Editorial: A esperança está na luta
Foto: Adonis Guerra
Não foi fácil. Obstáculos e desafios são naturais e fazem parte do cotidiano de todos nós, trabalhadores. Já estamos acostumados a ter de defender com unhas e dentes nossos direitos ao longo de nossas vidas. Mas, este ano, em especial, foi ainda mais difícil para aqueles que batalham pela construção de um país justo, com oportunidades para todos, igualdade e respeito à cidadania.
Depois de meses de crise política e econômica, de grave ataque à democracia com a deposição sem base jurídica de um governo eleito pelo povo, de iniciativas que alteram nossa Constituição e reduzem os já escassos recursos para saúde e educação, o governo Temer nos “presenteia” neste fim de ano com uma indecente e perversa proposta de Reforma da Previdência, penalizando, como sempre, a classe trabalhadora.
Trata-se de uma reforma injusta, que penaliza fortemente quem começa a trabalhar mais cedo, que penaliza as mulheres ao igualar a idade de aposentadoria sem levar em conta a dupla jornada e as condições ainda inferiores de trabalho e remuneração a que estão expostas as companheiras e, principalmente, que foi pensada e calculada para preservar os interesses da classe que financia este governo – empresários, rentistas e grandes núcleos de poder.
Se o objetivo é tornar a Previdência mais sustentável, por que ficam de fora do arrocho setores como Judiciário, Ministério Público e militares? Por que o governo não apresenta nenhuma medida para ampliar a receita da Previdência como, por exemplo, aumentar a contribuição dos mais ricos? Fica fácil compreender por qual razão o empresariado apoia essa reforma. O mesmo empresário que demite trabalhadores com mais de 50 anos, alegando que eles não têm mais condições de atuar na fábrica, defende uma legislação que os obriga a continuar na ativa até mais de 65 anos, num mercado que já não lhes oferece mais oportunidades.
A realidade está dada, mas o que faremos a partir dela será decisivo para nosso futuro. Não é de hoje que a classe trabalhadora vê pela frente imensos obstáculos que precisam ser transpostos e que dizem respeito diretamente às nossas vidas. O ano está terminando e não há como esconder que o saldo não foi positivo. Nossa região e nossa categoria, em especial, foram fortemente impactadas. Nossa base sindical diminuiu consideravelmente com a saída de companheiros metalúrgicos dos anos 1990 que deixaram as fábricas nos PDVs, impulsionados pela crise e conjuntura negativa.
Mas, mesmo neste cenário difícil, foram nossa luta e nossa união que conseguiram fazer com que o sobrevivêssemos a essa avalanche e enfrentássemos a tempestade com o menor dano possível e algumas conquistas. O PPE, criado em 2015 a partir da iniciativa do Sindicato, ajudou a preservar empregos que poderiam ter sido perdidos e estamos fechando o ano com acordos de longo prazo renovados nas cinco montadoras da base, garantindo a estabilidade destes trabalhadores por pelo menos mais um ano. Nada disso teria sido possível sem nossa mobilização constante. E, da mesma forma, nada conseguiremos mudar dessa conjuntura tão adversa se não continuarmos unidos e dispostos a muita luta.
Os Metalúrgicos do ABC continuarão fazendo propostas ao governo, levando reivindicações e sugerindo intervenções. Vamos continuar propondo políticas que impulsionem o crescimento e ajudem o País a sair da crise, a exemplo do projeto de renovação da frota de veículos. Continuaremos trabalhando pela manutenção da política de conteúdo local, que consideramos fundamental como geradora de empregos, entre outras iniciativas. No entanto, sabemos que os espaços de interlocução estão muito limitados e que a forma de sermos ouvidos por um governo nada sensível às demandas sociais será a luta.
Sabemos, por exemplo, que não será neste Congresso Nacional – conservador e comprometido com os interesses econômicos – que vamos conseguir discutir e negociar com seriedade os muitos itens inaceitáveis contidos na Reforma da Previdência. Até porque, já faz algum tempo que o Congresso Nacional deixou de ser o espaço da negociação para tornar-se o espaço das barganhas políticas. Será nas ruas que construiremos nossa resistência a esta agenda de retrocessos que está sendo imposta aos trabalhadores da qual ainda fazem parte – podemos ter certeza – a aprovação da lei que permite a terceirização ampla e a reforma trabalhista.
Será tão somente a partir da nossa mobilização que conseguiremos ser ouvidos. Aos que se fingem de surdos, gritaremos se for preciso. Não sairemos das ruas enquanto esse governo continuar avançando sobre a classe trabalhadora. Nossa esperança é a luta.
Rafael Marques
Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC