Em 20 anos, país pode ser o quarto maior exportador do mundo
Com uma produção estimada em 5,7 milhões de barris/dia de petróleo e uma previsão de exportação líquida de quase metade desse volume em 2035, o Brasil pode se tornar um dos maiores exportadores do mundo deste produto, atrás somente de Arábia Saudita, Rússia e Irã e transformar o atual déficit de sua balança comercial de óleo bruto e derivados para superávit. Neste novo ciclo, em que pesam as descobertas do pré-sal e o megacampo de Libra – com capacidade para até 1,4 milhão de barris por dia no auge da produção daqui a 10 anos -, aumenta o risco de o país vivenciar a “doença holandesa” ou a “maldição dos recursos naturais”, acreditam economistas.
“Se o Brasil virar exportador de petróleo, isso não produz só uma doença holandesa, mas uma desagregação completa da soberania nacional brasileira”, afirma o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Carlos Lessa. Para ele, a questão do petróleo perpassa o tema da construção de um projeto futuro para o Brasil. “Se o projeto do Brasil for, além de vender soja, algodão, minério de ferro, vender petróleo também, estamos optando definitivamente por ser uma economia supridora-primário-exportadora”.
Na sua opinião, ser exportador de óleo bruto é um erro e pode garantir “um futuro maldito ao país”. ” À exceção da Noruega, o resto dos países exportadores de petróleo são hiperproblemáticos”, diz. “Viraremos uma Arábia Saudita ou um Iraque do Atlântico Sul? Ou nós vamos com o petróleo aumentar a disponibilidade de energia para cada brasileiro e com isso desenvolver as forças produtivas do país?”, questionou.
A “doença holandesa” seria a repetição de um fenômeno ocorrido no século passado na Holanda, quando houve descobertas de gás naquele país. Pode ocorrer quando há ingresso maciço de dólares, proveniente da exploração e exportação de um recurso natural, como é o caso do petróleo extraído do pré-sal. Isso levaria a uma sobrevalorização da moeda nacional, o que poderia prejudicar setores industriais que necessitam de câmbio desvalorizado para crescer. Como consequência, o país pode entrar num processo de desindustrialização, com perda de importância relativa da indústria de transformação na economia como um todo, agora mais dependente do recurso natural.
O pré-sal, segundo os economistas, pode levar a uma maior concentração da pauta de exportação do país em commodities, bem como, caso seja fartamente exportado, induzir a transferência para o exterior de diversos benefícios que os novos campos poderiam trazer para os demais setores industriais do país.
Na avaliação do professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio), Fernando de Holanda Barbosa Filho, numa economia tão diversificada como a brasileira, a tendência de ocorrer a “doença holandesa” é menor, mas pode acontecer. “Não tem remédio. Se você pegar todo o dinheiro do pré-sal, internalizar e virar gasto do governo – por mais bem intencionado que seja, em saúde e educação -, isso vai gerar uma apreciação do câmbio e uma maior demanda por recursos, a sociedade não será capaz de produzir tudo e vai importar bens e serviços”, afirma.
Edson Domingues, professor de economia da Universidade Federal de Minas Gerais, ao contrário de Lessa, diz que não vê problemas em o país exportar principalmente produtos primários. Porém, destaca que seria importante o governo ter foco nos efeitos encadeadores internos para a economia nacional que o petróleo do pré-sal pode gerar. “Seria ilógico não explorar recursos naturais onde o país tem vantagens comparativas”, diz. “Mas você poderia garantir que os benefícios dessa exportação e dessa produção fossem mais direcionados para outros setores, outras regiões e criassem mais valor”.
Nos cálculos de David Zylbersztajn, ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP), a exploração do campo de Libra em 15 anos injetará até R$ 1 trilhão na economia brasileira entre venda do petróleo e investimentos necessários. Caso o volume de exportações seja confirmado, ele espera uma enxurrada de dólares no país. “Com isso, fica mais difícil conter uma apreciação cambial, que vai desestimular a atividade de outras indústrias que não a petroquímica”, acredita.
Apesar de dizer que “o Brasil está um pouco vacinado contra oscilações cambiais indesejáveis”, Zylbersztajn acredita que haverá “impacto significativo” no câmbio.
Em recente estudo, Luciano Losekann e Thiago Periard, da Universidade Federal Fluminense (UFF), concluíram que o pré-sal de forma isolada não deve levar a uma pressão tão significativa sobre o câmbio, não tornando o país “um petro-estado”. No entanto, Losekann alerta que além do pré-sal há outras questões na economia brasileira que contribuem para uma pressão sobre o câmbio, como o desempenho exportador de outras commodities brasileiras, especialmente a soja. E aí sim, com o conjunto, “se poderia pensar em doença holandesa”.
Uma política de Estado, de usar parte das divisas garantidas com a exploração do petróleo como subsídio a outras atividades da indústria, é visto como um antídoto para os riscos da doença holandesa. A entrada de dólares do petróleo deve ser acompanhada da manutenção do “peso relativo” da indústria nas compras e vendas externas, na opinião de Fábio Silveira, diretor de pesquisa econômica da GO Associados. “O risco de acomodação em face desse potencial de aumento de receita de petróleo é grande. O superávit na balança comercial e a entrada de dólares podem acomodar tanto o governo como a iniciativa privada, que vai garantir seus mercados”, diz.
Segundo Silveira, o país tem exportado cerca de US$ 20 bilhões de petróleo por ano. Apesar desse resultado, a importação de derivados associada à compra de óleo bruto – boa parte do petróleo ainda extraído no país não é compatível com as refinarias em operação – tem levado a balança comercial do país ao déficit. Com o incremento a partir do pré-sal, as vendas do óleo devem subir, em cinco anos, para cerca de US$ 40 bilhões. Nas suas contas, as quatro refinarias em construção devem reduzir o déficit com a importação de derivados. “Somando a alta das vendas de petróleo e a diminuição da importação de petróleo e derivados, o déficit deve virar superávit de US$ 15 bilhões ao ano no setor”.
Do Valor Econômico