Escritora e ativista faz refletir sobre urgência de ser antirracista numa sociedade racista
Kiusam destaca a importância de observar o comportamento das crianças para que o racismo não seja perpetuado e da necessidade de os brancos estarem totalmente envolvidos na discussão
Para fazer refletir sobre o Dia da Consciência Negra, o Sindicato realiza hoje, às 10h, atividade na Sede. Além disso, a Tribuna Metalúrgica conversou com Kiusam de Oliveira. Ela é doutora em educação e mestre em psicologia pela USP. Ativista do Movimento Negro Unificado, a escritora, bailarina, coreógrafa e narradora de histórias tem conquistado cada vez mais jovens leitores pelo Brasil e pelo mundo com seus livros premiados que enaltecem a cultura negra.
Tribuna Metalúrgica – Temos repetido a fala da filósofa Ângela Davis que não basta não ser racista, é preciso ser antirracista. Nos seus livros e palestras você trata da importância de uma educação antirracista. Como criar filhos com essa mentalidade?
Kiusam de Oliveira – Uma mãe e um pai podem ser antirracistas em casa com seus filhos, independente da idade, através de algumas estratégias. Uma delas é perceber muitas vezes o porquê a criança está rejeitando certo personagem negro de um livro ou a forma que eles estão se manifestando em relação às pessoas negras. Esse é um aprendizado que vem de dentro da própria família, mas às vezes vem também da escola. Pais e mães precisam estar atentos para entender o que e de que forma os filhos estão dizendo para coibir na hora da violência racista.
TM – O racismo existe entre as crianças? Como ele se manifesta e chega nas escolas e espaços de convivência?
Kiusam – Não acredito que uma criança seja racista. As crianças são capazes de reproduzir o racismo que veem ao redor. Assim como não podemos dizer que uma mulher é machista, mas que é capaz de reproduzir as práticas machistas. Quando a criança manifesta alguma postura ou prática racista, ela precisa ser alertada naquele momento de que a ação é antidemocrática, que não respeita as vidas das pessoas. As vidas são diversas porque as pessoas são diversas e precisamos aprender a viver numa lógica do respeito à dignidade humana que todas as pessoas merecem.
TM – Dê certo que esse não é um assunto só voltado para os negros e negras. Por que as pessoas brancas precisam estar inseridas nessas discussões?
Kiusam – Me parece lógico entender que se o racismo é uma criação branca, são os brancos que precisam dar conta de eliminá-lo. Se o racismo é uma construção ideológica social, é possível desconstruirmos ele, mas as pessoas brancas têm que estar completamente envolvidas nesse processo. Uma vez que nós, negros e negras, somos desacreditados naquilo que falamos. Então ser antirracista é entender que em alguns momentos, em alguns lugares, os brancos falarão e serão ouvidos. Nesse sentido, nada mais potente do que pessoas brancas reconhecendo as vidas privilegiadas que têm e falando contra o racismo, já que os brancos têm uma grande responsabilidade pela perpetuação dele no Brasil e em qualquer país.
TM – Vivemos um período difícil no Brasil que culminou agora com a vitória de Lula nas urnas. O que esperar desse novo governo para as políticas voltadas às questões raciais?
Kiusam – A vitória do Lula é um marco. Colocamos Lula no poder dia 1º de janeiro, ele assumirá e teremos a oportunidade de ver um presidente governando democraticamente e combatendo tudo o que de ruim tem acontecido nesse Brasil. Espero ver um governo composto por pessoas negras no poder também pensando habitação, agricultura, educação, cultura, direitos humanos. Será um marco um governo pensando democraticamente, onde negros, brancos, indígenas, orientais possam pensar coletivamente, para que a gente consiga fazer governar de uma forma ampla, geral, para todas as pessoas que sonham e que isso se torne materialidade para nós.