Empresa põe até cadeado em relógio ponto para não pagar horas de percurso ao trabalho
Trabalhadores aguardam mais de uma hora e meia só para poder registrar a chegada ao frigorífico em Campo Grande
Funcionários do frigorífico JBS Friboi, em Campo Grande, denunciam que estão sendo obrigados a aguardar mais de hora e meia para registrar a chegada ao local de trabalho, uma vez que a direção da empresa colocou até cadeado no relógio ponto para não pagar as horas extras.
Conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), as horas “in itinere” – de percurso até o local de trabalho – são consideradas tempo à disposição do empregador e devem ser pagas como hora extra, se o total da jornada superar o limite de oito horas diárias. Tal período deve ser computado na jornada de trabalho nos casos em que a empresa for de difícil acesso ou não houver serviço público regular de transporte, e o empregador forneça a condução.
Para burlar a legislação, a JBS Friboi acionou as empresas para que dispusessem de um único microônibus no percurso a cada hora e meia, o que obviamente não pode servir para transportar nem uma minúscula parte dos mais de dois mil operários do frigorífico.
Além de difícil acesso, alerta Éder Pereira de Oliveira, diretor do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Carnes e Derivados de Campo Grande, o local também é perigoso, pois está ao lado de uma rodovia federal, onde são comuns os acidentes com motos e bicicletas. Em dois anos e meio na JBS, Éder já presenciou vários feridos e até uma vítima fatal.
Uma das muitas prejudicadas, a auxiliar de produção Veronica Benitez declarou que chega com o transporte da empresa sempre por volta das quatro horas e 40 minutos, mas não pode bater o ponto antes das seis horas, o que implica em perdas salariais consideráveis.
Os trabalhadores saem de casa a partir das três horas e 50 minutos, chegam ao frigorífico, trocam de roupa, vestem os equipamentos de proteção individual (Epis) e vão tomar o café da manhã. Logo, desossadores e faqueiros, por exemplo, passam a amolar suas facas. Só depois é que recebem autorização para bater o ponto e iniciar a produção. Na volta pra casa, a mesma tortura se repete, com os ônibus saindo cerca de uma hora e meia após terminado o expediente.
De acordo com o presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação do Mato Grosso do Sul (FTIAA), Vilson Gimenes Gregório, a JBS Friboi – maior empresa em processamento de proteína animal do mundo, atuando nas áreas de alimentos, couro, biodiesel, colágeno e latas – gosta de potencializar seus lucros às custas da superexploração da mão de obra,já tendo sido condenada pela Justiça do Trabalho em Naviraí, no interior do Estado, por não pagar as horas de percurso.
A condenação foi resultado de uma ação proposta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), em novembro de 2010, que impôs multa de R$ 50 mil por dia de atraso. A necessidade da medida, sustenta a ação, se deve a que “não há transporte público coletivo para conduzir os trabalhadores de suas residências, de seus bairros, até o local de trabalho. Diante dessa ausência de transporte público, o empregador fornece a condução para viabilizar a execução de sua atividade econômica, pois, caso contrário, os trabalhadores não poderiam se deslocar até o local sem dificuldades, atrasos ou faltas reiteradas”.
A situação do frigorífico da capital é quase idêntica à de Naviraí, esclarece Vilson Gregório, defendendo que o Ministério Público do Trabalho reproduza a ação, a fim de impedir a continuidade desta injustiça. “Não podemos admitir que os trabalhadores fiquem sem receber um dinheiro que é seu. O problema não está apenas na hora de chegada, pelo qual não são remunerados, mas também na volta pra casa, uma vez que a JBS atrasa o horário de retorno para economizar, mandando os ônibus cheios”, acrescentou.
Alexandre Costa, secretário geral da CUT-MS, alerta que “além de ter sido uma das maiores beneficiadas com a renúncia fiscal, que deveria utilizar para melhorar a situação dos trabalhadores, a JBS Friboi tem se utilizado de inúmeros recursos públicos do BNDES para ampliar as suas plantas pelo país, enquanto mantém condições indignas de trabalho, o que é inaceitável”.
Informa o site da JBS Friboi que “a companhia está presente em todos os continentes, com plataformas de produção e escritórios no Brasil, Argentina, Itália, Austrália, EUA, Uruguai, Paraguai, México, China, Rússia, entre outros países”. Conta com acesso a 100% dos mercados consumidores, possui 140 unidades de produção no mundo e mais de 120 mil “colaboradores” – como os neoliberais chamam os trabalhadores de quem tiram o couro – “focados no sucesso da companhia, sustentado pelo espírito empreendedor e pelo pioneirismo”.
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação (Contac/CUT), Siderlei de Oliveira, lembrou que o BNDES já aportou mais de R$ 10 bilhões a JBS Friboi, “sem estabelecer contrapartida social, trabalhista ou ambiental, o que é lamentável sob todos os pontos de vista”. Estimulada por esta falta de atitude do governo, acrescentou, “agora a empresa parte diretamente para o achaque e a chantagem explícita, ameaçando com o fechamento de plantas, caso não receba mais prêmios para sua conduta irresponsável”.
Muito diferente da “responsabilidade social” de suas propagandas, denunciou Siderlei, a JBS suspendeu por tempo indeterminado suas operações nas plantas de Presidente Epitácio (SP), Teófilo Otoni (MG) e Maringá (PR), sem qualquer comunicação com os trabalhadores.
“A hora é de ampliar a pressão para garantir e efetivar contrapartidas, como salário, emprego e condições de saúde e segurança. Além disso, precisamos priorizar uma política industrial séria e conseqüente para o país enfrentar a crise internacional. Sem isso o mercado interno ficará vulnerável às oscilações de empresas que sempre querem ganhar mais às custas do suor e do sangue dos trabalhadores”, declarou.
Siderlei fez ainda um alerta às autoridades para que ampliem a fiscalização sobre os reiterados abusos da JBS Friboi contra a saúde e a segurança dos trabalhadores, pois o ritmo alucinado praticado em suas unidades tem multiplicado lesões e mutilações. “Mais do que nunca é imprescindível a aprovação da Norma Regulamentadora dos frigoríficos que estabelece, entre outros avanços, pausas na linha de produção e a redução da exposição ao trabalho penoso”, declarou.
Da CUT Nacional