Governo administra preços para controlar a inflação, diz ministro

O ministro Aloizio Mercadante em seu gabinete, no Palácio do Planalto, em Brasília

O governo federal segura preços de combustíveis e energia para evitar impactos nos índices gerais de inflação. A admissão, rara em ano eleitoral, foi feita pelo ministro Aloizio Mercadante em sua primeira entrevista exclusiva após assumir a Casa Civil em fevereiro.

Embora renegue o termo “controle de preços”, ele afirma que a política federal defende o cidadão. “Preços administrados são preços administrados. Você administra em função do interesse estratégico da economia, dos consumidores, não há necessidade de ser repassado imediatamente”, disse.

Apostando no suposto temor da “volta ao passado”, ele atacou a oposição: “O que está sendo proposto neste país, a pretexto de reduzir a inflação, é voltar com desemprego, com arrocho salarial” e “recessão”. E ironizou chamando essas ideias de “museu de novidades”.

Sobre a crise de abastecimento de água em São Paulo, governado pelo PSDB, disse: “Evidente que faltou investimento prudencial”.

Qual seu diagnóstico sobre o momento atual?
A oposição e uma parte importante da imprensa desenharam um cenário que entraríamos em 2014 com a tempestade perfeita, haveria grave desarranjo do dólar….

Não foi a imprensa, mas um conselheiro da presidente Dilma, Delfim Netto.
Mas a expectativa que se projetava era essa. Haveria um grave desarranjo no câmbio, forte desvalorização, retração forte dos investimentos, teríamos recessão e desemprego e um forte descontrole inflacionário. Mais uma vez, a história econômica do país desmontou essas previsões pessimistas, nada disso aconteceu.

Mas a inflação está muito perto do teto da meta?
Temos um quadro de forte impacto dos preços das commodities e um mercado de trabalho extremamente aquecido. Isso tudo pressiona o sistema de preços, mas o controle da inflação sempre foi uma dimensão inegociável deste governo e continuará sendo. A terceira tese era que teríamos um apagão, propalado fortemente pela imprensa e oposição, dizendo que estávamos num cenário igual ao de 2001, quando tivemos de fato um apagão no Brasil. Isso não vai acontecer, porque o governo foi prudente, fez um novo modelo de gestão do setor elétrico, alavancou os investimentos e, apesar da mudança climática, não há risco de falta de energia. Coisa que não aconteceu, por exemplo, em relação à água no meu Estado de São Paulo.

Por quê?
Porque não tivemos os investimentos prudenciais indispensáveis, porque o sistema Cantareira vinha caindo fortemente nos últimos quatro anos e hoje estamos numa situação que o nível do reservatório está em 5,9%, caiu 1,2% na última semana.

Faltou planejamento em São Paulo?
E de investimentos prudenciais que não foram feitos. Você já tinha novos reservatórios que estavam planejados há muito tempo e não foram feitos.

Já há racionamento em São Paulo?
Já há redução da oferta de água. [Usem] o adjetivo que vocês quiserem usar, não estou aqui para criar uma disputa desnecessária entre as esferas de governo.

Por que o governo não faz uma campanha de racionalização de uso da energia elétrica?
Há muitas campanhas, mas o que a presidente Dilma fez foi renovar as concessões que estavam vencendo só para quem reduzisse de forma substancial as tarifas, o que amorteceu o impacto tarifário. Foi esta redução, das concessões de usinas que já estavam com seus investimentos amortizados, que permitiu que a inflação estivesse caindo. Esta atitude da presidente Dilma, de compartilhar com a sociedade este ganho, que foi vista como uma intervenção indevida.

Mas agora o governo está sendo obrigado a empurrar aumentos de tarifas para 2015 para evitar alta da inflação.
O modelo é este, quando você teve de rodar as térmicas, garante a oferta de energia. E você consegue administrar o impacto porque dilui isto ao longo do processo.

Mas o governo tomou uma série de medidas para empurrar o aumento para depois de 2014.
Não há discussão de que foi necessário colocar as térmicas para funcionar. E elas são mais caras. O que o governo faz é garantir que o impacto deste custo seja diluído ao longo do tempo para não prejudicar o consumidor e a economia. É um sistema precavido, prudencial, em relação à dependência de chuvas. Se outros entes federados tivessem a mesma prudência, o mesmo planejamento, a mesma determinação, nós não estaríamos com o risco de oferta de água na região de São Paulo.

