Entrevista|Pena Branca: o mano mais véio

"Um dia o Zé Mulato falou: 'Vamu dá um incentivo pra essa molecada cantá as nossa moda de raiz porque é muito bão!' Passou um tempo e ele soltou esta: 'Precisamo dá um jeito, essa molecada tá tocano viola demais, não tá sobrano pra gente. Tem que matá um poco!'"

Por Walter de Sousa

A expressão “mano véio” tem sido usada como um
pronome de tratamento por toda uma geração recente de violeiros.
Especialmente aqueles que, a partir do início da década de 80,
mantiveram um pé na chamada Música Popular Brasileira e uma viola
debaixo do braço: Renato Teixeira, Almir Sater, Vital Farias, entre
outros. Pois Pena Branca é o mais véio dos manos. Foi em dupla com o
irmão Xavantinho que gravou, em 1981, Cio da Terra, de Chico Buarque e
Milton Nascimento, a primeira de muitas canções de compositores da MPB
que registraram nas décadas seguintes. Enfim, eles conseguiram
“acaipirar” a MPB.

A mistura,
sempre intercalada por temas folclóricos em seus discos, acabou gerando
um público jovem que ainda hoje freqüenta e admira os seus shows. Aos
68 anos, José Ramiro Sobrinho, o Pena Branca, num caso mais que raro,
segue carreira solo, após perder o irmão em 1999. Na verdade Xavantinho
(Ranulfo Ramiro da Silva) continuou sendo seu parceiro, tanto que os
dois discos que Pena Branca gravou sozinho tiveram canções assinadas
pelos dois irmãos. O primeiro deles chegou a ser contemplado com o
Grammy Latino em 2001.

Agora preparando novo disco, o mano véio recebeu a reportagem da Revista do
Brasil em sua casa paulistana, no bairro do Jaçanã – a outra casa, que
é a oficial, fica em Uberlândia (MG), que “considera” sua cidade natal.
E contou um pouco da sua história, que é também a síntese da história
da música caipira, em suas nuances e transformações. Revelou ainda as
novidades do próximo disco: uma toada, um chamamé e a regravação da já
clássica Cuitelinho (A sua saudade corta como aço de navaia/ O coração
fica aflito, bate uma outra faia…), tema de domínio público recolhido
por Paulo Vanzolini, que enviou ao violeiro novos versos para serem
acrescentados à versão original.

O que é música caipira?
Olha, tem o caipira da festa junina, aquele camarada com a calça
rancheira e a camisa xadrez, que passa aquela imagem do caboclo
desdentado. Mas não é nada disso. E tem esse caipira de quem nós
fazemos história cantando, contando a sua vida. Pra mim é como se fosse
uma roda de fogueira, como se fosse uma pousada de boiadeiro, contando
histórias de caçadas de onça, contando causos… Agora nem se fala mais
que a música é caipira, se fala “sertaneja”. Pra mim é moda raiz,
porque é dela que se tira tudo o que se faz agora… Não é, mano véio?

A música caipira, então, tem que contar uma história?
Acho que sim. Por exemplo, Chico Mineiro (de Tonico e Tinoco). Você
pode sentar numa cadeira e ouvir a letra da música contada: “Fizemos a
última viagem, foi lá pro sertão de Goiás…” O caipira é um camarada
sentido. Ele nasceu lá no meio da roça, trabalha de sol a sol. Mas é do
trabalho dele que o pessoal da cidade mata a fome.

Você e seu irmão Xavantinho começaram a cantar ainda crianças?
Meu pai trabalhava numa fazenda e funcionava assim: o patrão tinha 30
vacas e só queria o leite; o que meu pai plantasse era dele. Meu pai
não ganhava dinheiro do leite, só da plantação. Isso em Uberlândia
(MG). Mas eu nasci do lado de cá do rio, sou meio mineiro, meio
paulista. Depois de dez dias de nascido em Igarapava (SP) fomos para
Uberlândia. Era uma época em que não se via dinheiro. Se trabalhava em
troca de trabalho. Eu trabalhava pro vizinho e depois ele trabalhava
pra mim. O patrão não pagava com dinheiro, dava a terra para fazer a
horta. Meu pai era muito controlado. Ele plantava e na época da safra é
que se fazia o acerto. Ali acontecia a festa de mutirão. No fim de
semana chegavam 60, 80 homens, todos de enxada na mão, e limpavam o
terreno. Quando era o fim da tarde, começo da noite, começava a música.

E se aprendia com as festas?
Na época o que se tocava era viola, violão e sanfona. Quando não tinha
violão se usava cavaquinho. Me