Guerra de Trump coloca o mundo em estado de alerta
Em artigo escrito com exclusividade para a Tribuna Metalúrgica, o jornalista Jamil Chade detalha os impactos do conflito entre Israel e Irã.
Por Jamil Chade, de Nova York

Cinco meses depois de tomar posse prometendo que os EUA não entrariam em novas guerras, Donald Trump surpreendeu o mundo e até mesmo sua base mais radical ao lançar um ataque contra instalações nucleares do Irã, na noite de sábado.
Não se trata de um ato isolado. O plano americano-israelense é explícito: redesenhar o mapa de suas alianças no Oriente Médio, garantindo a hegemonia dos EUA numa região crítica para a geopolítica mundial.
O gesto faz parte de um esforço para redefinir a ordem global, reposicionando uma vez mais os americanos como o centro das decisões do planeta, justamente num momento em que outros polos e outras forças costuram a criação de “novos mundos” e diante de uma decadência evidente da influência dos EUA.
O ato de redesenhar as fronteiras apenas começou em Gaza e o crime de extermínio contra os palestinos. Em relativo silêncio, o controle sobre a Cisjordânia foi ampliado, assim como em áreas em que os governos de Israel e dos EUA afirmam ter “direito bíblico” sobre terras.
Agora, o pacto envolve um enfraquecimento – e possivelmente a derrubada – do regime no Irã.
Se a redefinição foi colocada como uma prioridade na política externa americana, ela não virá sem um elevado custo. Mas, de novo, será no bolso dos mais vulneráveis e dos trabalhadores que a conta será mais pesada.
O novo capítulo da tensão internacional ocorre num momento em que o Banco Mundial, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico e o Fundo Monetário Internacional rebaixaram suas previsões de crescimento global para 2025.

Qualquer aumento significativo nos preços do petróleo ou do gás natural, ou distúrbios no comércio causados por uma nova escalada do conflito, atuaria como mais um freio na economia mundial.
“Veremos como Teerã responderá, mas é provável que o ataque americano contra as bases nucleares coloque o conflito em um caminho de escalada”, escreveram analistas da Bloomberg Economics, incluindo Ziad Daoud, em um relatório. “Para a economia global, um conflito em expansão aumenta o risco de preços mais altos do petróleo e um impulso de alta na inflação”, alertou.
No cenário extremo em que o Estreito de Ormuz – que fica entre o Irã e seus vizinhos árabes do Golfo, como a Arábia Saudita – for fechado, o petróleo poderia ultrapassar US$ 130 por barril, de acordo com Daoud, Tom Orlik e Jennifer Welch. O estreito, controlado pelo Irã, é por onde passa entre 20% e 25% do petróleo mundiais para seus principais mercados.
Se esse for o caminho escolhido pelos iranianos para responder, um dos impactos seria uma alta da inflação, inclusive nos EUA. Como consequência, o Federal Reserve dos EUA e outros bancos centrais teriam de adiar o momento de futuros cortes nas taxas de juros ou mesmo de elevá-los.

