Desprivatizar a comunicação

Em debate, Comparato e Amorim destacam responsabilidade do governo Dilma para fazer a democracia avançar; IPEA lança estudo sobre setor


Amorim, Comparato e Pochmann (da esq. para dir.) durante o encontro.
Foto: Luiz Carvalho

A mídia no Brasil é ainda mais concentrada do que nos Estados Unidos. Enquanto lá são cinco grandes conglomerados que monopolizam a produção e o acesso à informação, aqui, são quatro, lembrou o jurista Fábio Konder Comparato durante participação em um debate no Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo.

Sob organização do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, o evento aconteceu na noite dessa terça-feira (11) e contou também com o jornalista Paulo Henrique Amorim e com o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), responsável por apresentar a pesquisa “Panorama da comunicação e das telecomunicações”.

Durante a intervenção, Comparato ressaltou que apesar da Constituição brasileira proibir o monopólio e o oligopólio, apenas a Rede Globo é dona de 442 empresas no setor. “Precisamos desprivatizar a comunicação social porque a comunicação social autêntica se desenvolve em espaço público, do povo”, destacou.

Ganhar consciências
Segundo ele, as emissoras de rádio e TV, por serem concessões públicas, devem atuar sem fins lucrativos e precisam ter finalidade educativa, promover a cultura regional e respeitar os valores éticos, sob pena de cassação da licença. Para os jornais e revistas, propriedades privadas, deve haver uma lei capaz de ampliar o direito de resposta e impedir o monopólio.

Para regulamentar ambos os casos, há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), ajuizada pelo jurista em novembro do ano passado, e aguardando a manifestação da Procuradoria-Geral da República, do Congresso Nacional e da Advocacia-Geral da União (AGU). O documento trata da regulamentação de matérias presentes nos artigos 220, 221 e 223 da Constituição. Todos são referentes à comunicação e discorrem sobre a proibição de monopólio e oligopólio, versam sobre a programação e criam uma lei específica referente ao direito de resposta, pendente desde que o Superior Tribuna Federal (STF) revogou a Lei de Imprensa, em 2009.

“O objetivo das ações não é a vitória imediata, até porque sabemos que o Supremo e Procuradoria farão de tudo para empurrar com a barriga. Trata-se de ganhar a consciência pública, tornar essa discussão algo permanente na agenda política”, comentou Comparato.

Dilma e o Congresso 
Perante esse embate, Paulo Henrique Amorim ressaltou a necessidade da sociedade pressionar para que os advogados da AGU acatem as ADOs e permitam o início do debate sobre uma Lei de Meios no atual governo. “Esperamos que a União não traia nossas expectativas e de quem votou em Dilma”, comentou.

O jornalista aproveitou para ler um texto publicado em seu blog comanda, o Conversa Afiada, em que critica a postura do Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. No artigo, Amorim afirma que Bernardo era o “primeiro Ministro das Comunicações desde o fim do regime militar que não tratava a Globo com mel”. Indica que “ele peitou as teles ao afirmar que faria a banda larga a R$ 30, até que se viu diante da Globo. E, aí, ele piscou. O repórter Samuel Possebon, da respeitada Teletime, revelou que Bernardo não considera um marco regulatório, ou Ley de Medios, ou como enquadrar a Globo prioritário”, publicou.

Amorim diferençou a liberdade de expressão da liberdade de imprensa: “liberdade de Imprensa nessa democracia do Ministro Bernardo é a liberdade dos filhos do Roberto Marinho. Liberdade de imprensa o Cerra (sic) tem. Liberdade de Expressão não têm os trabalhadores, os nordestinos, os homossexuais, os cadeirantes, os beneficiários do Bolsa Familia, quando os “colonistas” do PiG e da Globo os desmerecem. Liberdade de expressão foi o que faltou à Dilma, no Jornal Nacional, para responder à campanha do aborto que a Blá-blá Marina e o Cerra lançaram contra ela”, acrescenta.

Por fim, o jornalista aproveita para comentar a afirmação de Paulo Bernardo de que a prioridade é democratizar a banda larga. “Tecnologia não é o trem, é o trilho, é o meio, e por si só não é sinônimo de democracia. Eu quero banda larga universal, mas com liberdade de expressão. Se dentro do vagão vier a ditadura eu não aceito”, disse.

Fortalecer a democracia
Ao lançar os três livros que resultaram da pesquisa “Panorama da Comunicação e das Telecomunicações no Brasil”, Márcio Pochmann citou também que o IPEA pretende trabalhar na construção de um Observatório da Comunicação para acompanhar a relação do setor com a necessidade de avançar no processo democrático. “Infelizmente, não somos um país de tradição democrática. Temos 500 anos de história e apenas 25 de democracia, muito mais representativa do que prática”, avalia.

Especificamente sobre a obra, o professor destaca que a ideia foi organizar um inventário sobre as telecomunicações e a comunicação no Brasil. “Nós tínhamos estudos, mas se encontravam fragmentados e desarticulados. Essa obra apresenta uma radiografia do setor, começando pelas atividades econômicas, olhando esse segmento dentro da perspectiva do desenvolvimento nacional, com informações detalhadas sobre a forma de organização empresarial, recursos humanos e processo de formação de quadro.”

Clique para ler as partes um, dois e três da pesquisa.

Jornalista atuante
O presidente do sindicato dos jornalistas, José Augusto Camargo, o Guto, encerrou o ato, afirmando a necessidade de que os jornalistas sejam agentes mais atuantes do que estão sendo na disputa pela definição de um novo marco regulatório para as comunicações. “Mais do que ninguém, somos nós que conhecemos as entranhas dessa indústria”.

A seguir ele leu uma carta que será encaminha ao Ministério das Comunicações com eixos definidos como prioritários pelos trabalhadores para promover a livre circulação de ideias.

De acordo com o documento, é necessário um marco regulatório que garanta e incentive a pluralidade das vozes e a competitividade justa entre empresas; a integração latino americana também no campo da comunicação uma vez que vários países do continente irão partilhar do mesmo sistema de TV digital; a inclusão digital de milhões de brasileiros privados hoje desse bem por milhões de operadores que negligenciam o seu papel social; normas para funcionamento de imprensa que permita o direito de resposta aos ofendidos e promova a liberdade de expressão; regras impessoais e republicanas para renovação de outorgas.

Ao final, o texto em breve disponível no site da entidade para adesão dos interessados, pede ao Ministério da Comunicação que submeta o anteprojeto de lei de comunicação eletrônica a consulta pública e solicita ao Executivo enviar o resultado desse trabalho ao Congresso Nacional.

Da CUT Nacional (Luiz Carvalho)