“Educação para eles é coisa de comunista, eles não querem que as pessoas pensem”
Frei Betto critica a tentativa do governo Bolsonaro de aumentar o imposto do livro e o descaso total em relação è educação e à cultura
Em entrevista exclusiva à Tribuna, Frei Betto, ex-assessor do Sindicato, premiado escritor com 68 livros publicados, militante de movimentos pastorais e sociais, criticou a proposta do ministro da economia Paulo Guedes que prevê a taxação de 12% sobre livros, e o descaso do governo Bolsonaro com a cultura e a educação. Frei Betto que foi assessor especial do presidente Lula entre 2003 e 2004 e preso político durante a ditadura militar também comentou outros importantes temas que afligem a sociedade brasileira.
Tribuna Metalúrgica – Paulo Guedes tenta justificar a taxação afirmando que livro é coisa de elite, e que essa elite teria como arcar com o valor mais alto. E que o governo vai distribuir livros para a população mais pobre. Há muitos absurdos nesta visão de mundo do ministro, não é?
Frei Betto – Primeiro a ignorância do Paulo Guedes em relação ao mercado dos livros. O livro é caro no Brasil porque não há o empenho do governo e do Ministério da Educação de popularização do livro e, com isso, ele acaba virando certo artigo de luxo. O livro poderia ser muito mais barato se fossem isentos de uma série de impostos que ainda existem, principalmente quando se trata de compra de papel, que é um absurdo. O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de matéria prima para fabricação de papel, exporta essa matéria prima e importa o papel manufaturado. Um livro que custaria R$ 40 no Brasil custa R$ 7 em Cuba, utilizam papel reciclado, uma série de coisas. Aqui o grande problema é que não há popularização, não há trabalho de educação, de hábito de leitura e, com isso, o livro acabou ficando um produto inacessível. Creio que o Paulo Guedes é o retrocesso a colonização portuguesa, é uma vergonha que o Brasil só tenha tido a primeira universidade no século XX. Houve uma deliberada ação da coroa portuguesa de que aqui não deveria ter instrução, para realmente ser um país de escravidão e de submissão total, sem luzes, como se dizia antigamente, a pessoa que não lê não tem luzes. Eles estão querendo voltar a esse período.
TM – E enquanto o ministério da economia estuda essa taxação dos livros, anuncia um corte de R$ 4,2 bilhões para o orçamento do Ministério da Educação em 2021. Por que os governos de extrema direita têm tanto medo da cultura e da educação?
Frei Betto – Porque a educação para eles é coisa de comunista, eles não querem que as pessoas pensem. Todo regime autoritário ditatorial tem horror à inteligência. Eu sempre faço essa pergunta no twitter ‘Você conhece alguém inteligente que apoia Bolsonaro?’. Ele tem horror à cultura, à inteligência, ao teatro, à Academia Brasileira de Letras, à música, tanto que demonstrou total indiferença diante da morte de artistas importantes como o escritor Sérgio Sant’Anna e o compositor Aldir Blanc.
TM – Um exemplo disso é o abandono do Cinemateca Brasileira.
Frei Betto – A cinemateca está acéfala, aquilo é um acervo único no mundo. Se ali houver um assalto ou um incêndio é uma parte importantíssima da memória nacional que vai se perder, como se perdeu no incêndio no Museu Nacional no Rio.
TM – Outro tema que não podemos deixar de abordar é o caso de grupos de religiosos extremistas que protestaram no último domingo em frente ao hospital onde uma menina de 10 fazia um aborto para interromper uma gravidez fruto de um estupro. O que aconteceu com essa sociedade que chama essa menina e o médico de assassinos?
Frei Betto – Essas pessoas são as mesmas que apoiam um governo que faz apologia das armas, que lamenta que não morreram 30 mil na ditadura, mas que hoje é responsável pela morte de 108 mil pessoas, vítimas da pandemia. Essas pessoas defendem que bandido bom é bandido morto e por aí vai. Elas não defendem a vida, elas pegam a bandeira do aborto como uma forma cínica de se posicionar. Se defendessem a vida, defenderiam em todas as circunstâncias, no mínimo, uma pessoa que defende a vida é contra a desigualdade social que produz a morte de milhões de pessoas que vivem na miséria. É puro cinismo e tem que ser denunciado.
TM – Recentemente a CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) divulgou carta com críticas a Bolsonaro. Gostaria que comentasse essa carta e qual seria a consequência prática dela?
Frei Betto – Essa é uma carta muito importante assinada por 156 bispos, apoiada inclusive por cientistas e intelectuais. É o documento mais importante emitido nos últimos tempos no Brasil de crítica ao governo pelo peso e pela autoridade que ela tem. Essa carta tem que ser amplamente divulgada porque põe o dedo na ferida, desmascara o governo e com autoridade de pessoas que são realmente comprometidas com o bem estar do povo. A consequência maior é no sentido de legitimar a descredibilidade que goza o Brasil no exterior. Isso certamente afeta os investimentos que o governo fica esperando que venha de lá. Na época da ditadura militar as manifestações feitas no exterior contra a ditadura tinham eco muito mais contundente no Brasil do que as internas, que eram muito contidas e reprimidas. Tem esse valor de mostrar ao exterior a verdadeira face do Brasil e de Bolsonaro.
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