ECA nunca foi cumprido integralmente no Brasil, diz ministro Vannuchi
Associação de magistrados avalia que falta cobrança da sociedade para implementar estatuto
No dia em que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 20 anos de vigência, o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), Paulo Vannuchi, afirmou que a lei nunca foi integralmente cumprida no país.
Ao participar do programa de rádio Bom Dia, Ministro desta terça-feira (13), Vannuchi lembrou que o país se prepara para sediar a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Segundo ele, esses eventos devem funcionar como uma espécie de prazo para que problemas como a exploração sexual de crianças e adolescentes, além do trabalho infantil, sejam combatidos.
“Temos que aproveitar esse momento positivo do Brasil com um sistema que dê inteiramente conta desse desafio”, disse. “O ECA previu essa grande engenharia e, para saber o que se passa com a criança e o adolescente, temos que ter braços em cada município”, completou.
De acordo com o ministro, a exigência de que cada cidade tenha, no mínimo, um conselho tutelar “agiliza e alivia” a sobrecarga de trabalho no Poder Judiciário. Atualmente, 98% dos municípios brasileiros contam com a estrutura que precisa ter, pelo menos, cinco funcionários.
“O ECA é muito forte na ideia da municipalização. A criança tem que ser tratada pela sua cidade: o prefeito, a câmara de vereadores, a igreja, as escolas; com o governo federal apoiando”, afirmou. Para Vannuchi, quatro temas devem ser priorizados para um melhor cumprimento do ECA: saúde, educação, assistência social e justiça.
Falta cobrança da sociedade para a implementação do ECA, avalia associação
No Brasil existem 61 milhões de crianças e adolescentes de até 18 anos, o que equivale a um terço da população nacional. Para a presidente da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores (ABMP), Helen Sanches, após duas décadas de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), há muitos avanços, mas a sociedade brasileira ainda não exige a sua implementação. A Lei nº 8.069, que criou o ECA, foi sancionada no dia 13 de julho de 1990, dois anos após a promulgação da Carta Magna de 1988.
“O ECA foi um novo marco legal nas leis que integravam a Constituição. Antes as crianças e os adolescentes só eram vistos e lembrados quando cometiam delitos. Os desafios vêm no sentido de aprimorar as estruturas e se apropriar do seu conteúdo. Falta cobrança da própria sociedade”, enfatiza.
Com o ECA, várias mudanças conceituais e estruturais ocorreram. O estatuto substituiu o antigo Código de Menores, a Lei Federal nº 6.697/79, que enfatizava o aspecto punitivo e não os direitos das crianças e dos adolescentes.
Outra novidade foi a criação dos conselhos tutelares, responsáveis por zelar pelo cumprimento dos direitos da criança em cada município. Atualmente existem conselhos em 98% das cidades brasileiras. Segundo Helen Sanches, apesar da falta de estrutura, os conselhos são uma conquista.
Para Margarida Marques, da Coordenação da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), não bastam leis. Ela defende a mudança na mentalidade sobre a criança e o adolescente.
“A legislação é avançada, mas as mentalidades não mudaram na sua essência. Quando se pensa em ECA, pensa-se em adolescente em conflito com a lei”, diz.
Existem no país 17,5 mil adolescentes em conflito com a lei em unidades de acolhimento. A subsecretária nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), Carmen Oliveira, destaca que as medidas socioeducativas são uma das questões mais difíceis na implementação do estatuto.
“Existe uma volúpia punitiva que coloca o adolescente (em conflito com a lei) como um inimigo social, mais do que uma vítima que precisa ter mais oportunidades para sair da carreira delitiva. O dado promissor é que a taxa de crescimento (da internação) passou de 102% entre 1996 e 1999 para 9% entre 2006 e 2009, o que demonstra uma redução (no ritmo de aumento desse índice).”
Carmen reforça a necessidade de se garantir a toda criança e a todo adolescente as mesmas oportunidades.
“Algumas áreas como a saúde e a educação estão próximas à universalização, mas ainda longe da qualidade necessária. O estatuto não está voltado apenas à implementação para segmentos pobres da população. A questão das drogas, do abuso sexual e das práticas de humilhação como o bullying (agressões físicas ou verbais recorrentes nas escolas) são preocupantes também na elite”, destaca.
De acordo com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), em 20 anos, a mortalidade infantil diminuiu 58%, passando de 60 mortes em cada grupo de mil crianças nascidas para 19 por mil. Na área de educação, apenas 15% das crianças de até 3 anos têm acesso a creches no Brasil. Isso significa que, dos 11 milhões de pessoas nessa faixa etária, apenas 1,7 milhão de meninos e meninas são atendidos.
Segundo Carmen Oliveira, o grande legado dos 20 anos do ECA é a constituição de um plano decenal para as ações voltadas à infância e à adolescência, uma decisão tomada na 8ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, realizada em 2009. O documento ainda precisa ser aprovado pelo Conanda e pelos principais conselhos setoriais, que atuam em áreas como saúde, educação e desenvolvimento social.
“Pela primeira vez teremos um plano de médio prazo que projete prioridades, metas e ações para a próxima década. Em direitos humanos precisamos ser suprapartidários e trabalhar na perspectiva de política de Estado e que tenha a necessária continuidade”, salienta.
Após a aprovação, o Conanda irá pedir aos candidatos à Presidência da República que assinem um termo de compromisso com o plano.
Com Agência Brasil e Rede Brasil Atual