Editorial: Política de Extermínio
Uma polícia que é treinada para ver em seu povo seu maior inimigo, irá matar esse povo
“É foda sair do beco, dividindo com canos e mais canos, o espaço da escada, atravessar as valas abertas, encarar os olhares dos ratos, desviar a cabeça dos fios de energia elétrica, ver seus amigos de infância portando armas de guerra, pra depois de quinze minutos, estar de frente para um condomínio, com plantas ornamentais enfeitando o caminho das grades, e então assistir adolescentes fazendo aulas particulares de tênis. É tudo muito próximo e muito distante. E, quanto mais crescemos, maiores se tornam os muros”.
O cenário carioca descrito no conto “Espiral” no livro “Sol na Cabeça” do jovem autor Geovani Martins é também comum no cenário paulistano. Com a sutil diferença de que em São Paulo não é preciso andar 15 minutos para se deparar com tamanha desigualdade. Apenas 500 metros separam o luxuoso condomínio Penthouse, no Morumbi, da comunidade Paraisópolis, segunda maior favela do Brasil, conhecida por iniciativas culturais promovidas por seus moradores.
Comunidade esta onde nove jovens frequentadores de um baile funk morreram na madrugada do último domingo após ação truculenta da Polícia Militar. Não bastasse ter que conviver com a desigualdade gritante, os moradores de comunidades vivem sob a ameaça constante da polícia da qual são alvo. Enquanto moradores relatam e vídeos comprovam que houve agressões desmedidas por parte da polícia, com chutes, pisoteamentos, tapas no rosto e uso indiscriminado de cassetetes, o governador de São Paulo, João Doria, contraria os fatos e nega que as mortes tenham sido causadas pela ação da PM. Ele vai além, elogia e afirma que manterá a política de segurança pública do Estado.
É justamente essa tal política que tanto nos assusta, já que durante as eleições o então candidato afirmou que, a partir de 1º de janeiro, a polícia atiraria para matar. A ultradireita que governa este país dizia ainda que, sob sua política de segurança, os criminosos passariam a pensar duas vezes antes de agir. Mas o que mudou, ou na verdade, o que se agravou é que a polícia não pensa antes de agir.
Para justificar a ação em Paraisópolis, a PM alega que dois homens trafegando em uma motocicleta teriam atirado contra policiais que realizavam uma operação na região. Os agentes teriam perseguido os dois até o baile funk, causando tumulto generalizado entre as mais de cinco mil pessoas presentes.
Já são muito os exemplos, só neste ano, com semelhantes justificativas por partes dos policiais e uma clara passada de mão na cabeça por parte das autoridades que vitimaram jovens e crianças da periferia. Apenas nos primeiros sete meses do ano, 626 pessoas foram mortas pela polícia.
Preocupado com isso, conforme lembramos na semana passada, o governo Bolsonaro quer ampliar o conceito do chamado excludente de ilicitude, projeto que isenta de punição policiais ou militares que cometerem excessos durante operações de garantia da lei e da ordem.
As forças policiais estão a serviço do Estado, um Estado desigual, que prega a volta do AI-5, um Estado para reprimir. Nosso país prepara as Forças Armadas não para o combate externo, mas para o combate interno. O inimigo é o povo pobre da periferia. Uma polícia que é treinada para ver em seu povo seu maior inimigo, irá matar esse povo.
Ou seja, mais uma vez a elite branca deste país esfrega sem dó, na cara da sociedade, que a exclusão social e racial no Brasil não é uma preocupação dos governantes. Festas, como as que ocorrem nas comunidades, são comuns também em áreas nobres, a diferença é que em áreas nobres a polícia atua para proteger os jovens, enquanto nas áreas pobres a atitude é truculenta e racista. Muitas outras famílias irão chorar a morte dos seus filhos inocentes enquanto a política, como previamente anunciada, for de extermínio e não de equiparação social.