Fabricação de peças não acompanha a venda de carros

O setor de automóveis pretende sanar em 2011 uma dificuldade que vem enfrentando há cerca de três anos em todo o Brasil: a carência de peças de reposição diante do mercado expansionista. Com o aquecimento das vendas de veículos, que em 2010 chegou à marca de 3,3 milhões de unidades comercializadas segundo a Fenabrave, concessionárias e oficinas autorizadas não têm conseguido suprir a demanda de diversas peças originais para reposição, principalmente as de funilaria – que exigem abastecimento via fornecedores de fibras, plástico e metal. Fabricantes dessas matérias-primas não têm capacidade produtiva para dar conta da necessidade que surge, já que aumenta a frota de carros distribuídos pelas montadoras.

Os milhares de veículos novos que entram em circulação a cada ano consomem peças de manutenção, como filtros de óleos e as chamadas peças de colisão, caso de capôs e para-choques, e é aí que surge o problema. A carência de peças não atinge somente os carros nacionais, mas se agrava quando se trata de veículos importados. De acordo com alguns consumidores, há casos de espera de mais de três meses para a troca de peças básicas.

Quem mais reclama são os proprietários de oficinas independentes, que precisam dos componentes fornecidos pelos concessionários que, por sua vez, são abastecidos pelas montadoras. Estas, quando não possuem as peças em seus estoques, ainda precisam solicitar para os fornecedores homologados, gerando mais demora.

De acordo com Ênio Guido Raupp, presidente do Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos e Acessórios no Estado do Rio Grande do Sul (Sindirepa-RS), o problema ocorre com peças pontuais de lataria, que exigem os materiais de fornecedores. “Estamos em uma fase em que as revendas estão fazendo o possível para que oficinas independentes comprem peças originais, mas a carência nesta época do ano se dá em razão das férias coletivas na indústria”, argumenta.

“De fato, existe falta de peças de reposição em momentos de picos de produção”, admite Ambrósio Pesce, vice-presidente do Sindicato Intermunicipal dos Concessionários e Distribuidores de Veículos no Estado do Rio Grande do Sul (Sincodiv). Segundo ele, “isso não é de agora”. Diretor de concessionária de automóveis, Pesce avalia que em 2011 deverá haver amadurecimento do mercado, com foco na renovação das frotas. “Projeta-se a estabilidade de toda a cadeia de produção, o que irá possibilitar equilíbrio de oferta e demanda, principalmente de peças de reposição no pós-venda.”

O vice-presidente do Sincodiv alega que, no caso de produtos nacionais, faltam no mercado apenas algumas peças específicas, e que as básicas estão disponíveis. “Não faltam peças de giro, o que ocorre é que não está nos padrões das montadoras que determinado tipo de peça irá quebrar, então sempre irão faltar aquelas mais específicas”, argumenta. Ele lembra que um departamento de peças de uma concessionária trabalha com cerca de 5 mil itens e é difícil ter todas à disposição do cliente, levando em consideração os diversos modelos de cada marca.

Ao ser procurada pelo Jornal do Comércio, a Volkswagen se pronunciou através de nota, em que diz que a meta da empresa é atender à crescente demanda por veículos e peças de reposição para seus produtos. “A marca tem trabalhado fortemente com sua rede de fornecedores para elevar a produção de componentes e, dessa forma, garantir com prioridade o atendimento pleno das demandas de seus consumidores, eliminando assim pontuais faltas de peças que eventualmente possam ter ocorrido”, segundo o texto da montadora. Já a Ford não retornou à solicitação da reportagem.

“Falta existe, principalmente de peças de funilaria, mas as montadoras estão tomando providências para melhorar o trânsito destes produtos”, ameniza o gerente corporativo da Panambra, Gerry Adriano Machado. E anuncia: “Temos a promessa por parte das montadoras de que, em 2011, este problema será 90% resolvido.”

Oficinas buscam alternativas de abastecimento
Colecionando histórias de clientes descontentes, o balconista Valdeir Casemiro Pereira garante que já perdeu muita venda por não conseguir peças de reposição junto às concessionárias. Atendendo às marcas Volkswagen e Renault na oficina autorizada onde trabalha, Pereira passou recentemente por uma situação desagradável ao tentar trocar a caixa de câmbio do seu próprio carro, um Gol 2.0, ano 1999. “Só consegui substituir a peça com um produto usado, adquirido no mercado paralelo”, revela.

O atendente lembra o caso de um cliente que teve o espelho retrovisor do Logan 2010 quebrado e não conseguiu peça para reposição. “Procuramos em todo o Brasil, mas ninguém tem, nem mesmo o fornecedor.” Segundo ele, isso acontece quase todos os dias, destacando que no caso de importados a situação é crítica. O balconista diz que as respostas das concessionárias ou montadoras são que ou a peça está em falta ou que irá levar alguns meses para chegar ao mercado.

Diz a Lei, através do artigo 32 do Código de Defesa do Consumidor, que fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peça de reposição enquanto não cessar a fabricação e importação do produto. “Caso contrário, o fabricante ou importador deve destinar ressarcimento ao prejudicado”, destaca o advogado Arthur Rollo, especialista em Direito do Consumidor. Segundo ele, aquele que tentar trocar uma peça de um veículo que ainda esteja sendo produzido no mercado, e tiver que esperar, pode fazê-lo rodando em um carro alugado, ou de táxi, o tempo que for necessário. E quem deverá pagar a conta será a montadora. Basta guardar as notas.

Estoques estão cada vez mais reduzidos
Foi-se o tempo em que as concessionárias conseguiam ter autopeças em estoque. Atualmente, a dificuldade maior é ter de esperar que a fábrica envie o produto solicitado, devido à demora. Para muitos proprietários de oficinas autorizadas em repor peças originais, não há dúvida de que fabricantes priorizam as entregas às montadoras para atender à produção de carros novos, e o mercado de reposição fica em segundo plano.

“Os fornecedores não produzem em grande quantidade, além disso o investimento é alto e os modelos se renovam a cada ano”, resume Rogério Fernandes, proprietário da Amazon AutoPeças Ltda. Consequentemente, completa, quem quiser repor uma peça específica vai ter que esperar.

Alexandre Ruga, diretor de pós-vendas da concessionária Unidos, reforça que atualmente só a marca Volkswagen possui mais de 20 modelos diferentes na linha de montagem. “As concessionárias não conseguem ter em seu estoque todas as peças de todos os modelos que são vendidos.”

Conforme o diretor-executivo do Procon de Porto Alegre, Omar Ferri Junior, a concessionária é obrigada a definir um prazo de entrega do produto para o cliente. Quando se trata de carro zero, a montadora deve disponibilizar a peça ao consumidor, no máximo, em 30 dias. “Passado este período, o cliente tem direito de trocar o carro, devolver o veículo ou até receber um desconto.” Ferri Junior diz que, apesar de não serem muitas as reclamações no Procon, existe de fato registros de falta de peças de reposição no mercado.

Do Jornal do Comércio