Faça você mesmo

Mais que acesso a informação, a tecnologia democratiza a produção. À medida que o preço de modernas ferramentas de comunicação cai, fica mais fácil ter uma câmera na mão. Já a idéia na cabeça são outros quinhentos...

Cenas do último Resfest: tecnologia a serviço da criatividade

 
Por Andrea Pilar Marranquiel

Muita coisa e ao mesmo tempo. Imagens captadas e
editadas no celular, animações com conteúdo filosófico ou só para
descontrair feitas num pecezinho, trilhas sonoras elaboradíssimas sem
ninguém tocando nenhum instrumento! Tudo a um clique, para ser visto
via internet, na tela do computador ou do celular. O cineasta Glauber
Rocha (1939-1981), criador e criatura do “faça você mesmo”, iria ao
delírio se pudesse ver quanto uma única pessoa é capaz de produzir
nesta era sem limites para o audiovisual.

O
autor da teoria “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça” talvez
ficasse surpreso. Mas hoje uma pessoa precisaria de 2 mil anos para
assistir a todos os filmes disponíveis em apenas um dos principais
sites da rede. Então, no meio da geração nascida na era dos gigabytes,
arrisco: quem conhece o diretor de Terra em Transe? Aos 19 anos, com
fones nos ouvidos e os olhos fixos na projeção do curta-metragem By
Your Side (Do Seu Lado), Laura Teixeira manda ver: “Glauber foi o
precursor do ‘faça você mesmo’, da simplicidade da técnica com
conteúdo. Nem sei o que ele pensaria hoje, vendo o quanto a tecnologia
avançou”, diz. Ponto para as meninas! “Ninguém sabe onde isso vai dar”,
conclui a estudante de Imagem e Som, que garante já ter feito muitos
filmes só com seu celular.

Os
novos seguidores do “do it yourself” (ou faça você mesmo) são bem
informados e rápidos. Sabem o que querem. O norte-americano M dot
Strange criou um roteiro interativo, recebendo milhares de sugestões de
internautas, para seu inspirado We Are the Strange, longa-metragem de
animação sobre punk-rock. O cenário foi seu próprio quarto. Os
personagens, feitos de meias velhas, luvas de borracha, figurinos de 1
dólar, fios elétricos, brinquedos achados no lixo – enfim, sucata.
Comandou a produção, trilha sonora, editou e, claro, dirigiu. Estava em
São Paulo, em maio, na versão brasileira do Resfest, festival nascido
em Nova York em que as estrelas são as novas mídias. O cineasta, que
consumiu três anos no trabalho, ataca: “Quem quer fazer um filme deve
fazer um filme. Não há mais desculpa”.

M
dot Strange, na verdade Michael Belmont, 27 anos, ganha a vida fazendo
o que lhe pedem, de publicidade a vídeos institucionais. “Horríveis, na
maior parte.” Mas é assim que banca suas idéias. Seu filme,
ironicamente, foi vedete no Festival de Sundance (em Utah, EUA), o
maior de cinema independente do mundo. Movido pela paixão e na
companhia de um programa Nintendo, marca mais conhecida pelos
videogames, fez o filme que acabou sendo aplaudido pelos experts de
Hollywood, a fábrica de filmes que tanto critica. M dot Strange diz que
não sente orgulho por ter participado do Sundance, mas adora repetir
que seu filme – ainda não lançado comercialmente – foi visto mais de
700 mil vezes no YouTube.

Vem comigo
O YouTube foi criado em uma garagem há pouco mais de dois anos pela
dupla americana Chad Hurley, 29 anos, e Steven Chen, 27. Vinte meses
depois, foi vendido ao Google, também cria de garagem, por 1,65 bilhão
de dólares. São dois exemplos inspiradores do “faça você mesmo”. O
Brasil não tem cinema em escala industrial, mas tem indústria
televisiva, da qual a nave-mãe é a Rede Globo, com seu padrão de
qualidade que exclui produtores, idéias e, paradoxalmente, lidera e
engessa o processo criativo.

Cria-se,
assim, a necessidade de ferramentas e formas de exibição alternativas.
As novas mídias vão se colocando nesse vácuo, entre uma demanda
existente – sim, existe público em busca de opções diferentes – e a
oferta originada desses incomodados produtores que buscam outro jeito
de mostrar idéias. Só o