De 1933 a 2024: A fundação dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema
Desde o século XVI, as sete cidades que hoje constituem o ABC paulista estavam unidas em apenas um município: Santo André. Atraídas pelas condições favoráveis – localizada entre a cidade de São Paulo e o porto de Santos, ter a facilidade de transporte pela Rodovia Anchieta e as estradas de ferro Santos – Jundiaí, por exemplo –, as fábricas começaram a chegar no início do século passado causando uma profunda alteração no cenário local e no crescimento de diversas categorias profissionais. Deixava para trás a economia rural, que predominava até então e dava destaque aos metalúrgicos, que no início dos anos 1930 tinham o maior número de trabalhadores na região.
A época marca ainda o começo da formação dos sindicatos oficiais no País e os metalúrgicos locais se sentiram suficientemente organizados para fundar sua própria entidade. Ela surge em 1933 com o nome de Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e representava todos os companheiros no ABC. Para sede foi escolhida a cidade onde hoje está localizada Santo André, pois já abrigava o maior número de empresas e trabalhadores. Nas áreas que viriam formar São Bernardo e Diadema, por exemplo, existiam apenas pequenas fábricas moveleiras e têxteis.
A ampliação do parque industrial ocorrida na década de 50 transformou rapidamente o ABC. São Bernardo passou a ter uma base metalúrgica maior do que a de Santo André após sua emancipação em 1957. Não havia mais sentido um único sindicato abranger toda a região.
Um grupo de ativistas se mobilizou para formar a Associação Profissional dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas e de Material Elétrico de São Bernardo do Campo e Diadema, o que, pela legislação, deveria preceder à formação de um sindicato. Lino Ezelino Carniel, primeiro presidente e sócio nº 1 do então futuro Sindicato, começou a traçar ideias com Anacleto Potomatti, Orisson Saraiva de Castro e Alcides Borsoi, também membros da primeira direção. Publicou-se edital no jornal Última Hora nos dias 27, 28 e 29 de abril de 1959 e, no dia 12 de maio do mesmo ano, fundou-se a Associação.
A assembleia de fundação foi na sede do Sindicato dos Marceneiros de São Bernardo e contou com a presença de 71 trabalhadores na Mercedes, Volks, Mercantil Suíça, Varan Motores, Multibrás, Carte, Volar, Sinca e Maras, onde foi eleita uma diretoria com mandato de dois anos.
A consolidação da Associação exigiu um trabalho muito grande, marcado por inúmeras dificuldades. “Alugamos uma sede na rua Santa Filomena, 373, Centro de São Bernardo. Não havia rendimento, nem dinheiro de espécie alguma, a não ser a mensalidade que nós mesmos dávamos para pagar os 300 cruzeiros de aluguel da casa. O começo foi bastante difícil, com muita perseguição. Muitos foram dispensados, inclusive eu na Mercedes”, disse Lino.
Em 26 de agosto de 1959, trabalhadores elegem durante assembleia primeira diretoria do Sindicato, tendo Anacleto Potomatti como presidente. Dois dias depois, em 28 de agosto, a ata da diretoria registrou o encaminhamento do pedido de sua transformação de Associação para Sindicato.
(…) No início dos anos 60, o Sindicato se fortalecia e mobilizava os trabalhadores na luta por direitos e pelas reformas de base que empolgavam os setores populares no País. Com o golpe de 1964, o Sindicato sofreu intervenção governamental. Em 1965, uma eleição sindical foi autorizada e Afonso Monteiro da Cruz foi eleito presidente. Cruz foi sucedido por Paulo Vidal em 1969, que permaneceria como presidente até 1975, quando Lula assumiria o cargo.
No final dos anos 1960 e início dos 1970, o setor metalúrgico do ABC ganhou novo impulso. O “milagre econômico” brasileiro ancorava-se no apoio governamental às indústrias multinacionais, que tiravam vantagem do clima de repressão e do arrocho salarial proporcionado pela ditadura. Num contexto de privação das liberdades e superexploração do trabalho, mas também de crescimento do emprego, sindicatos como o dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, viam o número de trabalhadores em suas bases multiplicarem-se. Uma Sede própria, que atendesse às demandas da categoria e fosse uma demonstração da força dos metalúrgicos, era agora uma necessidade e uma real possibilidade.