Mas o mesmo governo que reduziu as tarifas agora segura vários preços da economia, como gasolina e energia, empurrando para 2015.
Deixa eu dizer uma coisa, preços administrados são preços administrados. Porque o conceito é este, você administra [o aumento] em função do interesse estratégico da economia, dos consumidores, não há necessidade e não deve ser repassado imediatamente para os consumidores. O modelo permite que você, por meio de financiamentos e outros procedimentos do Estado, garanta que o impacto se dilua no tempo e você mantenha o seu compromisso com a meta de inflação.

Mesmo que signifique um descontrole brutal nos preços.
Vocês estão na tese de sempre. No ano passado teria descontrole, neste ano teria descontrole e no futuro haverá. Não haverá descontrole. O país tem um compromisso com a estabilidade, que é inegociável.

O Brasil está com um índice de atraso pior do que na Copa da África do Sul, que foi considerada uma das mais complicados. O que deu errado?
Vamos ver quando terminar a Copa, mais uma vez vocês vão ter de dizer que não aconteceu o que disseram que ia acontecer. Temos de discutir com mais responsabilidade. Por exemplo, investimentos em estádios vão ser da ordem de R$ 8 bilhões. Metade é de financiamento do governo federal, a outra parte são investimentos de Estados e municípios e também da iniciativa privada. O que nós gastamos em educação e saúde neste período de construção dos estádios são R$ 825 bilhões, não tem comparação. E a Copa é uma oportunidade que o Brasil está tendo de se mostrar. O mundo inteiro vai ver o Brasil. E não fizemos tudo isto [estádios, ampliação de aeroportos, obras de mobilidade] só para a Copa. Fizemos para o país. Ou seja, qual a grande mudança neste período, criamos uma economia de consumo de massa. São 42 bilhões de pessoas que emergiram para uma situação de classe média. O Brasil é uma experiência quase única em termos de velocidade de distribuição de renda. E mesmo na crise continuamos mantendo emprego e distribuindo renda. Para este governo o emprego é um objetivo estratégico. Não é um produto da política econômica. Quando vejo alguns candidatos debatendo economia, as ideias que estão sendo apresentadas são um museu de novidades.

Tipo?
São as mesmas pessoas do passado, dizendo que vão fazer as mesmas coisas que fizeram e que nós sabemos aonde deu. Termina em recessão e desemprego. Termina o povo pagando o custo da crise. E nós não viemos para fazer isso e não faremos.

Mesmo com um pouco de inflação a mais, vocês não acham…
Ah, sim, podemos reduzir o centro da meta da inflação para 3% [proposta do candidato do PSB, Eduardo Campos], o que significaria passar o desemprego de 4,7% para 8,3%, dobrar o desemprego.

Vocês fizeram um estudo para chegar a este dado?
É simples, é um modelo matemático do Banco Central, você vai lá e vê para onde vai a taxa de juros e vê o que vai acontecer com o desemprego.

Foi o Banco Central que calculou?
Não, foi nossa assessoria, é só pegar o modelo matemático e aplicar. Vamos ao que interessa da discussão. Primeira tese relevante do debate. Vamos acabar com o subsídio ao crédito público no Brasil. Essa é a tese do PSDB, reduzir o financiamento público e acabar com seu subsídio. O que é o subsídio ao crédito público, é ofertar um crédito, com taxas de juros com padrões internacionais de competitividade. Quais são os programas mais importantes, as principais linhas do BNDES para máquinas e equipamentos, ônibus, caminhões, micro e pequena empresas, a equalização da taxa de juros, é o que permite você manter o crescimento e o emprego que temos.

O governo gosta de fazer a comparação com Estados Unidos e Europa, só que nestas duas regiões tudo já está pronto. Lá podem crescer um pouco menos porque está tudo pronto. Aqui, temos de crescer muito mais para chegarmos perto deles.
Eu sei que nós precisamos crescer muito mais. Todo mundo acha que precisa crescer muito mais. Mas o que eles estão propondo é crescer muito menos.

