Governo inicia consulta pública para regulamentar o Marco Civil da Internet
A regulamentação do Marco Civil da Internet e o anteprojeto de lei de proteção de dados pessoais serão lançados hoje para consulta pública pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Segundo o secretário de Assuntos Legislativos do ministério, Gabriel Sampaio, para o debate serão apresentados tópicos como neutralidade da rede, registros de acesso e privacidade. A partir das sugestões apresentadas será elaborado o decreto presidencial que regulamentará a lei.
Na questão da neutralidade, que prevê a isonomia de tratamento para todos os conteúdos na rede, serão tratadas na consulta as exceções previstas na lei, entre elas eventual prioridade para serviços de emergência.
“E, no caso dos registros de acesso, é preciso garantir ao consumidor que, ao usar a internet, seus dados estão guardados de forma segura”, disse Sampaio.
Já o anteprojeto de lei de proteção de dados pessoais criará mecanismos para que os usuários tenham controle de suas informações pessoais, sejam elas utilizadas por empresas, organizações ou governo.
Prazo de 30 dias
O prazo inicial da consulta será de 30 dias. Ela será realizada a partir de dois portais distintos do Ministério da Justiça, para onde os usuários poderão enviar sugestões e críticas sobre os temas. Páginas no Twitter e no Facebook também serão utilizadas para contribuições.
Para Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio), apesar de ainda necessitar de uma regulamentação, o Marco Civil da Internet teve uma série de impactos internacionais e nacionais desde que foi aprovado:
“Lá fora, tivemos uma grande repercussão da iniciativa, inclusive servindo como inspiração para alguns países darem início à criação de suas próprias leis sobre a internet, como as Filipinas e a Itália. Já por aqui, desde então, tivemos definidos alguns aspectos a respeito de três pontos principais: neutralidade da rede, privacidade e liberdade de expressão. Isso já influenciou algumas decisões sobre casos levados à Justiça e levantou novas reflexões sobre os temas.”
No entanto, pela indefinição a respeito de alguns detalhes, impasses ainda se mantêm. Entre eles, está o debate sobre as exceções estabelecidas à neutralidade da rede — a garantia de tratamento igual das informações que trafegam na internet pelas companhias de telecomunicação. Com a regulamentação, práticas mantidas atualmente pelas operadoras de telefonias podem ser consideradas ilegais em um futuro próximo.
“Por exemplo, hoje algumas operadoras de celular oferecem o acesso a redes sociais gratuitamente, o que tem gerado interpretações contraditórias sobre a prática ferir ou não a neutralidade da rede estabelecida no Marco Civil”, explica Souza. “Outra questão polêmica é a suspensão da navegação móvel do usuário ao atingir a sua franquia, prática adotada pelas operadoras desde o ano passado. De acordo com o Marco Civil, essa suspensão do serviço só poderia se dar por situação de débito decorrente”.
Guarda de dados
Outra questão a ser definida diz respeito ao armazenamento dos dados dos usuários pelas companhias. Apesar de estabelecer que essas informações devem ser guardadas, o Marco Civil não detalha o “ambiente seguro e controlado” em que os logs precisam ser preservados, o que pode ter implicações sobre a privacidade dos usuários.
Para o diretor do ITS-Rio, esses dois pontos são os mais polêmicos, pois envolvem de forma mais ostensiva três fatores: a criação de novos modelos de negócio, a evolução da tecnologia e a necessidade de proteger o cidadão:
“Como conseguir equilibrar essas três tensões, de mercado, de tecnologia e uma ligada à sociedade que se supre desse mercado. Esse é o desafio”.
De acordo com Luiz Fernando Moncau, pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (CTS-FGV), o processo de regulamentação do Marco Civil pode ser concluído ainda esse ano.
“Vai levar menos tempos do que o Marco Civil levou para ser aprovado, porque, depois da consulta pública, o resultado não precisará passar pelo Congresso Nacional. Nessa fase não há o processo de barganha política de diversas partes, o que, no caso da aprovação da lei, levou três anos”
Esse processo, de acordo com o pesquisador, é a norma para as leis:
“Primeiro, elas são aprovadas, e, depois, os detalhes de como serão aplicadas são definidos. Tratam-se de processos distintos. Não à toa, o país é repleto de leis não regulamentadas, o que não vai ser o caso do Marco Civil.”
Tão importante quanto a regulamentação da lei da internet, ele afirma, é a aprovação do anteprojeto de lei sobre a proteção de dados pessoais. A proposta surgiu em 2010, já esteve sob consulta pública naquele ano e no seguinte, e versa sobre direitos e deveres de cidadãos e empresas no âmbito digital e fora dele quanto ao tema. Atualmente, devido à ausência de uma legislação específica, por exemplo, as empresas não são obrigadas a informar aos seus clientes caso os seus dados sejam roubados por hackers.
“É um tema fundamental, que já foi absorvido um pouco pelo texto Marco Civil, mas que precisa de uma lei própria. O Brasil está atrasado em relação ao mundo nesse debate. Na Europa, há agências reguladoras específicas para lidar com o tema, e aqui ainda não há definição nenhuma sobre isso”, afirma Moncau, ressaltando que, no entanto, por se tratar de um anteprojeto de lei, sua aprovação ainda deve demorar.
Do O Globo