Guerreiras da Paz|Com M maiúsculo

Histórias de mulheres que fazem a diferença na construção de um mundo melhor, para seus habitantes de hoje e os que vierem depois.

Brasileira nata
Joênia superou várias barreiras, inclusive a da língua, para se tornar advogada e defender seu povo, os uapixanas, que habitam a floresta em Roraima

Cientistas, trabalhadoras, educadoras, mães. Histórias inspiradoras de mulheres que fazem a diferença na construção de um mundo melhor

Por Cida de Oliveira

Mayana Zatz e Lygia da Veiga Pereira, da Universidade
de São Paulo, são nomes que estão no topo da lista quando o assunto é
genética e pesquisas com células-tronco. Assim como o de Lucia
Previato, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é um dos primeiros
a ser lembrados entre quem busca compreender, tratar e prevenir a
doença de Chagas. Ou Belita Koiller em seu universo de pesquisas
teóricas sobre elétrons. Em comum entre essas mulheres respeitadíssimas
em suas áreas de atuação: o olhar humanista guiando seus passos e o
reconhecimento do meio científico internacional.

E
engana-se quem pensa que a trajetória bem-sucedida das cientistas
brasileiras é recente. De origem tcheca e naturalizada brasileira,
Johanna Döbereiner (1924-2000) identificou o papel de algumas bactérias
na fixação do nitrogênio em plantas leguminosas, como a soja. O
processo é uma forma natural de nutrição que substitui o uso de
fertilizante na agricultura. O resultado da sua pesquisa significou a
economia de bilhões de dólares nos últimos 30 anos com a compra de
adubo nitrogenado – caro, nocivo ao solo e às águas – e o
reconhecimento da pesquisadora entre os dez cientistas brasileiros mais
citados fora do país.

Saindo dos
laboratórios e entrando na floresta, o Brasil também encontrará
mulheres cuja capacidade de fazer a diferença na vida das pessoas é
reconhecida mundo afora. No nordeste de Roraima, fronteira com a
Venezuela e a Guiana, está a reserva indígena Raposa Serra do Sol. Em
1,67 milhão de hectares vivem aproximadamente 15 mil índios macuxi,
taurepangue, patamona, ingaricó e uapixana. Depois de quase três
décadas de conflitos, em 2005 o governo federal homologou a posse da
terra a esses povos. Após essa vitória, a luta, agora, é pelo pleno
exercício dos seus direitos civis e políticos. O primeiro passo é a
obtenção de documentos. Só no ano passado emitiram-se mais de 7 mil
certidões de nascimento, carteiras de identidade e de trabalho e título
de eleitor.

A iniciativa é
coordenada pelo departamento jurídico do Conselho Indígena de Roraima,
que tem à frente a advogada Joênia Batista de Carvalho, 33 anos. De
etnia uapixana, ela venceu as dificuldades para aprender a língua
portuguesa, estudou “para defender seu povo” e tornou-se a primeira
indígena brasileira a se formar advogada. “Nosso objetivo é mostrar que
os indígenas são cidadãos brasileiros e nossas especificidades
históricas, culturais e tradicionais não justificam a exclusão da
sociedade”, diz Joênia, casada, mãe e integrante da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados
Americanos.

Da floresta de
Roraima para o sertão do Piauí, o mundo encontrará outra brasileira
reconhecida internacionalmente, a arqueóloga Niède Guidon, 74 anos, por
sua defesa do Parque Nacional da Serra da Capivara. Situada em São
Raimundo Nonato, essa relíquia histórica e ambiental concentra centenas
de sítios arqueológicos e um dos maiores acervos da pré-história das
Américas – que indicam que o continente teria sido habitado há mais de
30 mil anos, contrariando assim teorias mais aceitas pela ciência. O
local, patrimônio da humanidade, está ameaçado pela ação de caçadores,
invasões e falta de verbas. No ano passado, durante a reunião anual da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Niède ameaçou deixar
o país caso o Ibama não fixe um