Entrevista|Sopa de criatividade

Sandra Peres e Paulo Tatit transformam bolacha de água e sal em biscoito
fino. Suas músicas já fazem parte do imaginário de uma geração

Por Vander Fornazieri e Xandra Stefanel

Paulo Tatit ganhou seu primeiro violão aos 11 anos. Sandra Peres
começou a estudar piano aos 7. Num dia de 1988 esses dois paulistanos
se conheceram e a afinidade musical os uniu. No trabalho. Sandra e
Paulo não são casados, não moram juntos e nunca foram namorados. São
dois amigos apaixonados pela música. No início, produziam para o
mercado publicitário e institucional. Mas um dia, irritado com o som de
um “disquinho infantil insuportável”, Paulo sentenciou: “Sandra,
precisamos fazer alguma coisa”. De bate-pronto a colega apresentou um
CD que trouxera de uma viagem ao exterior: “Taí o que vamos fazer”. A
inspiração era um álbum de músicas para criança gravado por divas do
jazz. Os dois nem imaginavam: naquele dia começavam a escrever uma nova
história, com pé e com cabeça. Montaram o selo Palavra Cantada, em
1994, e lançaram o CD Canções de Ninar.

O
álbum mudou a forma de criar música para criança. Era diferente, da
melodia à letra. Tinha arranjos sofisticados e uma linguagem direta,
certeira no ouvido da criançada. Trazia o hit Sopa (“Que que tem na
sopa do neném?…”). Receberam o primeiro de muitos prêmios: o Sharp de
melhor CD infantil. Para falar dessa bem-sucedida sintonia, Sandra e
Paulo receberam a Revista do Brasil no estúdio da Palavra Cantada, em
Pinheiros, bairro da zona oeste de São Paulo.

A Palavra Cantada descobriu um novo jeito de fazer música para criança?
Sandra Peres – Não acho que a gente seja pioneira pela inventividade,
que tenha mérito especial. Temos uma estética diferenciada, tratamos a
música infantil da maneira que acreditamos e investimos nisso.

A música infantil tem uma missão antes da diversão?
Paulo Tatit – A música para criança vai desde o divertimento puro até
algumas mensagens explícitas. A principal é sensibilizar a criança para
a Música, com M maiúsculo. A gente espera que nosso trabalho possa
refinar mais o gosto musical e, por tabela, as artes em geral. Tentamos
passar conteúdos mais sensíveis, espiritualizados.

Sandra – Ritualísticos também.

Quais as lembranças musicais que vocês têm da infância?
Paulo – Os discos do Braguinha.

Sandra
– Eu ouvi muito isso também. Adorava A História da Baratinha. “Quem
quer casar com a senhora baratinha…” (canta). Estudei música clássica
e tinha de ir para a sala atender as visitas, ficar lá tocando.

Essa lembrança não é boa?
Sandra – De tocar na sala, não. Apesar de gostar de aparecer, gostar
muito de palco, nunca gostei de chamar mais atenção que todo mundo.
Isso o coloca numa evidência, pelo menos no contexto da época, em que
você não pode errar, fica numa situação de rigidez que não combina com
criança. O piano, sim, foi maravilhoso, e agradeço aos meus pais por
isso até hoje.

Como vocês convivem com o erro?
Paulo – Quando a gente erra a letra as crianças percebem na hora, mas não fico encabulado, não.

Sandra
– Aconteceu há alguns anos com a música Rato. Eu não lembrava da letra
e pedi que elas cantassem para mim − e foi ótimo. Já em outra ocasião,
antes de começar um show na Sala São Paulo, eu estava tão nervosa que
entrei dizendo que ia perder a letra. O que me deixou mais nervosa foi
a platéia aplaudir antes de entrarmos. Eu estava lá atrás e disse:
“Eles não sabem o que essas palmas antes do show fazem com o intestino
da gente”.