Greve nacional reforça protestos estudantis no Chile
Líderes sindicais no Chile iniciaram ontem uma greve nacional de dois dias em apoio às exigências dos estudantes por educação gratuita e outras reformas, aprofundando o pior conflito social que o país já viveu desde o retorno à democracia, em 1990.
O Chile – amplamente considerado um modelo de estabilidade política e progresso econômico numa região imprevisível -, vive há três meses a agitação resultante de protestos estudantis que fizeram a taxa de aprovação de Sebastián Piñera, o mais impopular presidente do país, cair para apenas 26%.
A prisão de centenas de manifestantes durante os confrontos violentos e, na quarta-feira, o uso de gás lacrimogêneo e canhões de água pela polícia de choque para dispersar bloqueios expuseram o descontentamento no coração do milagre econômico no maior produtor de cobre no mundo.
O governo disse que a greve está produzindo poucos efeitos e que os serviços de metrô e ônibus na capital, Santiago, funcionavam normalmente. Mas Rodrigo Ubilla, subsecretário do Ministério do Interior, disse que a polícia está preparada para enfrentar tentativas de “alguns grupos violentos” de bloquear estradas, e que tem ordens para desobstruí-las.
“Hoje não houve uma manifestação, mas uma tentativa de paralisar o nosso país”, disse Piñera. “Eles tentaram fechar nossos hospitais, escolas, transporte público, portos, aeroportos. O que podem ganhar com isso?”
Ele qualificou de contradição “dolorosa” o fato de que “enquanto tantos chilenos, inclusive o governo, trabalham duro para o Chile progredir, há outros que estão lutando pelo contrário – para paralisar o país e fazê-lo retroceder”.
Líderes sindicais apoiam as cobranças referentes à educação e querem reformas tributária, sanitária, trabalhista e previdenciária, além de uma nova Constituição.
“O Chile pode e deve ser diferente”, é o slogan da CUT, uma confederação sindical, segundo a qual 80 grupos apoiam a greve.
Piñera foi eleito em 2010, após uma campanha em que defendeu mudanças e fez grandes promessas. Entre elas, estavam um crescimento de 6% ao ano, 1 milhão de novos empregos, a promessa de fazer do Chile um país “desenvolvido” e um compromisso de erradicar a pobreza extrema.
O crescimento de 6,8% no segundo trimestre foi “absolutamente fantástico, mas não é possível manter esses índices com um mercado de trabalho rígido e educação de padrão insatisfatório”, disse Rodrigo Aguilera, da Economist Intelligence Unit.
O mandato de Piñera começou bem, tocado por um homem de ação que entregou-se à administração de crises imediatamente após assumir o cargo, duas semanas depois de um dos terremotos mais violentos da história recente.
O improvável resgate de 33 mineiros presos no subsolo durante dois meses, em 2010, elevou o nível de aprovação do bilionário empresário para 63%.
Agora, ele parece ter interpretado erroneamente o apoio público aos estudantes, e sua imagem foi manchada devido a comentários de alguns membros de sua equipe.
A Suprema Corte do Chile ordenou, nesta semana, a alocação de proteção policial à líder estudantil Camila Vallejo, presidente da federação estudantil da Universidade do Chile e a face pública dos protestos, após ela ter recebido ameaças de morte via Twitter.
Tatiana Acuña, uma funcionária do Ministério da Cultura, foi rapidamente tirada do cargo após ter postado, no Twitter, a mensagem: “Se a cadela for morta, ficamos livres da ninhada”, uma frase infame usada por Augusto Pinochet, o ditador militar que derrubou o marxista Salvador Allende num golpe em 1973 e governou até 1990. A servidora nega que a declaração tenha sido em referência a Camila.
“Piñera está encurralado, mas ele próprio se colocou nessa situação”, disse Patricio Navia, professor da New York University, atualmente no Chile.
É improvável uma saída à força de Piñera antes do fim do mandato, em 2013, diz Navia – no Chile, os presidentes não podem concorrer a um segundo mandato consecutivo. Mas complementa: “Piñera penará durante os meses restantes de seu mandato, um político prematuramente debilitado”.
Os estudantes estão exigindo educação gratuita num país que gasta apenas 0,3% do PIB em educação pública superior – bem abaixo de 1%, a média investida nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) Cooperação e Desenvolvimento.
Segundo algumas estimativas, os alunos diplomam-se com um endividamento médio de aproximadamente US$ 45 mil, mas Piñera disse sem rodeios que não existe almoço grátis e propôs juros reduzidos sobre esses empréstimos e outras medidas, porém não uma reforma total do sistema.
Ontem, três estudantes encerraram a greve de fome que promoviam há 37 dias em protesto contra o governo. Eles disseram estar “muito debilitados”.
Do Valor Econômico