Frota nacional de veículos em 2020 deverá ser 75% maior

O aumento real da renda do trabalhador, os incentivos fiscais oferecidos pelo governo e a ascensão de uma parcela considerável da população à classe média estão transformando rapidamente o papel do Brasil no mercado mundial de veículos de passeio.

Enquanto há dez anos o país figurava de forma inconstante entre os dez países que mais vendem carros no mundo, em 2012 o mercado nacional consolidou-se como o quarto maior do planeta, atrás apenas da Índia, dos Estados Unidos e da China, desde 2009 o maior consumidor de automóveis do mundo. E as perspectivas são de um crescimento ainda maior, com as vendas sendo ampliadas ano a ano.

Levantamento da consultoria anglo-holandesa KPMG mostra que a produção brasileira de automóveis deve crescer a um ritmo acelerado nesta década, fazendo o país chegar a 2020 com uma frota ativa de 38 milhões de automóveis, crescimento de quase 75% em relação aos 22 milhões atuais.

De acordo com estimativa da consultoria, estarão sendo vendidos quase 6 milhões de automóveis anualmente no fim da década, diante de 3,5 milhões no ano passado, consolidando o país como o quarto maior mercado global.

No entanto, aponta o estudo, a estimativa é de que apenas 22% dos brasileiros, em média, sejam donos de um automóvel, percentual muito inferior a de mercados mais maduros, como EUA (99%), Japão (61%) ou Alemanha (69%).

“O potencial de crescimento de países como o Brasil, que mesmo em 2020 não estarão completamente desenvolvidos, é imenso”, diz Mathieu Meyer, diretor global da área automotiva da KPMG.

O fenômeno não é exclusivamente brasileiro. Entre os cinco maiores mercados do mundo neste ano, três estão em países que fazem parte do grupo conhecido como Bric. Pelas estimativas da KPMG, 2013 encerrará com a China liderando, o Brasil em quarto lugar e a índia com o quinto.

No Brasil, especificamente, os investimentos em infraestrutura e mobilidade urbana, no entanto, não acompanharam o mesmo ritmo da expansão vigorosa da indústria automobilística.

Os reflexos desse descompasso podem ser vistos, diariamente, nas grandes, e agora também nas médias, cidades. Levantamento da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo, a CET, transforma em números o que os motoristas percebem nos seus deslocamentos diários.

De acordo com a CET, desde 2005 a velocidade média dos automóveis em São Paulo vem caindo de forma acelerada e contínua.

Em 2005, quando o Brasil ocupava a 10º posição entre os principais mercados, um automóvel deslocava-se a uma velocidade média de 22,9 km/h no período da manhã. Seis anos depois, ao fim de 2011, ano em que o país conquistou pela segunda vez consecutiva o posto de quarto maior mercado mundial, a velocidade média caiu para 18,1 km/h.

Estudo do consultor e engenheiro Sérgio Ejzenberg mostra porque, a despeito de todos os problemas enfrentados pelos motoristas diariamente, mais e mais pessoas optam por usar o carro.

Pelas contas de Ejzenberg, nos últimos dez anos o salário mínimo cresceu 277%, enquanto a taxa de inflação medida pelo IPCA ficou em 83%.

Ao mesmo tempo, o preço da gasolina subiu 44% e o preço do automóvel novo registrou um crescimento de 27%.

“É só olhar esses números e conhecer um pouco da qualidade do transporte público que temos no Brasil para entender a razão pela qual a frota e os congestionamentos estão crescendo tanto”, diz.

Na sua opinião, ainda que existam projetos de ampliação da velocidade dos meios de transporte público, como as faixas exclusivas de ônibus em São Paulo, a conta não vai fechar.

“O sistema não comporta mais usuários e se todo mundo que anda de carro hoje decidir, do dia para a noite, que o sistema público de transporte é a melhor alternativa, não haverá espaço para todos.”

Ejzenberg é um defensor radical do metrô para todas as grandes cidades brasileiras. Para ele, não existe outra alternativa que não o transporte por trilhos subterrâneos. “Muito se fala que o custo é alto demais e o prazo é longo”, diz. “Mas Xangai, na China, construiu uma média de 50 quilômetros de metrô ao ano na última década.”

Pouca gente contesta a avaliação de que a rede do metrô tanto de São Paulo quanto do Rio, por exemplo, são insuficientes para atender a demanda dessas cidades e poderiam ser exponencialmente maiores.

Cidades como Nova York, com uma média de 45 quilômetros de metrô por milhão de habitantes, ou Londres, com uma média de 50 quilômetros de metrô por milhão de habitantes, estão tornando praticamente impossível que seus moradores se tornem donos de automóveis. Mas em São Paulo, onde a relação ainda é de 6,9 quilômetros de metrô por milhão de habitantes, pouca gente também acredita ser viável uma redução drástica do número de carros sem que haja mudança profunda na estrutura da cidade.

Para o doutor em arquitetura e urbanismo, Joroen Klink, professor da Universidade Federal do ABC Paulista, o aumento na frota da última década não pode ser apontada exclusivamente como a responsável pela piora constante na mobilidade urbana brasileira.

“Há um processo histórico de desconexão entre o uso e a ocupação do solo nas cidades brasileiras e os projetos de mobilidade”, diz ele, um holandês com mais de duas décadas de Brasil. “Nunca houve uma preocupação clara em unir essas duas questões e cada vez mais as cidades foram se expandindo e jogando para a periferia as pessoas mais pobres, que mais dependem de transporte público.”

Klink não acredita que a simples expansão da malha metroviária possa ser a panaceia para os graves problemas do trânsito.

Para ele, é preciso, antes de tudo, que haja um planejamento integrado entre os diversos municípios que integram uma região metropolitana.

Do Valor Econômico