Como o sr. pode garantir isso?
Ao retirar os subsídios dos créditos, vamos encarecê-lo, diminuir o investimento e comprometer o crescimento do emprego. Ao retirar o subsídio do plano safra, vamos reduzir o crédito à agricultura, que faz com que o Brasil tenha hoje a terceira maior safra do planeta. Ao retirar o crédito público, vamos acabar com Minha Casa, Minha Vida.

Mas a oposição não está falando em acabar com o Minha Casa, Minha Vida.
Ao tirar o subsídio do crédito imobiliário nós acabaremos com o Minha Casa, Minha Vida.

O governo está administrando uma inflação maior…
Vamos botar isso a limpo. Vou pegar o dado. A inflação no governo FHC era 9,2% ao ano; no governo Lula e Dilma, de 5,9%. A média do governo Lula é praticamente a mesma do governo Dilma. Nossa inflação acumulada deu 5,9% e a do Lula, 5,8%.

Mas o país cresceu mais com Lula, ministro.
Sim, mas teve um quadro de estagnação [mundial] que começa em 2009, no final do governo. A maior crise econômica mundial depois de 1929, e atravessamos mantendo emprego e renda.

O sr. foi contra o plano Real, que garantiu estabilidade.
Eu critiquei a âncora cambial do Plano Real, disse que era um equívoco e a história acho que me deu razão.

Naquela época não tinha nem âncora, ministro.
Lógico que tinha. Estava nos objetivos do plano. Bom, não vou discutir isso. Não muda a pauta da discussão. Nós reconhecemos que a URV foi criativa. Foi muito importante estabilizar a economia. Mas foi uma estabilidade fundada na apreciação do câmbio e levou o Brasil a um ataque especulativo, uma forte desvalorização do câmbio que trouxe o risco de inflação de volta a partir de 1998, essa era a crítica que nós fizemos. O compromisso com a estabilidade está mantido, a diferença é que, para o povo, PIB é emprego e renda. Nós éramos um dos países mais desiguais do planeta, com os piores índices de concentração. É isso o que está mudando. Os pobres não estão pagando mais o custo da crise como era no passado. E o que está sendo proposto neste país, a pretexto de reduzir a inflação, é voltar com desemprego, com arrocho salarial, retirar os programas sociais, retirar o subsidio ao crédito público, que fez o país manter esse crescimento e o nível de emprego.

Ministro, desculpe, mas vamos comparar com o governo Lula? Com Lula, crescia-se mais, a inflação era menor e tinha popularidade. O que está acontecendo, então, pois a Dilma está em baixa nas pesquisas?
Primeiro, as avaliações da Dilma para esse período das eleições são muito próximas ou um pouco melhores do que era a do Lula em 2005, 2006. O Lula se recupera na eleição quando nós tivemos tempo de televisão para falar.

Mas teve mensalão, caiu por isso…
É uma tentativa de explicação. Mas objetivamente foi isso que aconteceu. Na hora em que nós formos para a televisão, como ela foi rapidamente agora no Primeiro de Maio, mostrando esse debate de fundo, tendo tempo para mostrar que 7 milhões de pessoas fizeram o Pronatec e não tem uma linha nos veículos de comunicação para mostrar esse marco.

As curvas de pesquisas mostram que a presidente cai quando a inflação sobe.
Não acho que seja tão mecânico assim. Acho que tem vários outros componentes numa eleição, as coisas não são tão simples. Tenho absoluta segurança: nós cresceremos na hora que tivermos tempo de falar e de mostrar o que fizemos. A gente sempre cresce no final.

Por que, no governo Lula, a população tinha uma visão de que o governo era mais preocupado com inflação do que hoje?
Talvez porque não liam jornais.

Eduardo Campos sugeriu meta de inflação de 3%. Vocês concordam com redução?
Acho que 4,5% é uma meta muito importante a ser perseguida pelo Banco Central. Nós fomos o país que teve a mais longa hiperinflação da história, portanto o processo de estabilização é um processo em que a gente deve ter cuidado e muito rigor com isso. E o governo tem. O Banco Central aumentou os juros em ano eleitoral pela segunda vez. No governo Lula foi assim também.

