Em entrevista, Carlos Grana faz um balanço das ações da CNM/CUT

O presidente da Confederação faz um balanço da atuação da entidade e dos avanços conquistados pela categoria. Grana está se licenciando do cargo, rumo às eleições

O presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT, Carlos Grana, faz um balanço da atuação da entidade e dos avanços conquistados pela categoria, em especial nos últimos sete anos, e relembra os momentos difíceis passados pelos trabalhadores e as entidades sindicais.

Aos 44 anos de idade, 30 dos quais dedicados aos movimentos social e sindical, Grana vai se licenciar da CNM para encarar um novo desafio: disputar uma vaga na Assembléia Legislativa. Nesta entrevista, ele relembra a sua trajetória e faz uma análise das profundas mudanças ocorridas no Brasil, em especial desde o governo do presidente Lula.

Qual o balanço que você faz do papel da CNM/CUT para que a crise econômica mundial não causasse efeitos mais negativos para o Brasil e para os metalúrgicos?

A crise econômica mundial de 2008 foi a pior dos últimos 40 anos e também atingiu o Brasil de forma dura. No caso dos trabalhadores, o impacto direto foi no nível de emprego. Em dezembro daquele ano, o número de demissões saltou da média histórica de 400 mil para 800 mil. O primeiro cuidado que a CNM teve foi o de repudiar as propostas que prejudicariam os trabalhadores. A Fiesp, por exemplo, queria reduzir a jornada de trabalho e os salários em 25%. Nós resistimos a esse tipo de medida, até mesmo porque o impacto da crise não estava sendo igual para todos os setores industriais.

O segundo passo foi o de, junto com o movimento sindical e a CUT, em particular, dialogar com os empresários para buscar alternativas. E, num terceiro momento, conversamos com o governo federal para que fossem adotadas medidas de fortalecimento das vendas e do mercado interno. A partir dessa ação conjunta – trabalhadores, empresários e governo -, conseguimos a redução do IPI de automóveis, geladeiras, fogões, material de construção, máquinas, motos e móveis. Enfim, todos os produtos manufaturados tiveram diminuição da carga tributária e consequente redução de preços.

Na outra ponta, insistimos junto ao BNDES e aos bancos públicos para que ampliassem o crédito para o mercado. Obtivemos vários acordos, inclusive com a participação direta da CNM no que foi firmado com o BNDES para o setor de máquinas e equipamentos. Todas as medidas possibilitaram contrapartidas para garantir a manutenção do nível de emprego.

Ou seja, houve uma saída negociada, que não aprofundou a crise. Aliás, vale lembrar que aqueles que defendem a política do Estado mínimo (que era a estratégia dos governos anteriores) até torciam por ela. Mas avalio que tudo o que garantimos seria impossível se não tivéssemos à frente o comando do presidente Lula, que conhece como poucos o impacto de uma crise econômica no emprego, sobretudo no setor metalúrgico.

A proximidade do movimento sindical, em especial o dos metalúrgicos, com o presidente Lula facilitou o diálogo e os acordos?

Desde quando o presidente Lula assumiu, em 2003, a principal marca de seu governo tem sido o diálogo com os movimentos sociais e, em particular, com o sindical. E isso acontece por sua origem e pela compreensão da importância que os trabalhadores, representados pelos sindicatos, têm na vida econômica e política do País. Além das medidas de combate à crise, várias reivindicações dos trabalhadores têm sido consideradas pelo governo. Acho que a principal foi a negociação para o estabelecimento da política de valorização do salário mínimo. Antes, isso era discutido só no Congresso Nacional e às vésperas do reajuste, em maio.

A partir de 2004, mudamos essa lógica, quando o movimento sindical fez a primeira marcha de trabalhadores a Brasília. Ela culminou na abertura de negociações e conseguimos incluir, já no orçamento de 2005, um reajuste acima da inflação. Como desdobramento, houve o acordo que estabelece a correção integral da inflação mais a variação do PIB de dois anos anteriores.

