Em SP, funcionário do Estado vende dados sigilosos e cliente é o próprio governo

O governo do Estado agora paga para obter dados que já estão em seu poder. A Emplasa (Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S/A), empresa do governo paulista, contratou a Angra, que pertence a um funcionário do alto escalão da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, para que lhe fornecesse um maior detalhamento de informações criminais.

O sociólogo Túlio Kahn é desde 2005 sócio-diretor da Angra Consultoria e Representação Comercial. Desde 2003 Kahn é coordenador da CAP (Coordenadoria de Análise e Planejamento), o órgão que concentra todas as informações estatísticas sobre violência no Estado, e que são sigilosas.

Khan criou a empresa de consultoria por sugestão do governo porque, segundo ele, a Secretaria de Segurança não conseguiu pagar um salário compatível com a responsabilidade que estava ssumindo na CAP.

Quando chegou ao órgão, em 2003, o salário que lhe caberia seria de R$ 5.000. Daí a sugestão de que cobrasse por certos projetos e recebesse por meio de nota, conta.

Leia na íntegra reportagem do jornal Folha de S. Paulo:

Estatístico do Estado vende dado sigiloso

Um funcionário do alto escalão da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo vende serviços de consultoria por meio de uma empresa da qual é sócio e que disponibiliza dados que o governo considera sigilosos.

O sociólogo Túlio Kahn é desde 2005 sócio-diretor da Angra Consultoria e Representação Comercial, segundo documentos obtidos pela Folha. Ele detém 50% da empresa -a outra metade é de André Palatnik.

Desde 2003 Kahn é coordenador da CAP (Coordenadoria de Análise e Planejamento), o órgão que concentra todas as informações estatísticas sobre violência no Estado. Já atravessa três governos na função. Quem o nomeou para o cargo foi o secretário Saulo de Castro, no governo de Geraldo Alckmin (2003-2006).

Entre outros dados sigilosos, Kahn já forneceu, por exemplo, informações como furtos a transeuntes na região metropolitana de Campinas e os bens que são levados com mais frequência nos roubos a condomínios na cidade de São Paulo.

O levantamento sobre roubo a condomínios foi feito a pedido do Secovi (sindicato das empresas imobiliárias de São Paulo) e pago pela GR, uma das maiores empresas de segurança do Estado, segundo o próprio Kahn relatou à Folha. A GR nega ter feito pagamentos à Angra.

Sigilo
As informações sigilosas sobre a criminalidade na Grande Campinas constam de um relatório feito para a Agemcamp (Agência Metropolitana de Campinas), autarquia do Estado que auxilia o planejamento na região.

Foi a Emplasa (Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S/A), empresa do governo paulista, que contratou a Angra.

Ou seja, o governo pagou a uma empresa privada para obter dados sobre crimes que são desse mesmo governo.
No relatório para a Agemcamp, a Angra oferece informações do Infocrim que não são públicas, as quais “permitem um maior detalhamento da situação criminal da cidade de Campinas”.

Pânico
Graças aos mapas de Kahn, é possível saber em que áreas se concentram os roubos de veículos e os locais onde ocorrem mais roubos a condomínios.

A secretaria se nega desde 2008 a fornecer à Folha informações similares, e de grande interesse público, como as ruas que concentram os roubos e furtos de veículos em São Paulo.

A alegação de Kahn para a negativa é que essas informações poderiam gerar alarmismo entre os moradores e desvalorizar a área.

Parte das informações criminais é publicada trimestralmente, de acordo com a resolução 160, que criou em 2001 as regras para divulgação de estatísticas.

A divulgação, porém, não inclui dados estratégicos, como o local do crime. Com isso, não dá para se saber a rua onde se mata mais na cidade de São Paulo ou as faculdades que concentram o furto de veículos. Não há esse veto para a clientela da Angra.

Preços
Os valores dos contratos da empresa de Kahn variam de R$ 80 mil a R$ 250 mil.

Por exemplo: um projeto de pesquisa que ensina prefeituras a fechar bares para reduzir a violência, que inclui acesso a dados sigilosos de boletins de ocorrência, está orçado em R$ 100 mil.

Apenas uma empresa com livre trânsito no governo poderia oferecer “visitas às delegacias para consulta aos boletins de ocorrência”. Delegacias vetam a consulta a boletins sob o pretexto de que haveria violação da intimidade das vítimas.

Em outro projeto em que a Angra aparece como intermediária, o Sindicato das Empresas de Transporte de Carga de São Paulo paga R$ 7.000 a dois funcionários para produzir estatísticas sobre roubo de cargas dentro da CAP. O sindicato diz que o acordo é legal.

Não violei informações e o “cliente” só patrocina estudos, diz sociólogo 

O sociólogo Túlio Kahn diz que nunca violou dados da Secretaria da Segurança.

Em resposta por e-mail, ele afirma: “Não há venda de informações. Houve uma contratação da Angra e outras consultorias pelo governo do Estado, por licitação pública, através da Emplasa. O manuseio dos dados pela Angra foi feito sob condição de sigilo e apenas órgãos públicos tiveram acesso às análises”.

Segundo ele, o sigilo era preservado por “acordo verbal” com os pesquisadores.

Os clientes que a própria Angra cita, como a GR, o Secovi e o Sindicato das Empresas de Transporte de Carga, são “patrocinadores” de projetos (contra roubos a condomínios e de cargas, respectivamente), diz o sociólogo.

Kahn diz que irá “providenciar” a alteração do contrato da Angra, onde aparece como sócio-diretor -o estatuto do funcionalismo só permite a figura do sócio-cotista. “Não me ative à necessidade de alterar o contrato da Angra, o que vou providenciar”.

Segundo Kahn, não há conflito ético entre a sua atividade privada e seu trabalho público: “Os “clientes privados” apenas patrocinam os estudos, como forma de colaborar com as polícias e a segurança, e os dados só são divulgados às polícias”.

Salário
Em conversa telefônica, disse que criou a empresa de consultoria por sugestão do governo porque a Secretaria de Segurança não conseguiu pagar um salário compatível com a responsabilidade que ele assumiu na CAP.

Quando chegou ao órgão, em 2003, o salário que lhe caberia seria de R$ 5.000. Daí a sugestão de que cobrasse por certos projetos e recebesse por meio de nota, conta.

A GR diz que nunca fez pagamentos à Angra. A empresa afirma que só ajudou a Secretaria de Segurança a mapear melhor o problema de roubos a condomínios.

Kahn afirma que a empresa pagou pelo estudo sobre roubos a condomínios.

A Emplasa diz que não há mais diretores na empresa da época do contrato com a Angra (2008 e 2009) e que a diretoria atual não conhece o assunto para se pronunciar. A Agemcamp não quis comentar o caso.

A Secretaria da Segurança Pública afirma que só vai se pronunciar após a publicação da reportagem.

Do Assembleia PT, com Folha de S. Paulo