Greve da Vale no Canadá vira ícone para sindicalistas
Movimento recebe ajuda financeira para manter paralisação
Os trabalhadores em greve das minas da Vale no Canadá estão recebendo a ajuda financeira de sindicatos de outros países, como Estados Unidos e Alemanha, que veem na paralisação uma disputa decisiva para definir o futuro de negociações com empresas multinacionais em outras partes de mundo em meio a uma grave crise econômica.
Cerca de 2.600 trabalhadores de Sudbury recebem um auxílio greve de US$ 200 por semana do sindicato. Do ponto de vista dos grevistas, é relativamente pouco dinheiro para fazer frente ao custo de vida relativamente alto dessa região canadense. Mas, para o sindicato, a despesa acumulada com o pagamento dos benefícios é respeitável, e se aproxima de US$ 30 milhões desde o início da paralisação.
O sindicato gasta cerca de US$ 70 mil por mês para ajudar os grevistas a comprar remédios, depois que o benefício previsto pelo contrato com a empresa foi suspenso, em virtude da paralisação. Também opera um depósito de comida para distribuir aos mais necessitados, e atende casos individuais de pessoas que enfrentam dificuldades para pagar contas, como o aluguel e eletricidade.
Há dinheiro também para transportar representantes dos grevistas que defendem o ponto de vista dos trabalhadores em eventos em lugares como o Brasil, EUA, Inglaterra e África do Sul. Protestos dos trabalhadores em Nova York, diz o sindicato, levaram ao cancelamento de homenagens programadas pelas Bolsa de Valores local à Vale. “O dia da Vale foi cancelado por causa de problemas de agenda”, sustenta o diretor de comunicação da Vale Inco, Cory McPhee.
Trabalhadores estavam em frente do hotel Astoria Wardorf, localizado em Nova York, no dia em que ocorreria uma cerimônia em homenagem ao presidente da Vale, Roger Agnelli. No fim de semana passado, ônibus foram fretados para levar trabalhadores aos protestos em torno da reunião do G-20, que reuniu lideres das 21 principais economias do Planeta, em Toronto. As disputas judiciais com a empresa também custam caro. Apenas numa ação, a Vale demanda do sindicato o pagamento de uma multa de US$ 24 milhões, para recuperar supostos prejuízos causados por bloqueios nas entradas de suas minas.
A maior parte do dinheiro que banca a paralisação vem de um fundo internacional de greve mantido pelos Metalúrgicos Unidos (USW), um sindicato internacional com base nos EUA, para o qual os trabalhadores sindicalizados contribuem em tempos de paz. Mas o sindicato Local 6500, organização que está à frente da mobilização, também tem recebido doações de sindicatos de outras partes do mundo.
“Eles dizem que a nossa greve vai definir muito do que vai acontecer no movimento sindical em outras partes do mundo”, afirma o presidente do Local 6500, John Fera. Muitos acham bom o apoio internacional, mas a reportagem do Valor ouviu receios de alguns trabalhadores, que falaram de forma reservada, de que seus interesses trabalhistas imediatos estejam sendo subordinados ao movimento sindical internacional.
Para ter direito ao auxílio de US$ 200 por semana do sindicato, os grevistas têm que, a cada dois meses, participar durante oito horas em uma das linhas de piquete. Para pagar as contas, muitos arrumam empregos temporários para, vencido o período mínimo de três meses, candidatarem-se ao seguro-desemprego.
É o caso do eletricista John Cavallin, que arrumou emprego temporário em um centro de distribuição e, agora, recebe do governo US$ 400 por semana. “Poderia ganhar mais do que na Vale se fosse trabalhar numa empresa de energia em outra região, mas quero permanecer perto de minha família”, disse Cavallin, pouco antes de iniciar um churrasco numa linha de piquete na entrada de uma das unidades da Vale. Cerca de 400 funcionários foram trabalhar temporariamente nas minas de uma cidade próxima e não recebem auxilio do sindicato.
A cidade de Sudbury foi fundada no início do século passado pelas mineradoras que se instalaram na região. No início, não passava de conjuntos de pequenas casinhas em volta das minas, onde moravam sobretudo imigrantes vindo de países como Itália e Irlanda.
A paisagem urbana começou a mudar a partir da década de 1960, quando a renda média dos trabalhadores das minas começou a subir – e eles se mudaram para casas maiores, rodeadas de gramados e carros novos nas garagens. Os ativistas sindicais gostam de vincular a ascensão econômica da categoria à filiação dos trabalhadores aos Metalúrgicos Unidos na década de 1960.
Essa organização segue a linha sindicalista americana do pós-guerra, focada principalmente nas reivindicações econômicas, ao contrário da tradição sindical socialista da região de Sudbury, que tinha forte bandeira política. Hoje, com um salário básico de cerca de US$ 60 mil por ano, a categoria é vista como “rica” na cidade.
“Ouço isso de vários amigos”, afirmou um especialista em explosões, que não quis se identificar, diante de um copo de cerveja, num bar em Sudbury. “Eu digo que, se eles têm alguma dúvida se eu mereço o meu salário, é só entrarem debaixo da terra para verem como o trabalho é duro e perigoso”, completou.
Do Valor Econômico