Isso fez com que o salário mínimo tivesse, ao longo desses seis anos, um aumento real de quase 55%. Antes, ele equivalia a uma cesta básica e, hoje, a duas e meia. Ou seja, o seu poder de compra mais do que dobrou. E, principalmente no período da crise, esse importante fator de distribuição de renda garantiu a valorização do consumo e do mercado interno.

Em sua opinião, qual a importância da CNM para a organização dos trabalhadores?

A CNM é uma entidade ainda nova, com 18 anos, e seu objetivo principal é articular, unificar e buscar a integração dos sindicatos dos metalúrgicos. Tem cumprido esse papel, em especial quando organiza as campanhas salariais de forma conjunta, cuja principal bandeira é a unificação nacional das datas-bases em 1º de setembro. Uma outra bandeira forte é a luta pelo contrato coletivo nacional de trabalho.

Infelizmente no Brasil, apesar de sermos todos metalúrgicos, há ainda muitas desigualdades salariais e de condições de trabalho. Há, por exemplo, trabalhadores de uma mesma empresa, com unidades em São Paulo, Bahia e Rio Grande do Sul – como algumas montadoras -, cuja diferença salarial é muito grande, chegando até o dobro.

Por isso, a Confederação luta pelo salário igual, já que o preço é nacional. Inclusive, fizemos um estudo que desmistificou o argumento de empresários de muitas regiões, de que o salário era inferior porque o custo de vida era menor.

A pesquisa, realizada pelo Dieese, mostrou que a diferença é insignificante, algo em torno de 2%, para mais ou para menos. Enquanto isso, os salários têm diferença de 100%, em alguns casos.

Essa talvez seja a nossa principal missão. Há exemplos em outros países, onde há negociação com proteção geral para os trabalhadores. No próprio Brasil, o setor bancário tem negociação nacional e um piso salarial praticado em todo o País. No ramo metalúrgico, infelizmente, não há.

Em relação à reativação de empregos em setores que estavam em declínio, como o naval, qual foi a atuação da CNM?

No programa da candidatura de Lula, em 2002, incluímos a recuperação do setor naval como uma bandeira do movimento
sindical, demonstrando que era possível o Brasil mudar o modelo de importador de plataformas de navios, como vinha ocorrendo no governo anterior, para recuperar a posição que já teve no passado, de segundo maior produtor do mundo.

E já no início do governo Lula, a articulação foi retomada, através do fortalecimento do Fundo de Marinha Mercante, que incluiu uma representação dos trabalhadores. A CNM indicou dois representantes: eu sou um deles; o outro é Edson Carlos Rocha da Silva, da direção da Confederação e do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói e que é um especialista no tema.

Com essa articulação, houve uma estratégia da Petrobrás, através da Transpetro, de valorizar e fortalecer a indústria naval, com a maioria das encomendas. Hoje, temos mais de 40 mil trabalhadores diretos no setor, e mais de 100 mil indiretos, porque o lote de produção é de 367 navios. Para quem estava no fundo do poço, com menos de quatro mil trabalhadores no início dos anos 2000, ter esse resultado é extraordinário. E para se chegar a isso, houve a participação direta da Confederação e dos Sindicatos de Metalúrgicos do Rio de Janeiro, Niterói e Angra dos Reis. A reativação do setor aumentou também com a conquista do estaleiro em Pernambuco.

A CNM é uma entidade relativamente jovem, mas consolidada. Seu trabalho é uma continuidade do desenvolvido por seus antecessores?

O trabalho liderado por Guiba (Heiguiberto Guiba Della Bella Navarro), que foi o primeiro presidente, foi fundamental. Ele começou quase do zero a construção da Confederação, a partir de um Departamento dentro da CUT, que agregava apenas alguns sindicatos.

Na época, havia muita incompreensão e dúvidas sobre o papel da entidade. Mas ela foi se consolidando e definindo rumos. Se hoje ela tem representatividade e estrutura, foi graças ao trabalho de dirigentes dedicados. Entre eles há que se destacar Guiba. E Fernando Lopes, que era o secretário geral e assumiu por um período a presidência, conseguiu dar continuidade.

