Greve histórica dos petroleiros completa 15 anos
Entrevista relembra os bastidores e os momentos mais difíceis da maior manifestação da história petroleira
A maior greve da história petroleira está completando quinze anos. Para relembrar, Antônio Carlos Spis, que liderou o movimento, volta no tempo e recorda fatos importantes do enfrentamento com o governo Fernando Henrique Cardoso, em entrevista ao portal da FUP.
Ele também avalia nesta entrevista o atual momento da disputa capital x trabalho na Petrobrás e ressalta a importância da integração entre os trabalhadores novos e os antigos. “Ou o sindicato motiva os novos para compor suas fileiras ou a empresa os ‘sensibiliza’. A disputa é ideológica”, destaca. Leia a íntegra da entrevista:
Qual o maior legado que a greve de 32 dias dos petroleiros, em maio de 1995, deixou para a categoria e que reflexos teve no enfrentamento da política neoliberal durante a década de 90?
A greve de maio de 1995 trouxe a cobrança das bases por análises políticas e conjunturais permanentes! Eram comuns, até então, avaliações insipientes das mobilizações efetuadas. Após a greve, os petroleiros e petroleiras passaram a ser mais exigentes quanto às posições que as direções sindicais tomavam. O ano de 1995 foi um marco de satisfação e medo para quem fez o maior movimento da história da categoria petroleira do Brasil. Passou a ser do cotidiano da relação FUP/Sindipetros a seguinte cobrança: “De quanto tempo vai ser a próxima greve? A de 32 dias foi muito longa. Temos que estudar estratégias de movimentos curtos e que causem impactos imediatos, para que as negociações também sejam rápidas”.
Portanto, a greve de maio de 1995 foi o maior momento de enfrentamento classista ao governo FHC e às suas políticas neoliberais. Esse movimento garantiu a manutenção da Petrobrás como empresa pública (FHC não teve a coragem de colocá-la no PND – Programa Nacional de Desestatização) e construiu as condições para a grande mobilização da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), em 1999, quando levamos mais de 100 mil pessoas à Brasília no maior protesto de massa contra o governo. Me lembro muito bem: eu estava coordenando um dos caminhões de som e o companheiro Zé Rainha, do MST, coordenava o outro caminhão, enquanto bradava ao microfone: “Spis, foram vocês que começaram isso, os petroleiros!!”
Uma semana após o início da greve, quando a Petrobrás divulgou a primeira relação dos trabalhadores demitidos, o seu nome era o primeiro da lista. Esse foi o momento mais difícil que você enfrentou na condução da greve?
O momento que eu imaginava ser o mais difícil de uma mobilização daquele porte seria justamente o das demissões. Meu nome na lista não fazia a menor diferença, só me deu satisfação. Sinceramente, da maneira como a inteligência do Exército ia colocando suas peças no xadrez, minha expectativa e medo era de que seriam milhares de demissões de cara. Nós já tínhamos criado o antídoto em 1983, com as Associações Beneficentes e Culturais dos Petroleiros (ABCP’s) e já havíamos organizado o direito à reintegração ao trabalho de cerca de mil companheiros e companheiras (demitidos no Governo Collor). Mas, não estávamos preparados se viessem com 10 mil, 15 mil demissões. Mas quando no Jornal Nacional da Globo, na noite de 9 de maio de 1995, o Cid Moreira anunciou que começaram as demissões nos petroleiros e que eu e mais 24 companheiros estávamos na lista, me senti aliviado, pois desse número nós dávamos conta com um pé nas costas.
