Exumação de Jango transcorre como esperado, dizem peritos e familiares
Depois de 37 anos, ainda há dúvidas sobre causa mortis de Jango
Sepultados há quase 37 anos, despojos do ex-presidente passarão por perícias em Brasília. Ideia é identificar possíveis substâncias tóxicas que poderiam ter causado sua morte
Iniciada na manhã de hoje (13), na pequena cidade gaúcha de São Borja, a exumação dos restos mortais do ex-presidente João Goulart transcorre conforme esperado, disse o perito da Polícia Federal Amaury de Souza Júnior, coordenador dos trabalhos. O neto de Jango, Christopher Goulart, porta-voz da família, ratificou a versão do especialista. O otimismo se deve principalmente ao fato de que não havia água acumulada no interior da sepultura – o que poderia dificultar a análise forense.
“O temor de que pudesse haver grande umidade e até água lá dentro, em função da chuva dos últimos dias, não se confirmou, o que é muito bom”, afirmou Christopher ao jornal Zero Hora, de Porto Alegre, na manhã de hoje. “Por enquanto, está melhor do que se esperava. O trabalho está sendo feito de forma muito profissional. Vi tudo pela tela, mas entrei lá três vezes. Estavam todos lá dentro, muito envolvidos.”
Antes de retirar da sepultura os restos mortais de Jango, os peritos retiraram gases de dentro do jazigo de mármore negro da família Goulart. O procedimento é necessário para evitar a perda de material, que poderia reagir e se perder em contato com o ar. Assim como os despojos do ex-presidente, os gases serão levados ao Instituto Nacional de Criminalística, em Brasília, para pesquisa.
“Abrimos a tampa do jazigo, fizemos a identificação e tudo está de acordo com o que esperávamos. Estamos agora em um processo de coleta de material gasoso na sepultura. Isso é um processo normal, que faz parte da metodologia”, explicou à imprensa o perito Amaury de Souza Júnior durante o andamento dos trabalhos. “Queremos eliminar qualquer possibilidade de perda de material.”
A previsão é que os restos mortais de Jango sejam enviados ainda nesta quarta-feira para a base aérea de Santa Maria, também no Rio Grande do Sul, onde embarcarão em um avião da Força Aérea Brasileira e levados a Brasília. Os trabalhos de perícia terão início na sexta-feira (15) por uma equipe da Polícia Federal. Os especialistas brasileiros serão assessorados por antropólogos forenses argentinos, uruguaios e um cubano, que participou da exumação do líder revolucionário Ernesto Che Guevara.
A exumação de João Goulart é um pedido antigo da família que finalmente se concretizou devido ao apoio da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República e da Comissão Nacional da Verdade (CNV). O objetivo é tentar acabar com as dúvidas em torno da morte de Jango. O motivo oficial de seu óbito, ocorrido em 1976 no exílio argentino, é ataque cardíaco. Contudo, uma série de indícios – entre eles, as atividades da Operação Condor – aponta para envenenamento.
O corpo de Jango será recebido em Brasília amanhã (14) com as honras de chefe de Estado que o gaúcho nunca teve após sua deposição. A presidenta Dilma Rousseff recepcionará a urna com os restos mortais do líder trabalhista. Com a exceção de Fernando Henrique Cardoso, que se recupera de um problema de saúde, e de Itamar Franco, já falecido, todos os presidentes da redemocratização devem assistir à cerimônia: José Sarney, Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva.
Ontem (12), os ministros da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, e da Justiça, José Eduardo Cardozo, estiveram em São Borja para participar de uma audiência pública com a comunidade local. Como os são-borjenses temem que os restos mortais de Jango jamais regressem ao Cemitério da Paz, onde também se encontram os corpos de Getúlio Vargas e Leonel Brizola, os ministros tiveram de assinar um termo de responsabilidade em que se comprometem com a devolução dos despojos.
Goulart deve retornar à cidade no próximo dia 6 de dezembro, quando se completam 37 anos de sua morte. Desta vez, terá um enterro repleto de homenagens. Quando morreu, em plena ditadura, o regime apressou seu sepultamento e impediu honrarias oficiais. O corpo do ex-presidente veio da Argentina sob vigilância das Forças Armadas.
O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, também se dirigiu a São Borja para acompanhar a exumação. “A conversa com a família foi afetiva, com a intenção de rememorar as relações institucionais que tínhamos. Este momento coroa a integração da minha vida política com este grande líder. Ele foi derrubado pelas suas virtudes e não pelos seus defeitos”, disse ao jornal Correio do Povo.
Assim como a ministra dos Direitos Humanos, Tarso destacou a exumação do corpo de Jango como um “resgate histórico” da memória do ex-presidente. “Estive aqui para representar o povo gaúcho e estabelecer contato com a família. O direito dos familiares em saber a verdade sobre a morte do ex-presidente é o princípio elementar da minha presença aqui em São Borja.”
Da Rede Brasil Atual