Hoje temos o prazer de tê-lo como secretário-adjunto da Fitim (Federação Internacional dos Metalúrgicos). Ou seja, para chegarmos até aqui, foi fundamental o trabalho desses companheiros liderados por Guiba e Fernando. Muitos diziam que os metalúrgicos seriam uma profissão em extinção, que nunca conseguiriam recuperar o nível de emprego. Dois dados importantes: em 1989, nós éramos 2,7 milhões de metalúrgicos. Em 2002, éramos apenas 1,4 milhão. De 2003 para cá, já superamos os dois milhões. Tivemos uma queda com a crise de 2008, mas praticamente já recuperamos os postos perdidos. E vamos terminar 2010 com mais de 2,1 milhões de trabalhadores no ramo. Ou seja, uma recuperação extraordinária. É claro que tem tudo a ver com essa intervenção de estimular a produção nacional.

E desse total, a CNM representa a metade, através de seus 92 sindicatos filiados.

Os trabalhadores e o movimento sindical já passaram por períodos difíceis, em especial na década de 1990, quando houve a tentativa de reduzir direitos e criminalizar os sindicatos. Como vocês reagiram a isso e qual a comparação que pode ser feita com os dias atuais?

Tenho 30 anos de movimento sindical e a maior parte do tempo foi dedicada a defender direitos que estavam sendo atacados. A década de 1990 foi o período em que os trabalhadores sofreram os maiores ataques, com a lógica do governo e dos empresários de impor redução de direitos. Na época, tudo o que o trabalhador tinha era considerado custo e, portanto, era preciso cortar. Então, boa parte das nossas lutas eram greves contra demissões e para defender direitos.

A agenda, a partir de 2003, mudou. Ampliamos vários direitos nas convenções coletivas. Todos os acordos feitos de 2003 para cá tiveram aumento real de salário. Em alguns setores, há um acumulado de mais de 20% de ganho real nos últimos cinco anos. Além disso, os acordos de PLR (Participação nos Lucros e Resultados) também têm crescido significativamente em nosso setor.

Em alguns casos há até cinco salários adicionais de PLR. Portanto, houve uma mudança significativa da pauta que tínhamos antes do governo Lula e depois.

Mas isso tudo é insuficiente. Temos ainda vários problemas. Para sanar um deles, inclusive, a CNM está com uma ação no SupremoTribunal Federal. É pela garantia da Convenção 158 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que veta demissão involuntária do trabalhador. Não se trata de estabilidade no emprego, mas a Convenção evita a prática descarada da rotatividade de mão de obra. Em alguns setores, ela chega a 30% em um ano. Em outros, como as montadoras, é algo mais civilizado, em torno de 2%. Mas há outros ramos da economia onde a rotatividade é mais absurda ainda. No comércio e na construção civil ultrapassa os 50%, o que traz uma série de dificuldades, porque as conquistas salariais e de condições de trabalho vão se perdendo. Por esse motivo, movemos essa ação no STF.

Enfim, a agenda sindical ainda tem vários desafios. Porém, entendo que o papel do sindicato tem de ser voltado também para que o trabalhador tenha direitos sociais mais amplos. Quando ele chega ao bairro tem problema na saúde pública, de urbanização, enchente, os filhos não têm uma educação pública adequada. Então, temos de olhar para o trabalhador como um cidadão, transformando aquilo que temos de conquistas no local de trabalho também no ambiente da cidade.

Mas isso não depende apenas do sindicato. Tem a ver com o poder local, a prefeitura, o governo estadual e também o governo federal.

