Em janeiro deste ano, quando se esperava a definição da data, a juíza Raquel Vasconcelos Alves de Lima, da 9ª Vara Federal de Belo Horizonte, declinou de sua competência e remeteu os autos para a cidade do interior, onde foi criada uma vara em 2010. “Era como colocar uma raposa para tomar conta do galinheiro”, afirma Rosângela, citando frase do então presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Domingos Dutra (PT-MA). “Lá (em Unaí) eles (irmãos Mânica) são os reis, dominam aquela região.” Ela torce, inclusive, para que o julgamento ocorra rapidamente. “Temos informações concretas que ele (Antério) deverá se candidatar a deputado estadual.”
Em abril, o Superior Tribunal de Justiça (STF) considerou procedente reclamação do MPF, que questionava a decisão de transferir o caso para Unaí. E confirmou o julgamento para Belo Horizonte, onde foi iniciada a ação.
Hoje (26), a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa mineira promoverá audiência pública para discutir o caso. Na mesma Assembleia, cinco anos atrás, Antério Mânica foi homenageado, o que causou vários protestos. Então titular da Delegacia Regional do Trabalho (DRT, órgão que hoje tem a denominação de Superintendência), Carlos Calazans chegou a devolver medalha semelhante que recebera.
Estrutura
Passados quase dez anos, a presidenta do sindicato dos fiscais avalia que as condições de trabalho não melhoraram. “Falta uma estrutura maior para a inspeção. A Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT, órgão do MTE) não tem condições de dar resposta a essa demanda. Já tivemos nove grupos móveis (de fiscalização de trabalho escravo) e hoje temos apenas cinco”, lembra.
Às vezes, diz a sindicalista, o auditor vai sozinho ao local da denúncia, sem rastreamento prévio. E o perfil mudou. “Não se tem mais aquela ideia de que o risco está na zona rural. O risco está em todos os lugares e cada vez mais perto das grandes cidades.”
Ela cita um exemplo recente, de uma fiscalização em uma obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em Novo Hamburgo (RS). “O auditor entrou num galpão para ver documentos e foi atacado por sete homens. Ele só não morreu porque o vigia da obra percebeu o movimento e ligou para a polícia.”
Segundo Rosângela, faltam fiscais para a quantidade de casos e pela extensão territorial do país. Hoje são 2.800 – ela cita estudo de 2012 feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) segundo o qual seriam necessários mais 5.800 nos próximos quatro anos. Um concurso em andamento deve recrutar 100, e de acordo com informações do sindicato houve 91 mil inscrições.
O TRF informa que, devido ao espaço físico e por motivos de segurança, o acesso ao fórum será “rigorosamente controlado”. No caso da imprensa, por exemplo, apenas dez jornalistas poderão permanecer simultaneamente no local, o que exigirá um revezamento.
Da Rede Brasil Atual