Mas o momento mais difícil da greve foi quando o Exército invadiu as refinarias de Paulínia, Mauá, Henrique Lage (São José dos Campos) e de Araucária (Paraná), de madrugada e simultaneamente. Nos reunimos imediatamente e orientamos os grevistas que estavam nestas unidades circulando gasóleo, que procurassem o “comandante da invasão” e os orientassem sobre os procedimentos de segurança. Também pedimos aos trabalhadores que deixassem claro para o Exército que o comando da greve estava com a FUP e que, se por acaso, não acatassem as orientações, ameaçassem abandonar a área. Lembro que inúmeros políticos, ministros, governantes passaram a ligar para a FUP dando sugestões de como “acabar” com o movimento. Nunca demos bola para essas “orientações”, nem deixamos que nos influenciassem. Mas, quando o governador de Ceará, Tasso Jereissati me ligou, decidimos ouvi-lo. Disse ele: “Spis, coloque três refinarias para funcionar, em sinal de boa vontade e eu abrirei um canal com FHC.” Eu respondí: “Abre a negociação e, dependendo do andamento delas, nós podemos avaliar não só três refinarias, mas talvez a greve, e diga a ele que o presidente do Sindipetro Paraná (Luiz Antônio Martins Sampaio) me informou que o Exército está rondando a REPAR. Se o governo FHC nos enfrentar com o Exército e ameaçar a RPBC (a refinaria de Cubatão que os trabalhadores ocupavam para garantir a passagem do gás de cozinha para a CONGÁS), ele vai colher os primeiros cadáveres do seu governo”. O Jereissati retrucou: “Fique tranqüilo, somos de paz”. Na madrugada seguinte, as quatro refinarias foram invadidas, mas não tiveram coragem de invadir a RPBC.Fiquei maluco ao telefone, tentando encontrar algum CUTista ou político e nada. Até que, por volta das 4h da manhã, encontrei o companheiro Feijó (presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC na época), que ajudou a denunciar a invasão do Exército.
O que mais te indignou e o que mais te emocionou durante os 32 dias em que liderou a greve de maio?
A indignação não era só minha, mas de toda a categoria, pois o fato gerador da greve foram três acordos assinados e não cumpridos (um com o presidente Itamar Franco, em Juiz de Fora/MG; outro com o ministro de Minas e Energia, Delcídio Gomes/PMDB, hoje no PT; e o último com o presidente da Petrobrás, Joel Rennó). Para resgatar a dignidade e credibilidade da FUP, levamos o comando da greve para Brasília, para exigir que o Congresso Nacional se posicionasse pelas negociações.
A luta pela anistia foi árdua e só avançou no governo Lula. Mesmo assim, a Petrobrás continua desrespeitando o direito de greve e se utilizando de instrumentos arbitrários como, interditos proibitórios e punições, para sufocar os movimentos grevistas. Por que a cultura autoritária dos gestores da Petrobrás ainda é reproduzida, apesar de vivermos uma nova conjuntura política no país?
O governo Lula destensionou a relação Capital X Trabalho, o que trouxe oportunidades para a resolução de algumas pautas que estavam trancadas nas gavetas. As pendências de anistia da fase nefasta da ditadura puderam ser discutidas através de um Tribunal Político instituído neste governo e a grande maioria foi reconhecida como punidos políticos com direito à restituição dos salários não pagos à época, etc e tal. Muita coisa precisa ser feita ainda e a FUP tem priorizado a resolução de problemas de diversos períodos relacionados às punições políticas.
A Petrobrás se utiliza de instrumentos legais para não aceitar o direito constitucional de greve, assim como métodos arbitrários, ameaças… Essas intimidações continuam pairando sobre as cabeças de quem ousa lutar pelo coletivo. E só há uma maneira de frear isso: denunciar os gerentes e supervisores que agem desta forma, divulgando seu nome, cargo e lotação!
Como as novas gerações de petroleiros podem alterar esta realidade?
Apesar das novas gerações utilizarem o concurso público como caminho para chegar à Petrobrás, a maioria vem contando com um “bom emprego”, não tendo nenhum apego à empresa, pois não viveram as fases da sua constituição, da auto-suficiência … Isso é perfeitamente compreensível. As estratégias de formação político-sindical têm que ser repensadas e elementos culturais devem ser incorporados como atrativos de sensibilização: festivais, saraus, concursos e debates sobre sexualidade e assédio moral são ingredientes atuais e que, em cada um deles, o aspecto da formação pode ser adicionado.
O Sindipetro Unificado-SP está preparando um evento sobre os 15 anos da greve, quando também será inaugurado o novo auditório do sindicato, que levará o nome de Deoclécio Augusto Santana, o estivador que foi assassinado em São Paulo, em 1949, durante uma manifestação da Campanha “O petróleo é nosso”. Como será essa dupla homenagem?
Também estou curioso sobre como a comissão organizadora do evento está preparando a dinâmica, a homenagem ao Companheiro Deoclécio e a reinauguração do Auditório. Acho que somos muito fracos de memória e esquecemos de homenagear nossos heróis. Poucos sindicatos têm centros de documentação, bibliotecas, etc. Será um momento de reparar isso.
Da redação com CUT Nacional