Europa sindical na rua contra o neoliberalismo
Sob uma enorme bandeira que dizia “Em toda a Europa, já chega. Existem alternativas para o emprego e a justiça social”, milhares de pessoas desfilaram em Paris e nas principais cidades do velho continente para protestar contra as políticas neoliberais de austeridade que os dirigentes da União Europeia se preparam para aprovar quinta e sexta-feira em Bruxelas.
Convocados pela Confederação Europeia de Sindicatos, (CES), e sob o lema “¡Basta ya!” (“Basta!”), a Europa sindical lotou as ruas de Bruxelas, Atenas, Paris, Lisboa e Madrid. “Não queremos essa austeridade que nos impõe uma vez que é economicamente absurda. A Europa deve mudar de rumo. Na Grécia, com cada plano de austeridade as coisas pioram”, declarou Claude Rolin, dirigente do sindicato belga CSC.
As confederações sindicais não escolheram a data ao acaso. O momento é grave para o mundo do trabalho e para as sociedades que gozam ainda do famoso “Estado de bem estar”. Os chefes de Estado e de governo dos 27 países da União Europeia vão ratificar, até sexta-feira, o pacto fiscal de governança europeia. No final de janeiro, 25 dirigentes da União Europeia – menos o Reino Unido e a República Checa – se pronunciaram a favor do pacto fiscal que obrigará cada um dos subscritores a incorporar em sua legislação a “regra de ouro” do equilíbrio orçamentário ao mesmo tempo em que abre as portas a uma bateria de sanções em caso de descumprimento. O acordo entrará em vigor assim que pelo menos 12 Estados europeus o assinarem.
Ante a perspectiva de cortes massivos nos orçamentos públicos em obediência ao dogma liberal, os sindicatos moveram suas peças na rua para manifestar o que André, um sindicalista da CGT parisiense, qualificou à Carta Maior como “a espoliação organizada pelas gravatas capitalistas contra os magros direitos dos trabalhadores”.
O modelo liberal europeu que se perfila nem sequer oculta suas intenções: em uma entrevista publicada no Wall Street Journal, Mario Draghi, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), anunciou o “fim” do modelo social europeu e, de passagem, excluiu qualquer opção que não fosse a das políticas de austeridade que estão se gestando na Europa. ”Não, senhor Draghi, o modelo social europeu não morreu. É a política neoliberal que pode matá-lo”, respondeu a secretária-geral do sindicato socialista belga FGTB, Anne Demelenne.
Os sindicatos estão conscientes da crise e das mudanças, mas impugnaram a metodologia do “sentido único”, quer dizer sacrifícios, que postula o pacto fiscal. François, Secretário Geral do sindicato francês CFDT, admitiu que ”é preciso controlar os gastos públicos para as gerações futuras, mas, ao mesmo tempo, tem que investir na economia do amanhã”.
O casal franco-alemã composto pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy, e a chanceler alemã Angela Merkel foi objeto de todas as antipatias. Na Bélgica, os manifestantes jogaram ao rio Meuse – cidade de Lieja – manequins com a imagem de Sarkozy e Merkel. A dupla franco-alemã, pioneira na promoção dos cortes do gasto público e na decapitação do modelo social europeu, leva o apelido de “Merkozy”.
Com a Grécia como exemplo mais drástico, Espanha, Portugal e Irlanda no patíbulo de uma onda de ajustes sociais, o pacto orçamentário europeu é uma ameaça que também divide os próprios europeus. A Irlanda, por exemplo, já anunciou que organizará referendo sobre este novo pacto. Dublin não está sozinha. Outros 11 países, liderados pelo Presidente do Conselho Italiano Mario Monti, questiona o manto de austeridade com que este novo presente, envenenado de ortodoxia do liberalismo, vai cobrir as sociedades. O sindicalismo do Velho Continente recém começa a esboçar uma resposta comum: pela frente tem um muro poderoso e tão sólido como os dentes de ouro.
Da Carta Maior