Entrevista|Não basta ser mulher

Para Ana Júlia Carepa, a maior presença das mulheres na política é positiva, mas o gênero por si só não confere qualidade, "pois também existem as conservadoras e machistas", diz a governadora que quer mudar o Pará

Por Paulo Donizetti de Souza

Ela foi a primeira senadora e, agora, é também a primeira governadora de um estado marcado por conflitos de terra e com o maior número de propriedades na “lista suja do trabalho escravo” do Ministério do Trabalho. A petista Ana Júlia Carepa, 50 anos, é formada em Arquitetura e ingressou no Banco do Brasil em 1983. Foi eleita vereadora em Belém, sua cidade natal, em 1992. Dois anos depois conquistou vaga na Câmara dos Deputados, de onde saiu em 1997 para assumir a vice-prefeitura da capital paraense na chapa do prefeito Edmilson Rodrigues, hoje no PSOL. Foi recordista de votos para o Senado, em 2002. No ano passado, com 55% dos votos, encerrou 12 anos de “ciclo tucano” no governo do estado. Seu desafio tem sido implantar uma ruptura com o passado político do Pará, que isolou a Região Norte e semeou desigualdades.

A senhora sente alguma reação ou olhar diferenciado no meio político por ser mulher?
É um diferencial ser mulher, para o bem e para o mal: às vezes você é bem tratada, gentilmente, às vezes sente o preconceito. A mulher vem tendo maior credibilidade na sociedade, não só na política. Porém, o fato de ser mulher não basta. Não é o gênero que faz a política − o gênero dá características para algumas mulheres. Mas há aquelas conservadoras, preconceituosas e tão machistas quanto os homens.

O Pará vinha de sucessivos governos oligárquicos. Que reflexos desse histórico um governo de esquerda tem de enfrentar?
O modelo de desenvolvimento pensado pelos governos militares tentou atrair gente do Brasil todo – “homens sem terra numa terra sem homens” era o slogan. Foi um modelo irresponsável, que agravou as desigualdades regionais. Proporcionou ocupação sem nenhuma visão social. Sempre a Região Norte foi vista como fornecedora de matéria-prima para outras regiões. Isso vale para os ciclos de exploração mineral, a produção de energia, a exploração florestal, tudo baseado num modelo de desenvolvimento excludente.

É possível mudar isso?
Nosso lema é a mudança na filosofia de desenvolvimento, em especial a do final do século 20, movida pelo PSDB-PFL, segundo a qual o Estado não precisa estar presente. Por exemplo, privatizaram não só as comunicações, mas também a distribuição de energia elétrica do Pará; acabaram com o Instituto de Desenvolvimento de Pesquisa Estadual (Idesp). Como atuar numa região e pensar o desenvolvimento se não temos os indicadores? O que eu vou transformar? Nosso lema é mudar ou mudar, e não tem mudança sem investimentos em ciência e tecnologia, em educação, conhecimento, informação. É o eixo para dar um salto de qualidade. Recriamos o Idesp. Criamos a Fundação de Amparo à Pesquisa, a Secretaria de Meio Ambiente, antes parte da Secretaria de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia, e a Secretaria de Pesca e Aqüicultura. O Pará é o maior produtor de pescado do Brasil, com 45% da produção nacional, e não tínhamos uma secretaria para o setor. Pretendemos implantar três parques tecnológicos: em Belém, nas áreas de comunicação e energia; em Santarém, para a pesca e agricultura familiar; e em Marabá, para o setor mineral. A idéia é que funcionem como incubadoras de empresas e fazer com que conhecimento e educação sejam sistêmicos, e não algo de que alguns poucos se apropriem.

As dimensões do estado não dificultam?
Fizemos um convênio com a Eletronorte que vai proporcionar intercâmbio de informações nas nossas escolas por meio de cabos de fibra ótica. Só a presença da internet em uma cidade já causa impacto no seu potencial de crescimento econômico, mas ela precisa ser bem orientada para que seja bem utilizada, inclusive pelos jovens. Estabelecer bases de desenvolvimento que levem em conta as diferenças territoriais e agreguem valores com investimento em ciência e tecnologia não é só uma solução para o Pará, é uma solução para o Brasil. O governo federa