Educação|O povo faz bem à escola

A escola pública está asfixiada pela falta de investimentos e pela ineficiência. Mas, quando existe participação da comunidade, o desempenho de seu papel de ensinar fica mais fácil

QUADRA NOVA
A escola municipal Aracy Muniz Freire, no bairro do Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro,
celebra a conquista coletiva. Natália adorou


Por Cida de Oliveira e Vitor Nuzzi

A escola pública ainda é vista pela maioria dos
brasileiros como propriedade do governo ou dos diretores, professores e
funcionários. Os pais, por não se apropriar do estabelecimento como bem
público, nem sempre participam para cobrar ou melhorar a qualidade do
ambiente educacional. E, quando isso acontece, os resultados são
visíveis mesmo diante da falta de verbas e das dificuldades. A escola
municipal Aracy Muniz Freire, no bairro do Realengo, zona oeste do Rio
de Janeiro, é um exemplo. Ali os pouco mais de 300 alunos, pais,
professores e funcionários ainda estão em festa por causa da mais
recente conquista, a quadra esportiva, que será inaugurada neste mês,
resultado de mais de três anos de mobilização. É assim, coletivamente,
que as questões são tratadas na Aracy. E são muitas as atividades, de
cafés literários a reuniões do conselho de escola.

A
última eleição do grêmio estudantil teve 18 chapas concorrentes. “Aqui
é um teste para o que vai ser lá fora”, explica Rodrigo, de 8 anos, que
atuou como primeiro-secretário da comissão eleitoral – e quer ser
jogador de futebol ou botânico. Natália, também com 8 anos, uma das
representantes e possível futura professora de Português, explica a sua
função: “Tem de tomar conta da turma quando a tia está fora”. João
Manuel conta qual foi uma de suas promessas de campanha: “Prometi que
ia falar com a diretora para ir mais rápido”, diz, referindo-se às
obras da quadra.

Para chegar a
esse nível de participação, incluindo das crianças, foi preciso
percorrer um longo caminho. A diretora Fátima Lima lembra as greves na
educação no começo dos anos 80 como ponto de partida. “É uma
experiência que se renova a cada dia. A nossa visão é de que o aluno
seja o foco”, complementa a coordenadora pedagógica, Fátima Estanislau Affonso.

Nada
é fácil. Entre os desafios Fátima cita a falta de tempo para promover a
formação continuada dos professores e a carência de profissionais de
educação, sem contar a crônica questão salarial. A escola – municipal –
também lida com recursos escassos. Os recursos da prefeitura vão sendo
complementados à medida que se comprove a necessidade. Do governo
federal chegam 2.900 reais – menos de 9 reais por aluno. Por ano.

A
participação da comunidade faz a diferença. Um gari que trabalhava no
bairro chegou a fazer toda a ornamentação para uma festa. Uma servente
costuma fazer origamis. A escola é limpa, bem cuidada e sem pichações.
“Há um sistema de defesa da escola”, observa a diretora.

Elvira
Maria Tinoco de Souza, mãe de aluno, sabe de seu papel. “Construir a
gestão democrática foi um trabalho de formiguinha. Basta ter vontade. E
a qualidade no ensino público aparece”, diz, citando o exemplo da
quadra como um dos mais felizes de sua vida. “É um diamante, ninguém
toca. Os próprios alunos a protegem.” O nome escolhido pelas crianças
para a quadra é o do missionário irlandês João Cribbin, que está há 44
anos naquela comunidade. O futuro espaço fica nos fundos da escola e
bem ao lado tem uma goiabeira.

Para
o professor de Filosofia Rosaldo Peixoto, diretor do sindicato dos
profissionais de educação do Rio de Janeiro (Sepe), a democracia é um
processo difícil, de avanços e recuos. “Os conteúdos escolares estão
mais avançados. A relação professor/aluno ficou menos autoritária”,
avalia.

Entretanto, as
intervenções da comunidade nas redes públicas de ensino ainda são
exceção. Embora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, promulgada há
10 anos, estabeleça a democratização da gestão escolar