Fórum Social Mundial|A redescoberta de um continente

Mais que fazer com que o movimento por outro mundo possível fincasse os pés na África, o Fórum Social Mundial revelou experiências de luta pela vida ainda desdenhadas pelo mundo desenvolvido

Por Renato Rovai

    Dependência
O Quênia tem 30 milhões de habitantes, divididos em várias etnias. Conquistou sua independência da Inglaterra apenas em 1963. A pobreza extrema, a falta de estrutura e a constante tensão política deixam o país sempre dependente do apoio internacional para execução de qualquer projeto social

Eram duas dezenas de suecos, a maioria com menos de 25
anos. Tinham chegado de viagem naquele dia. Ainda no aeroporto foram
pegos por dois microônibus contratados pela jovem Winnie. Preocupada,
ela dizia: “Tem de dar tudo certo, gente, tem de dar tudo certo”.
Winnie mora na Suécia. Está lá há pouco mais de dois anos. Ficou
responsável por chegar antes para organizar a recepção aos visitantes
que viriam de seu país pela primeira vez. Sua missão era fazer com que
pudessem, antes do início do Fórum Social Mundial, conhecer um pouco
melhor o Quênia e sua realidade. Ter contato com pessoas de comunidades
que estivessem desafiando seus dramas e problemas sociais e econômicos
com luta e criatividade.

Ela
programou a visita do grupo à Katarga Farmers Cooperative Society e ao
Kenya Network of Women with Aids (Kenwa) − duas entidades bastante
distintas. A primeira, uma cooperativa agrícola a uma hora e meia de
carro do centro de Nairóbi. A segunda, de prestação de apoio clínico e
psicológico a mulheres com Aids e também a órfãos de ex-atendidas pelo
programa.

Winnie é filha de
militante político. Seu pai lutou contra a ditadura de Daniel arap Moi,
que assumiu o cargo pouco depois da morte de Mzee Kenyatta, o primeiro
presidente queniano pós-independência da Inglaterra, em 1963. Kenyatta
governou até 1978. E Moi, de 1978 a 2002. Mesmo com 44 anos de
independência, o Quênia está ainda no seu terceiro presidente. O atual,
Mwai Kibaki, ganhou as eleições como candidato de oposição, mas foi um
dos vice-presidentes da época de Moi.

No
trajeto entre o centro de Nairóbi e a cooperativa agrícola, Winnie
conta um pouco de sua história familiar e também explica sua visão a
respeito do país que se encontra em diáspora, mas para o qual gostaria
de voltar. “Também por isso, tudo precisa dar certo nesta visita,
porque os suecos são muito organizados, e quero com isso me credenciar
para, ao voltar, poder trabalhar com o apoio de deles, de uma entidade
de lá”, diz.

Winnie é
assistente social. Ela explica que no Quênia, país da região
subsaariana da África, com 30 milhões de habitantes e 6,5% deles com
Aids, é muito difícil construir projetos que não contem com cooperação
internacional, mas mesmo assim há gente batalhando para inverter a
situação.

Café solidário

Olhos desconfiados, alguns dos suecos mais jovens pareciam não entender
por que alguém de tão longe, da Europa, poderia ser responsável pela
miséria daquele rincão do Quênia. Mas o agricultor septuagenário, com
fala dura, insistia que, se antes eram os ingleses que lhes haviam
imposto uma colonização sangrenta e dura, hoje ainda tinham de lutar
contra grandes empresas e os corruptos do seu próprio país.

A
principal cultura produzida na Katarga Farmers Cooperative Society,
cujos fundamentos são próximos aos das cooperativas brasileiras que
efetivamente propõem uma lógica de economia solidária, é o café, mas
também se cultivam feijão, abacate e batata. “Temos de vender para as
empresas por preços muito baixos, pois é no processo de
industrialização que acrescentam mais valor”, começa a explicar.