A Sede era sonho antigo. Já em 1962, a direção sindical havia aprovado a compra de um terreno na rua João Basso, número 121 (hoje 231). O local era estratégico, próximo à Via Anchieta, onde se concentravam as principais indústrias metalúrgicas. A obra durou 33 meses entre 1971 e 1973. Finalmente, em 6 de outubro de 1973, era inaugurada a Casa de Tiradentes, como a Sede foi batizada. Mais de dez mil pessoas estiveram presentes, com o hasteamento de bandeiras, visitação às dependências do prédio, sessão solene e comemoração no Clube dos Funcionários na Brastemp. O presidente do Sindicato, Paulo Vidal, recepcionou diversas figuras políticas, como o governador do Estado, Laudo Natel, dentre outras autoridades e dirigentes sindicais.
Logo, a Sede abrigaria reuniões e congressos que começariam a desenhar as linhas gerais do que viria a ser conhecido como o “novo sindicalismo”. O pioneiro I Congresso da Mulher Metalúrgica, em janeiro de 1978, foi um destes eventos e teria papel decisivo na denúncia das desigualdades salariais e dos assédios sofridos nas empresas.
Foi, igualmente, espaço de atividades culturais e esportivas. Shows e exibição de filmes ocorriam com frequência. O Grupo de Teatro Forja, fundado por Tin Urbinatti em 1978, marcou época. Composto por metalúrgicos e metalúrgicas, o grupo ensaiava no terceiro andar da Sede, e suas peças relatavam de forma única o cotidiano, as agruras e as lutas dos trabalhadores.
O prédio da rua João Basso foi um dos epicentros das grandes greves dos metalúrgicos do ABC no final dos anos 1970 e início dos 1980. O chamado “novo sindicalismo” foi forjado dentre aquelas paredes, assim como o Partido dos Trabalhadores. Durante as greves, o salão social da Sede ficava pequeno a cada ato e as assembleias passaram a ser realizadas em frente à Igreja Matriz, no Paço Municipal e no Vila Euclides.
Neste prédio, o Sindicato sofreu intervenção governamental em 1979, 1980 e 1983 e a Sede foi cercada por forças policiais. Os retornos das diretorias legitimamente eleitas, após as intervenções, foram sempre emocionantes e tiveram grande impacto político e simbólico.
Nas últimas décadas, a Sede dos metalúrgicos manteve-se como o “quartel-general” da categoria e espaço de grande projeção nacional e internacional. Tem sido ponto de encontro dos trabalhadores para assembleias, local de formação sindical, vigílias em defesa de direitos e atividades culturais, entre outras.
Dois grandes eventos políticos também marcaram recentemente a Sede dos Metalúrgicos do ABC. Foi para lá que Lula se dirigiu quando sua prisão foi decretada em abril de 2018. Uma multidão ocupou as dependências da Sede em defesa do ex-presidente e protestou contra a injustiça. A emocionante missa em homenagem à esposa de Lula, Marisa Letícia (que falecera exatamente um ano antes) transformou-se num ato público em frente ao Sindicato, reunindo algumas das mais importantes lideranças políticas do País, com enorme repercussão em todo o mundo.
Quinhentos e oitenta dias depois, foi para a Sede, seu berço político, que um Lula livre se encaminhou ao deixar a prisão em Curitiba. Novamente uma multidão, agora em festa, celebrava a liberdade do ex-presidente. Mais uma vez, a Sede dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, estava no centro da vida política e social da nação. Como em outros momentos, não apenas como um lugar de memória, mas também como um lugar de esperança dos trabalhadores.
Fique sócio! Você, trabalhador, é o Sindicato dentro da fábrica
Linha do tempo – Dias de glória, dias de luta!