Em compensação, a gasolina não subiu.
Os preços administrados são administrados em função do esforço de fazer uma política anticíclica. Por isso que energia é [preço] administrado. É sempre administrado e sempre foi.

Pelo menos alguém do governo admite controle de preços.
Não, você é que está falando. Eu não usei a palavra controle de preços.

O sr. está dizendo que o preço administrado é um instrumento do governo para realizar política anticíclica.
É evidente. Na medida em que nós estamos pegando energia, as termoelétricas este ano, e podemos diluir o reajuste, nós estamos fazendo um bem para a sociedade. Ao contrário do que vocês acham. Porque se eu fizer um reajuste muito alto, o que vai fazer é aumentar o custo da produção e a consequência é perda de competitividade. Se eu perco a competitividade, eu vendo menos, produzo menos e emprego menos.

Mas isso em algum momento explode.
Essa é a tese que querem trazer de volta ao país. O que nós achamos é que esse não é o melhor caminho. Não é dar um choque de preços na economia, aumentar o custo de vida da população e aumentar o desemprego.

O que o sr. acha que vai ser o Brasil de 2015?
Engraçado. Se você me perguntasse no final de 2013 o que seria o Brasil de 2014 eu diria que seria muita coisa do que estamos vivendo. Mas vocês não acreditavam nisso. Vocês acreditavam na tempestade perfeita. Vocês acreditavam que iria ter uma crise gravíssima, como de novo vocês estão projetando dificuldades que acho que não são reais. Agora, essa campanha pró-inflação gera uma expectativa inflacionária.

Existe uma campanha pró-inflação no país?
Claro. Tivemos em vários momentos.

Quem promove?
Quem tem interesse em aumentar a taxa de juros.

Para o governo, o inferno são sempre os outros. É o mercado, a imprensa…
Não, não. O problema da inflação é o mercado? Não. O que eu disse é que há uma entressafra, uma pressão inflacionária sazonal que diz respeito à oferta de alimentos. Mas o compromisso com a estabilidade permanece, absolutamente essencial e inegociável.

O próprio Lula, em entrevista, reconheceu que a presidente precisa consertar a economia…
Sempre temos que mostrar como vai melhorar a economia.

O que está errado na economia?
Nós sempre temos que melhorar. Uma das coisas que precisa melhorar é a qualidade do debate econômico do país. Esse é meu esforço hoje. Estou tentando mostrar que não houve tempestade perfeita, não houve e não haverá descontrole da inflação. Não houve aumento do desemprego, recessão e não haverá. Não há apagão nem risco de apagão. Não tem nenhuma semelhança com o que aconteceu em 2001 e as obras da Copa estão todas sendo entregues, nós faremos a Copa das Copas.

Por que a população prefere o Lula a Dilma?
Eu acho que a tese da Folha tem um aspecto interessante. Por que vocês não fizeram a pesquisa com Marina e Eduardo ou Aécio-Serra?

Nenhum é ex-presidente.
Isso não é argumento.

Fizemos Marina e Eduardo…
Não. Agora, o Lula não é candidato. É a Dilma.

Não só a população [quer Lula de volta], os próprios petistas.
A verdadeira disputa no país não é entre Dilma e Lula. Isso é um projeto só. A verdadeira disputa é se continua Lula e Dilma ou volta FHC.

FHC? Não é Aécio o candidato…
O discurso é o mesmo de antes. E as consequências não serão parecidas porque vamos vencer as eleições.

E se vocês forem surpreendidos com o PSB no segundo turno, por exemplo…
Primeiro você pressupõe que haverá segundo turno.

Não, isso foi o senhor.
Não disse isso.

Disse.
Não! Leia, está gravado. Disse que em todas as últimas eleições houve segundo turno, e ainda dá no primeiro em todos os cenários.

Já não são em todos os cenários…
Na nossa avaliação, continuamos ganhando. De qualquer forma, como todas as eleições anteriores, nós só vamos vencer quando tivermos tempo de televisão. Aí o povo vai ver o que sente. E isso vai fazer toda a diferença.

Por que o empresariado é hoje mais contra a presidente do que a favor?
Foi assim com Lula sempre, e é assim com a Dilma. Porque a eleição começou.

Da Folha de S. Paulo