Uma vez mais, quem pagará essa conta será o trabalhador. Uma alta de juros nos EUA ampliaria o custo de vida para a classe média americana, já surrada e amplamente desiludida com o sistema econômico. Pesquisas revelam que, em parte, Donald Trump venceu a eleição de 2024 por conta de um voto de protesto daqueles derrotados pela globalização. Aqueles que são vítimas de uma crise do liberalismo, mas que optaram pelo populismo e pela extrema direita como resposta. Ironicamente, serão essas as pessoas mais uma vez afetadas por uma guerra.
O Brasil não estará isento dos impactos de uma queda na economia global, de uma explosão no preço do petróleo e nem da eventual elevação das taxas de juros nos EUA. Hoje, cerca de 25% do diesel consumido no país e 10% da gasolina dependem de petróleo importado.
Se não bastasse, a incerteza internacional gera um fluxo de recursos de volta para países desenvolvidos, onde há uma percepção de que o capital terá um risco menor e onde esperam colher mais dividendos graças a um eventual aumento das taxas de juros pelo Fed. O resultado é um potencial abalo para a entrada de capital no Brasil, com um efeito no real e até nas contas públicas.
Para o governo Lula, o momento é desafiador, faltando um ano e meio para a eleição de 2026 e tendo de dar sinais concretos de que a vida do brasileiro melhorou.
Impasse global
Mas um dos obstáculos diante da eclosão da guerra no Irã é o profundo racha que existe na comunidade internacional sobre como lidar com mais esse capítulo da tensão internacional.
Russos e americanos chegaram a trocar ameaças, com sugestões de um envolvimento de armas nucleares. Nas redes sociais, um dos principais aliados de Vladimir Putin e ex-presidente da Rússia, Dmitry Medvedev, afirmou que “vários países” estariam dispostos a fornecer ogivas para que o Irã possa se defender dos ataques dos EUA. Medvedev, que é hoje o vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, publicou uma série de postagens no X sobre o que os ataques do governo Trump às instalações nucleares do Irã realizaram para os EUA.
“O enriquecimento de material nuclear e, agora podemos dizer sem rodeios, a futura produção de armas nucleares continuarão”, disse Medvedev. “Vários países estão prontos para fornecer diretamente ao Irã suas próprias ogivas nucleares”, insistiu. Historicamente, Moscou tem apoiado o programa nuclear do Irã.
A resposta de Trump não demorou para ser publicada, nesta segunda-feira nas redes sociais.
“Será que ouvi o ex-presidente Medvedev, da Rússia, falando casualmente a “palavra N” (Nuclear!) e dizendo que ele e outros países forneceriam ogivas nucleares ao Irã?”, questionou.
“Se alguém acha que nosso “hardware” foi ótimo no fim de semana, de longe o melhor e mais forte equipamento que temos, 20 anos mais avançado do que os demais, são nossos submarinos nucleares”, alertou. “Eles são as armas mais poderosas e letais já construídas e acabaram de lançar 30 Tomahawks – todos os 30 atingiram seus alvos com perfeição”, completou.
O mal-estar se transferiu para os corredores da diplomacia. No domingo, o Conselho de Segurança da ONU foi convocado às pressas para lidar com a crise.
No encontro, o embaixador do Irã na ONU, Amir Saeid Iravani, criticou a “brutal” ofensiva militar americana e insistiu que o programa nuclear era apenas um “pretexto fabricado” para justificar uma violação da soberania do país. “Não há evidências para substanciar a alegação de que estamos prestes a obter uma arma nuclear”, afirmou. Segundo ele, os ataques foram “politicamente motivados”.
Para o embaixador, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, é um “criminoso” que “dragou os EUA para uma nova guerra”. “O governo americano sacrificou sua segurança para resgatar Netanyahu”, disse o embaixador. “Israel e EUA decidiram destruir a diplomacia e foi usada para criar uma ilusão na comunidade internacional”, disse.
O encontro se transformou em uma troca de acusações, uma vez mais evidenciando a incapacidade de o Conselho de Segurança da ONU agir.
Um dos ataques mais duros veio de Vasily Alekseyevich Nebenzya, embaixador da Rússia na ONU. Ele acusou os EUA de agir de forma “irresponsável” ao atacar o Irã e alertou que o governo de Donald Trump está “jogando com a segurança da humanidade”. “Pedimos um cessar-fogo por parte de EUA e Israel”, disse.
Condenando Washington, a Rússia afirmou que “por seus aliados, os EUA não apenas fecham os olhos para os crimes em Gaza, mas jogam com segurança da humanidade”. “Os EUA acham que são o maior juiz. Por hegemonia, estão prontos para cometer qualquer crime. Não receberam mandato para agir”, acusou o diplomata.
Rússia lembra de fracasso de Bush no Iraque

O russo ainda chamou o governo Trump de cínico. “Ninguém mais acreditar em nossos colegas americanos”, alertou. O embaixador apontou que a manobra americana repete as cenas de 2003, quando os EUA insistiram que o Iraque tinha armas químicas para justificar uma invasão. “Já vimos isso antes”, disse o diplomata, acusando os americanos de divulgar “contos de fadas”.
“A história não ensinou nada aos americanos”, afirmou. “Essa é um teatro cínico do absurdo”, insistiu.
Na ONU, o governo americano tomou a palavra para responder e ignorou a proposta de um cessar-fogo. Depois de acusar Irã de ameaçar os EUA e Israel, a embaixadora americana, Dorothy Shea afirmou que “regime iraniano não pode ter armas nuclear” e insistiu que é o Irã quem está escalando a crise.
Na reunião, Shea ainda repetiu uma ameaça feita por Donald Trump: “qualquer ataque por parte do Irã contra americanos vai ser respondido com uma retaliação devastadora”.
Mas o governo da China também condenou os EUA e indicou que os ataques “violam a carta das ONU, assim como soberania do Irã e ampliam a tensão na região”. A proposta de Pequim é a aprovação de um cessar-fogo. Para a China, o temor é que a crise “saia de controle”.
Na cúpula da ONU, o sentimento é de temor. O secretário-geral da entidade, António Guterres, lembrou que na sexta-feira passada, ele havia feito um apelo pela paz. “O apelo não foi ouvido. No lugar, vimos uma guinada perigosa”, disse.
Sua preocupação se refere ao ciclo de retaliações e pediu que a diplomacia volte a ter um papel. Guterres também apelou para que o Irã não feche locais críticos para a livre circulação de navios.
Para o secretário-geral, apenas uma negociação sobre o acordo nuclear iraniano, com inspeções completas, pode ser a solução. No sábado, Trump havia alertado havia apenas duas opções para os iranianos. “Paz ou mais tragédia”, disse.
Num recado para os EUA, o chefe da ONU alertou: “a paz não pode ser imposta”.