“Enquanto as pessoas que enfrentaram o regime de exceção estiverem vivas, essa memória tem que ser colhida, tem que ser registrada”

Ato para rememorar os 60 anos do golpe teve o lançamento do livro da Associação Heinrich Plagge e o documentário ‘Metalúrgicos para a Democracia’

Foto: Adonis Guerra

“Eu não fui torturado, não levei choque, nem fui pendurado no pau de arara. A minha família não ficou esperando eu chegar em casa, mas em nome daquelas famílias, daqueles companheiros que passaram por tudo isso, não podemos esquecer. Essa história tem que ser contada todos os dias”, pediu o presidente dos Metalúrgicos do ABC, Moisés Selerges, em ato junto a Associação Heinrich Plagge para rememorar os 60 anos do golpe militar no país na última quinta-feira, dia 4, na Sede.

“Esse Sindicato e todos os movimentos sociais do país têm o dever de lutar pela democracia. Não quero que imagine a democracia como simples ato de poder. Democracia pressupõe que a gente tenha acesso a emprego, a comida na mesa, à universidade, à cultura. Democracia pressupõe que o Estado peça desculpas ao movimento sindical pelas intervenções que fez”, falou.

Foto: Adonis Guerra

Para Moisés, os Metalúrgicos do ABC têm a obrigação de formar as lideranças do futuro. “Não quero que as próximas gerações nos culpem. Precisamos criar um país e uma sociedade melhor para eles. É essa a nossa obrigação. A democracia é a base do Sindicato e sempre será”.

O ato teve o lançamento do livro ‘Ditadura, a cumplicidade da Volkswagen e a resistência dos trabalhadores’. O material foi organizado pela Associação e pelos jornalistas Rosana Gonçalves, Solange do Espírito Santo e Gonzaga do Monte. Também foi promovida a estreia do documentário ‘Metalúrgicos para a Democracia’, do cineasta Camilo Tavares. Ele é o diretor do filme ‘O dia que durou 21 anos’, que retrata a participação dos Estados Unidos no golpe de 1964.

Resgate

Foto: Adonis Guerra

Segundo o presidente da Associação Heinrich Plagge, Tarcísio Tadeu Garcia Pereira, o livro foi baseado em entrevistas, notícias e pesquisas, em documentos de arquivos públicos, além de informações dos trabalhadores e seus familiares que sofreram perdas irreparáveis. A publicação mostra o resgate de peças que foram se juntando e ganhando forma jurídica para se transformar na denúncia feita aos Ministérios Públicos de crimes praticados pelo regime ditatorial em conjunto com a multinacional alemã.

“O desfecho dessa luta ocorreu graças à persistência e determinação dos trabalhadores e procuradores, com a colaboração de sindicalistas do ABC e da Alemanha”, afirmou Tarcísio. O resultado gerou um acordo inédito no Brasil, com grande repercussão internacional e que se tornou referência na busca pela justiça de transição e de memória, verdade e reparação. Todo o caminho percorrido para que se chegasse ao acordo é relatado neste livro para que a história destes trabalhadores fique registrada e seja honrada”.

Luta

Em sua fala, o escritor e frade dominicano, Frei Betto, lembrou que não dá para passar por cima de 21 anos de ditadura. “Eu sei que muitos dos militares já morreram, mas de qualquer forma é preciso punir pós-morte. Dizer  esse general, esse coronel, era um torturador, um assassino responsável por tais crimes”, destacou.

“Quero pedir que vocês reforcem essa luta para que apoiem, investiguem e condenem os grandes assassinos e criminosos, até para separar o joio do trigo porque muitos militares brasileiros não tiveram nada a ver com aquilo ou nasceram depois ou se omitiram”, disse o frade.

“Enquanto as pessoas que enfrentaram o regime de exceção estiverem vivas, essa memória tem que ser colhida, tem que ser registrada”.

Foto: Adonis Guerra

“É preciso dizer para essas gerações que as duas décadas de vigência da ditadura foram caracterizadas pela ausência da liberdade, supressão de eleições e completo desrespeito ao direito humano com a repressão e assassinato de opositores. Passamos pela insinuação de um golpe recentemente e a classe trabalhadora sabe que a convivência democrática é o melhor caminho”. Andrea de Souza, a Nega,  diretora executiva do Sindicato e coordenadora do Coletivo de Mulheres Metalúrgicas do ABC

Foto: Adonis Guerra

“Para discutirmos a ditadura, precisamos discutir os dias de hoje. Nós regressamos aos anos de chumbo, é o que está acontecendo no Estado de São Paulo. Hoje a polícia entra em casa e espanca jovens. Que diferença tem essa polícia militar para a polícia militar de 1970? Nenhuma. A juventude precisa entender aqueles anos de fogo, de ferro, de sofrência por quem foi preso e torturado”. Raimundo Suzart, presidente da CUT São Paulo

Foto: Adonis Guerra

“Quem defende o direito à liberdade não é essa direita extremada que aí está, que fala isso como direito de cometer crimes. Nós defendemos o direito à liberdade, o direito de ter direitos, de cada um ter acesso a emprego, ao sustento da sua família, para melhor condição de vida, trabalhando coletivamente para uma sociedade mais justa, igualitária e mais socialmente identificada”. Wagner Santana, o Wagnão, ex-presidente do Sindicato

Foto: Adonis Guerra

“Perdemos um período importante de industrialização onde poderíamos ter associado com planejamento do crescimento urbano e serviços públicos. Hoje, no lado da resistência, e a nossa resistência tem que ser permanente, temos que todo dia atuar para que isso não volte a acontecer e para que as novas gerações tenham ciência do que foi a crueldade daquele período”. Wellington Messias Damasceno, diretor administrativo dos Metalúrgicos do ABC

Foto: Adonis Guerra

“Cada vez que a gente faz um evento como este revigora o espírito de luta. Encontramos tantos documentos durante a pesquisa do documentário, não só da Volks, mas de outras empresas, além de exército, aeronáutica, Deops. Levando esse caso à justiça, vamos começar a reescrever esta história. Foi uma honra participar deste trabalho”. Camilo Tavares, diretor e roteirista do documentário ‘Metalúrgicos para a Democracia’

Foto: Adonis Guerra

“Em 1979, fui preso oito vezes. Quando prenderam o Manoel Anísio, o Djalma (Bom) falou ‘Ó, prenderam o Mané. Vamos provocar a polícia para sermos presos juntos’. Depois estávamos nós três no camburão e eles ficaram dando cavalo de pau. Em seguida, aconteceu a intervenção no Sindicato. Em uma negociação com Murilo Macedo, ministro do Trabalho, devolveram a Sede. Em assembleia, Lula submeteu nosso mandato à categoria e reassumimos o Sindicato”. Expedito Soares Batista, ex-diretor do Sindicato