Grande imprensa quer despolitizar a vida
Despolitização do debate eleitoral está no centro da estratégia das grandes corporações de mídia
Artigo der Marcelo Salles (*), no Observatório da Imprensa
O professor João Sicsú chamou a atenção para a despolitização do debate eleitoral, levado a cabo, sobretudo, pelas corporações de mídia. Como exemplo ele cita o uso do termo “pós-Lula”, obra da marketagem tucana imediatamente incorporada pelo léxico neomidiático. Assim, o eleitor imediatamente esquece o “pré-Lula” e tende a limitar sua escolha entre o melhor “gerente” para administrar o país. Só que ao esquecer o “pré-Lula”, assinala Sicsú, o brasileiro também esquece de comparar o governo FHC (de quem Serra foi ministro) com o governo Lula (de quem Dilma foi ministra). A marketagem tucana quer nivelar por baixo, pois sabe que a comparação dos governos favorece Lula e sua candidata. O artigo do professor João Sicsú pode ser lido aqui.
A despolitização do debate eleitoral está no centro da estratégia das corporações de mídia. Assim, o termo “pós-Lula” caminha ao lado de “twittaço”, “dossiê” e “desilusão dos jovens com a política”. Twittaço: levado a cabo pela candidata do Partido Verde, o fato chegou às primeiras páginas dos jornais como uma das grandes novidades dessa campanha e foi equiparado ao panelaço. Bastam dez segundos de resgate histórico para sacar a quem interessa transferir a pressão das ruas para os computadores. Dossiê: o tão falado dossiê contra tucanos (sempre as vítimas pelo olhar da mídia, não?) teve seu conteúdo gradativamente esvaziado. O objetivo era construir uma imagem negativa do termo “dossiê” e associá-lo à candidata do PT. Em nenhum momento as corporações de mídia mostraram interesse em debater seu conteúdo – as privatizações obscuras durante o governo FHC – e levar algum esclarecimento ao público.
A luta pela politização da vida
Agora, a notícia despolitizadora da vez é a “desilusão dos jovens com a política”, conclusão a que a neomídia chegou após saber que houve redução da solicitação de títulos de eleitor entre adolescentes de 16 a 18 anos. Aqui cabe a pergunta: desde quando alguém pode se desiludir diante de alguma coisa com a qual nunca se iludiu? Qual engajamento político que se esperava dos jovens, hoje? Qual o nível de participação que lhes é conferido? Será que eles não seriam mais politizados se, por exemplo, tivessem acesso a todos os canais e serviços que a tecnologia da televisão digital permite? Ou alguém espera que se extraia consciência crítica de seis horas de novelas por dia, sobretudo com a carga de individualismo, egoísmo e violência que elas trazem? Quem disse que o status quo tem algum interesse em formar jovens questionadores? As próprias empresas de comunicação pressionam para que os currículos das faculdades se tornem mais técnicos que reflexivos. Que história é essa de agora essa mídia reclamar da “desilusão dos jovens com a política”? É como se ela não tivesse nenhum papel relevante nessa despolitização.
No caso específico do Rio de Janeiro, também há casos em que fica explícita a despolitização promovida pelas corporações de mídia. É o exemplo da política de extermínio levada a cabo contra jovens e negros moradores das periferias. Mortos às centenas todos os meses, as corporações de mídia preferem acreditar que a grande culpada é uma instituição chamada “bala perdida”, que não tem assessoria de imprensa e nem verbas milionárias.
Na verdade, não estamos diante da despolitização apenas do debate eleitoral ou da política – política no estrito senso, bem dito. O que as corporações de mídia querem é a despolitização das relações humanas, dos movimentos sociais, dos valores éticos e solidários, enfim, elas trabalham pela despolitização da própria vida. Assim, o lucro acima do ser humano passa a ser considerado um fato normal, aceitável e até desejável.
Lutar pela politização da vida é lutar por uma outra comunicação.
(*) Marcelo Salles é jornalista