EUA proíbem voo de Maduro sobre Porto Rico; presidentes reagem a ´agressão do império´

Washington também estaria se recusando a conceder visto a ministro membro da delegação venezuelana na Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova York

O governo da Venezuela anunciou na noite de ontem (19) que os Estados Unidos se recusaram a permitir que o presidente do país, Nicolás Maduro, sobrevoasse o espaço aéreo de Porto Rico em sua viagem à China. O líder venezuelano será recebido em visita oficial pelo primeiro ministro chinês, Xi Jinping, neste final de semana. Maduro deixou Caracas pouco depois de denunciar o que considerou mais uma “agressão do império” contra os povos da América Latina.

Em nota, os Estados Unidos negaram que tenham impedido o presidente a cruzar os céus de seu protetorado caribenho, mas não comentaram outra denúncia feita publicamente por Maduro: a de que teriam negado visto de entrada para um dos membros da delegação venezuelana que estará em Nova York no final de setembro para participar da Assembleia Geral das Nações Unidas.

De acordo com a agência Associated Press, a embaixada norte-americana em Caracas argumenta que a Venezuela requereu autorização diplomática para sobrevoar Porto Rico com apenas um dia de antecedência, sendo que esse tipo de permissão deve ser requisitada, dizem, pelo menos três dias antes da viagem. Os representantes dos Estados Unidos em Caracas também se justificaram dizendo que estas autorizações apenas são concedidas a aeronaves oficiais – o que não era o caso.

Apesar de estar viajando à China em missão de Estado para fechar acordos de cooperação com seu aliado asiático, Maduro dá continuidade a uma prática iniciada por seu mentor e antecessor, Hugo Chávez, que realizava algumas visitas presidenciais pelas asas da companhia aérea Cubana de Aviación. O uso da empresa pertencente ao governo de Havana faz parte de uma política de ajuda mútua entre os governos socialistas – e até então jamais havia causado problemas diplomáticos.

“Foi o que aprendemos do nosso comandante Chávez: fazer visitas oficiais em voos da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba)”, explicou o presidente Maduro em transmissão ao vivo pelo canal de televisão estatal Telesur, fazendo referência ao bloco regional que, além de Venezuela e Cuba, compreende Bolívia, Equador, Nicarágua e algumas ilhas do Caribe.

“Querem nos condicionar, agora? Se decidimos ir a Nova York representar a Venezuela, a Alba, a consciência latino-americana na Assembleia Geral das Nações Unidas, e levar a voz da nossa pátria, eles querem nos condicionar?”, criticou. “Dizem que não darão visto ao meu ministro da Secretaria da Presidência, Wilmer Barrientos. Estamos indo a uma reunião da ONU e o governo dos Estados Unidos é obrigado a conceder as permissões de entrada.”

Maduro aproveitou a oportunidade para reforçar a proposta de que a sede das Nações Unidas deixe de funcionar em território norte-americano. “Os Estados Unidos não são donos da ONU”, pontuou. “Ordenei ao chanceler Elías Jaua e a nosso embaixador nas Nações Unidas, Samuel Moncada, que ativem todos os mecanismos necessários.”

Histórico

É a segunda vez que Washington age para dificultar a passagem de um líder latino-americano sobre os céus de nações aliadas. Em julho, o presidente da Bolívia, Evo Morales, permaneceu horas retido no aeroporto de Viena, na Áustria, após Itália, Espanha, França e Portugal terem negado seus pedidos de sobrevoo. O embaixador espanhol na Áustria visitou o boliviano e pediu “gentilmente” que tomassem um cafézinho dentro da aeronave para verificar se Edward Snowden se encontrava escondido lá dentro.

Morales participava de uma cúpula de países produtores de gás natural, em Moscou, na Rússia, em cujo aeroporto, na época, estava refugiado o ex-técnico da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos. Em julho, Snowden denunciara um esquema de espionagem massiva de Washington sobre cidadãos, empresas e governos ao redor do mundo. Rumores diziam que o presidente boliviano trazia o jovem prófugo escondido em seu avião – o que se revelou uma mentira e causou incidentes diplomáticos. Mais tarde, italianos, espanhóis, franceses e portugueses pediram desculpas.

Venezuela e Bolívia são dois países que concederam asilo político ao ex-técnico da NSA. Atualmente, Snowden está na Rússia, onde conseguiu asilo temporário até que consiga salvo-conduto dos países aliados dos Estados Unidos para cruzar seus espaços aéreos rumo à América Latina.

Após saber da notícia, Evo Morales afirmou que pedirá aos governos latino-americanos e de outros continentes para que não participem da Assembleia Geral da ONU. O boliviano também anunciou que irá apresentar uma queixa em instâncias internacionais para que os Estados Unidos e o presidente Barack Obama sejam julgados por delitos contra a humanidade.

“Se é com o Maduro é com todos, que Washington saiba”, disse. “Se se mete com o Maduro, se mete com todos os povos da América Latina”, disse Morales, afirmando que há quatro anos pediu a retirada da sede da ONU dos Estados Unidos. “Nós, presidentes anti-capitalistas e anti-imperialistas, não sentimos segurança em território norte-americano.”

Morales comentou ainda que pedirá a convocação de uma reunião de emergência dos presidentes da Comunidade dos Estados Latino-americanos e do Caribe (Celac) para considerar a retirada imediata dos embaixadores dos países do bloco de Washington. “O que o governo dos Estados Unidos faz demonstra novamente uma soberba diante do povo latino-americano e o Caribe e aos povos de todo o mundo.”

O chanceler do Equador, Ricardo Patiño, manifestou pelo Twitter sua solidariedade a Nicolás Maduro pelo incidente. “Primeiro foi com a Bolívia, agora com a Venezuela”, enumerou. “O que pretendem? Colocar em risco a amizade entre os povos e a paz no mundo?” Se Caracas e La Paz desagradam Washington por terem aceitado receber Edward Snowden, o Equador também está na mira dos Estados Unidos porque abriga em sua embaixada londrina o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, outro perseguido pela justiça norte-americana.

Como tem sido uma constante no governo Dilma Rousseff, nem o Planalto nem o Itamaraty se apressaram em emitir seu posicionamento sobre a agressão sofrida por Nicolás Maduro. Quando a vítima foi Evo Morales, as autoridades brasileiras demoraram mais de dez horas antes de publicar uma nota condenando a atitude dos países europeus que lhe fecharam seus espaços aéreos. No começo da semana, porém, Dilma, irritada com denúncias de espionagem norte-americana sobre a Petrobras e sobre ela mesma, decidiu cancelar a viagem oficial que faria a Washington em outubro.

Da Rede Brasil Atual