Desemprego e precariedade no mercado de trabalho desencadeiam onda de protestos em Portugal

“Recepcionista, supermercados…”, diz a desempregada Margarida Monteiro de Barros, de 34 anos,  enumerando os trabalhos que conseguiu em Portugal. Todos temporários, ou precários, como são chamados. Doutorada em inovação para sustentabilidade, só conseguiu trabalhar na área no exterior. “Chegamos a um ponto em que já é difícil viver nos parâmetros em que nos formaram.”

Apanhado pela crise com leis laborais consideradas rígidas e a elevada taxa de trabalho temporário, Portugal foi um dos países europeus com impacto mais grave no emprego. Como saída, e como argumento para restabelecer a credibilidade na economia para baixar os juros da dívida, o debilitado governo socialista propôs à União Europeia facilitar os despedimentos. Na sexta-feira (19/03), a segunda manifestação nacional em uma semana tomou o centro de Lisboa. A do dia 12, sábado passado, é considerada uma das maiores desde a Revolução dos Cravos, em 1974.

O desempregou está em 11,2%, um recorde histórico e acima da média da zona euro, que está 10%. Em 1999, quando a moeda única entrou em vigor, o índice português de 4,5% era a metade da média (9,1%).  A proporção de precários também cresceu mais aceleradamente. Em 2009 (último dado disponível), um em cada cinco empregados (22%) era temporário, a 2º maior proporção da união monetária. Os dados são do Eurostat, o órgão de estatística da UE.

Quando a crise chegou, além da redução na oferta de emprego, os contratos precários não foram renovados, diz Pedro Martins, professor associado de economia aplicada na Universidade de Londres. De 139 mil empregos extintos entre 2008 e 2009, 54 mil eram temporários. “Muitos destes desempregados não irão conseguir encontrar emprego durante os próximos dois ou três anos”, afirma.

“O impacto foi completamente esmagador, foi destrutivo”, diz Elísio Estanque, sociólogo e diretor do Núcleo de Estudos sobre Políticas Sociais, Trabalho e Desigualdades da Universidade de Coimbra. “Se é impossível demitir os trabalhadores regulares, a força de trabalho marginal tem de suportar uma parcela desproporcional  dos riscos e perdas”, diz Werner Eichhorst, diretor-adjunto de políticas laborais do Instituto para Estudos do Trabalho (IZA, na sigla em alemão), da Alemanha.

Os números não incluem os mais de um milhão dos chamados “falsos recibos verdes´, por receberem como prestadores de serviço embora trabalhem como empregados comuns, segundo Luísa Oliveira, doutora em sociologia do trabalho e pesquisadora do Instituto Universitário de Lisboa (CIES-IUL). No censo deste ano, o Instituto Nacional de Estatística orientou quem está nessa situação a dizer que é trabalhador comum.

Formado há 16 anos, o arquiteto paisagista Armando Ferreira, de 35 anos, nunca conseguiu um contrato. Usa recibos verdes desde então. “Não tenho subsídio de férias ou natal, nem nenhuma segurança-social, como seguro-desemprego.”

Geração enrascada
Entre os jovens, o índice de desemprego quase dobra: mais de 1 em cada 5 pessoas com menos 25 anos (21,2%) estão sem trabalho. Entre os que tinham no final de 2009, mais da metade eram precários (53,2%). “Estou aqui porque lutei pelas condições de trabalho e não vou poder deixar para os meus filhos”, diz a aposentada Maria João Bandeira, de 74 anos.

Mesmo entre os que tem ensino superior, 26,4% estão desocupados, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística. “Nos últimos anos tem-se assistido a um aumento dos contratos a termo certo, do trabalho temporário, do falso trabalho independente e de formas de sub-emprego como é o caso dos estágios”, diz Natália Santos, que acompanha a inserção profissional dos licenciados da Universidade de Lisboa, uma das principais do país.

Com as portas fechadas, em vez de entrar no mercado de trabalho, o jovem pega a fila, segundo Eicchorst, do IZA. “O modelo (legislação laboral rígida e precariedade alta) é certamente ruim para o emprego e promoção dos jovens se o trabalho temporário não é focado em formação vocacional – como é o caso da Alemanha. Só nesse cenário o emprego temporário pode ser visto como um degrau”, diz.

O nome geração enrascada, usado para batizar o protesto do último dia 12, vem desse beco sem saída para os mais novos. Mas, com 50 anos, a desempregada Adília Sousa era uma dos 200 mil, mostrando que o impacto não se restringe a eles. “Eu trabalho 3 ou 6 meses e depois dizem: ´vá-te embora´”, conta. Em um estudo elaborado em 2009, a socióloga Luísa Oliveira mostra que entre 1995 e 2005, a precarização no país aumentou em todas as faixas etárias.

Flexibilizar
Flexibilizar as leis laborais é visto como uma saída para recuperar o emprego e reativar uma economia que pouco cresceu durante a década do euro. No último dia 11, entre as medidas de consolidação orçamental e crescimento da economia apresentadas à Comissão Europeia, o governo Sócrates incluiu uma proposta de diminuição o valor das indenizações em caso de despedimentos, com criação de um fundo de apoio aos desempregados.

“Se vier a ser aplicada – o que é pouco provável ao menos até 2012 -, Portugal passaria a ser dos países com legislação laboral mais rígida da Europa para uma posição abaixo do meio da tabela”, explica o economista Pedro Martins. “Portugal ganharia muito: muitas empresas com oportunidades de negócios não contratam novos trabalhadores (sobretudo através de vínculos permanentes) porque receiam não os poder despedir caso o negócio não corra bem ou o trabalhador não corresponder às expectativas.”

Em dezembro, o governo propôs internamente reduzir salários. É uma maneira de aumentar a competitividade, já que o país não pode, por exemplo, desvalorizar a moeda para atingir o mesmo objetivo. Durante a década do euro (1999-2009), o custo do trabalho em Portugal ultrapassou a média da união monetária (veja quadro abaixo), o que torna o menos competitivo no mercado externo. A previsão, agora, é que caia acentuadamente.

“Um país europeu pensando que pode ser competitivo na base de salários baixos é um disparate completo. É por-nos no nível da África”, argumenta José Peneda, presidente do Conselho Econômico e Social – órgão que reúne governo, patrões e empregados – e ex-ministro do Trabalho do hoje  presidente Cavaco Silva.

Federalizar
“Nem patrões nem sindicatos põem a revisão laboral como prioridade. Não acredito que seja por meio da mudança na lei que se vai criar emprego”, diz Peneda. Mas, então, de onde surgem as propostas de mais flexibilização?  O presidente do CES aponta para Bruxelas.

“A União Europeia está a federalizar as políticas sociais em vez de federalizar a parte econômica. Querem impor uma coisa externa que internamente nunca se sentiu necessidade”, afirma Peneda sobre a possibilidade de reduzir o valor das indenizações em casos de despedimento.

Para Elísio Estanque, da Universidade de Coimbra, Portugal tentou implantar o modelo social europeu tarde. “Aprovamos um conjunto de políticas sociais e de quadros legais de proteção de direitos sociais e da força de trabalho que foram bastante progressistas. Isso aconteceu quando o modelo social europeu já estava em crise”, diz. “Já avançamos bastante e não queremos voltar atrás”, diz João Camargo, representante do movimento Precári@s Inflexíveis.

Do Opera Mundi