Mesmo com as relações difíceis com os governos da década de 1990, o ABC teve uma importante experiência para garantir o desenvolvimento econômico da região…

É verdade. Na década de 1990, em função do processo de esvaziamento econômico da região, criamos o Fórum pela Cidadania do Grande ABC, do qual fui um dos coordenadores. Ele tinha como objetivo a mobilização da sociedade junto aos poderes públicos para reagir ao impacto do desemprego industrial e a redução dos investimentos. Após a eleição de um novo quadro de prefeitos, liderados por Celso Daniel, o Fórum abriu caminho para a Câmara de Desenvolvimento Regional do Grande ABC. Foram duas experiências importantes que vivi, na defesa do emprego e da retomada dos investimentos e na busca de solução de problemas que eram impeditivos para a atração de investimentos, como as enchentes, a carga tributária, a concorrência entre municípios, a falta de investimentos em tecnologia. Naquela época, o debate sobre a duplicação da Rodovia dos Imigrantes foi uma das ações.

Em sua opinião, o que o Brasil precisa daqui para frente?

Não podemos permitir que haja retrocesso. O Brasil, de uma ditadura militar, foi buscando o caminho da redemocratização. E apesar de ser recente, a democracia no Brasil hoje é um exemplo para o mundo. Claro que ainda temos muitas coisas a mudar. Mas para garantir que não haja retrocesso, precisamos aprofundar o processo de distribuição de renda e a valorização do social.

Ou seja, é preciso investir no aumento de uma série de políticas públicas, que vai desde o Bolsa Família e a valorização do salário mínimo, até num programa fundamental que é a educação. Já conquistamos o Pró-Uni, várias universidades e escolas técnicas federais. Mas é necessário investir mais. É isso que será um grande diferencial. Já avançamos muito, distribuindo renda, que fez com que mais de 30 milhões tivessem ascensão de classe social e garantissem o mercado interno.

É preciso dar continuidade ao processo e radicalizar a democracia, fazendo com que a sociedade tenha menos diferenças e maior grau de oportunidades. Não basta ser democrático e o País crescer. Já experimentamos o Brasil democrático crescendo. Agora precisamos de mais igualdade social. Essa é a nossa principal tarefa para que as conquistas dos últimos oito anos não sejam perdidas.

Nestes quase 30 anos de democracia, houve experiências diferentes. Nos últimos oito anos, tivemos um governo que não era um problema, mas parte da solução. Nos anteriores, eles eram parte do problema, criavam problemas. Não havia diálogo com o movimento social. Governavam de costas para o País, olhando para os EUA, submissos. Hoje o País é soberano e as conquistas estão na nossa frente. E precisamos continuar trilhando esse caminho para o Brasil atingir a meta de se transformar na quinta maior potência mundial.

E essa visão é apenas da CUT ou também das demais centrais sindicais?

Nós conseguimos, pela primeira vez, ter uma unidade das principais centrais sindicais. Nas eleições de outubro, teremos um alinhamento, estaremos todos do mesmo lado na campanha. Mesmo Lula, com toda a sua tradição sindical, nunca conseguiu ter esse grau de unidade nos processos eleitorais.

Só depois de ele ter sido governo conseguiu, porque abriu oportunidades para o movimento sindical ter uma participação mais decisiva nas diretrizes do País.

CUT, Força Sindical, CGTB, CTB, UGT e NCST estiveram presentes e unidas no ato que foi realizado em 10 de abril, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, organizado para destacar os ganhos que obtivemos em relação aos empregos, mas em especial para tornar pública a reivindicação de que hoje é preciso uma atenção mais especial para a qualificação profissional.

Por muitas vezes, estivemos em lados opostos. Mas agora a bandeira imediata do movimento sindical é o emprego caminhando junto com a qualificação. Avaliamos que é preciso uma política permanente de valorização do trabalho, com mais conhecimento, mais informação, mais qualificação, porque a sociedade de hoje está fincada no conhecimento. O país que agregar maior conteúdo, maior conhecimento, vai ter condições de disputar uma fatia maior do mercado mundial.

O Brasil precisa investir em ciência e tecnologia. E não há outro caminho que não a educação e qualificação profissional. Nesse encontro do ABC, foi isso que apresentamos ao presidente Lula e à pré-candidata Dilma Rousseff – que esperamos que seja a nossa futura presidente. E ela assumiu esse compromisso conosco.

Imprensa – CNM/CUT