Em entrevista, Marcio Pochmann afirma que mercado de trabalho reproduz desigualdade
O economista e presidente do Ipea garante que a atual crise econômica possibilita entrarmos em um novo padrão civilizatório em que os parâmetros de produção e consumo vão mudar
“Os 10% mais pobres do Brasil – 20 milhões de brasileiros – vivem com renda média mensal per capita de R$ 70 e transferem R$ 35 dos R$ 70 em impostos para o Governo, porque os impostos indiretos são os que mais oneram essa população”, diz o economista Márcio Pochmann, presidente do Ipea.
O economista da Unicamp, Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), defende a completa refundação do Estado brasileiro.
O professor analisa a crise internacional e revela números surpreendentes das desigualdades no Brasil. Pochmann é categórico quando fala em educação: “Ela não transforma. Ela conforma para o trabalho”.
Ele garante que a atual crise econômica possibilita entrarmos em um novo padrão civilizatório em que os parâmetros de produção e consumo vão mudar. Chama a atenção para o meio ambiente e considera que o mundo vive um período de desgovernança pública.
É enfático ao tratar de República e democracia no Brasil: “Na nossa democracia sobram partidos e faltam ideias”; “dizemos que temos República no Brasil, mas não temos. República significa igualdade de oportunidades”.
Pochmann é um dos maiores pesquisadores do País sobre o mundo do trabalho. É especialista em emprego e salários e autor de 27 livros sobre inclusão social, desenvolvimento econômico e políticas de emprego.
Entre os livros de sua autoria do economista estão O Desafio da Inclusão Social no Brasil e Relações de Trabalho e Padrões de Organização Sindical no Brasil. Na Unicamp, é professor do Instituto de Economia e atua no Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit).
Como o senhor avalia a crise financeira mundial?
Essa crise é uma crise do modo de produção capitalista, uma crise estrutural, sistêmica, uma crise que não é exclusivamente financeira, embora tenha sido nessa esfera que ela se originou.
Essa crise impôs perdas expressivas aos ricos, impôs a queda da taxa de lucro das empresas, especialmente de alguns setores industriais. A crise impactou a área social. Estamos convivendo com maior desemprego, com aumento das desigualdades.
Essa crise está contaminando o mundo da política. Cinco países tiveram alternância de poder em função, inclusive, do agravamento da crise. Não tivemos crises anteriores com problemas ambientais. Os impactos ambientais são extremamente degradantes.
Temos uma crise inédita nesse sentido. Vale dizer que é uma crise que encontra o mundo, os países, em quase sua totalidade submetida à lógica mercantil. Nunca tivemos uma crise anterior com uma profundidade como esta.
E não tem saída a curto e médio prazo porque a crise afetou as estruturas do padrão capitalista de produção e consumo. Não há como garantir a sustentabilidade da acumulação de capital.
O senhor diz que essa crise é de produção e consumo. Explique o que é a crise de consumo?
O que deu sustentabilidade de longo prazo ao capitalismo no século 20 foi a produção de bens de consumo duráveis, como por exemplo, a casa própria e o automóvel.
Não são apenas eles, mas a casa e o automóvel simbolizam o consumo no capitalismo do século 20. A produção desses bens se difundiu pelo mundo, no entanto, apenas um quarto da população mundial tem acesso a esse padrão de consumo.
Apenas um quarto. É o que praticamente temos no Brasil. Para que esse padrão de consumo tivesse padrões mundiais, especialmente no mundo onde a renda percapita é muito baixa, foi necessário o aprofundamento do subdesenvolvimento, que é o que se pressupõe no Brasil.
Em outras palavras: para que aqui no Brasil pudesse se instalar a indústria automobilística e a produção nacional comparável ao os países ricos foi necessário concentrar profundamente a renda, para poder viabilizar o padrão de consumo dos mais ricos.
Se a gente for a qualquer cidade brasileira a gente vê segmentos sociais que participam de alto padrão de consumo. Há bairros de qualquer cidade brasileira onde há casas com garagem com quatro, cinco carros, cada membro da família tem um automóvel. Há casas compatíveis com padrão hollywoodiano de habitação.
É, aqui os ricos vivem muito bem…
Os ricos vivem aqui muito melhor que a classe média e os ricos nos Estados Unidos e na Europa porque aqui os ricos não pagam impostos. E lá não existe como aqui essa massa de serviçais.
É manicure, empregados domésticos, cortador de grama, faxineira, ou seja, um exército de prestadores de serviço. No Brasil, as famílias de classe média e ricas têm, em média, 13 serviçais à sua disposição para prestar serviços.
São 13, no mínimo, ou seja, são mais de 20 milhões de pessoas que constituem esse exército com remuneração extremamente baixa. Por que é possível ir para uma pizzaria, churrascaria no Brasil e comer de forma extravagante pagando preços módicos?
Porque aqueles que lá trabalham, o pizzaiolo, o churrasqueiro têm remunerações extremamente baixas.
O que chama atenção é que viabilizar e internalizar esse padrão de consumo é somente possível com uma brutal concentração de renda, com um sistema tributário que concentra renda, que tira dos pobres e dá para os ricos e com um Estado que se organizou para atender fundamentalmente os ricos, o andar de cima da sociedade, como dizia Milton Santos.
Esse andar de cima tem tudo. Tem banco público, tem sistema de tecnologia, tem compras públicas, ou seja, montou- se uma estrutura para sustentar os de cima. Isso não é uma experiência exclusivamente brasileira, mas talvez chegamos a maior sofisticação.
Da Caros Amigos