Extradição de Battisti pode esconder manobra

O ex-militante Cesare Battisti foi testemunha de um período que parte dos italianos prefere esquecer.


Governo italiano busca um “bode expiatório”


Se for extraditado, Battisti irá para a prisão perpétua sem julgamento

O Supremo Tribunal Federal (STF) recusou ação apresentada pelo governo da Itália que pedia o cancelamento do asílo político concedido ao ex-militante Cesare Battisti pelo ministro Tarso Genro. O caso deve ser julgado em março.
Em seu processo, o governo italiano alegou que Battisti foi condenado por crime comum (quatro assassinatos) em seu país, por isso não teria direito a asilo político. O ex-militante nega a acusação.
Ao anunciar sua decisão, Tarso Genro afirmou que um dos principais fundamentos para a concessão de refúgio político deve ser utilizado quando o acusado não teve o direito de defesa assegurado.
“O Estado italiano alega que sim. Na avaliação que nós fizemos do processo ele não teve direito à ampla defesa”, afirmou o ministro. Ele tem razão.

“Arrependido”
Battisti nunca esteve num tribunal para defender-se das acusações. Apesar disso, se voltar para a Itália terá de cumprir prisão perpétua sem que seja ouvido por qualquer juiz.
Além do mais, o bom senso não permite que sejam relacionados a ele todos os assassinatos de que é acusado. A condenação foi feita com base na acusação de outro ex-militante, um “arrependido” que negociou anos a menos na sua pena (muitos anos, aliás) em troca de incriminar outras pessoas.
Dois dos homicídios de que Battisti é acusado foram cometidos no mesmo dia, 16 de fevereiro de 1979, a 500 km de distância um do outro. Em um terceiro caso, a testemunha ocular descreveu o agressor como um barbudo louro, medindo 1,90 m. Battisti é moreno e tem 1,70 m.

Nova prisão do ex-militante esconderia período obscuro
Battisti, contudo, chegou a ser preso na Itália no final dos anos 1970 quando foi testemunha de métodos pouco convencionais de interrogatório, usados nos “tribunais de exceção” italianos criados à época por leis especiais “de combate ao terrorismo”.
Talvez esteja aí o interesse tão grande do governo italiano em prendê-lo, o de coroar o ex-militante como o bode expiatório de um período em que as instituições do país se ajustaram a uma guerra contra o terror, usando métodos pouco relacionados à ordem democrática.
Pode ser que reconhecer erros no processo que levou à condenação de Battisti tenha o poder de expor a falta de legitimidade de ações policiais e judiciais daquele período difícil da Itália. Por isso, o governo italiano lutaria tanto pela condenação do ex-militante.