Há 20 anos, Nelson Mandela deixava prisão para enterrar racismo institucional na África do Sul

"Tenho defendido o ideal de uma sociedade democrática e livre na qual todas as pessoas convivam em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal pelo qual espero viver e que espero alcançar. Mas, se for preciso, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer", disse Mandela ao ser preso em 1963

Há 20 anos, Nelson Rolihlahla Mandela deixou a prisão Victor Verster caminhando, ao lado de Winie Madikizela, sua esposa na época. Livre em 1990, aos 72 anos, ele havia passado os últimos 27 atrás das grades por ousar a se opor ao regime racista que dominava a África do Sul. Um mar de pessoas o aguardava nas ruas para dar início finalmente à edificação da democracia sul-africana.

Mandela é filho do conselheiro do chefe máximo do vilarejo de Qunu (atual província do Cabo Oriental), onde nasceu. Aos sete anos, tornou-se o primeiro membro da família a frequentar a escola, onde lhe foi dado o nome inglês “Nelson”. Aos 16 anos, seguiu para o Instituto Clarkebury, na África do Sul, onde estudou cultura ocidental.

Durante as eleiçãos do país em 1999, Mandela participou de diversos comícios ao lado de seu sucessor, Thabo Mbeki, sempre ovacionado pela população sul-africana

Ao final do primeiro ano do curso de Direito na Universidade de Fort Hare, Mandela se envolveu com o movimento estudantil, num boicote contra as políticas universitárias e foi expulso da universidade. Ali iniciou sua militância.

A partir de então se envolveu na oposição ao regime do apartheid, que negava aos negros (maioria da população), mestiços e indianos (uma expressiva colônia de imigrantes) direitos políticos, sociais e econômicos. Uniu-se ao Congresso Nacional Africano em 1942, e dois anos depois fundou com Walter Sisulu e Oliver Tambou (um de seus melhores amigos), entre outros, a Liga Jovem do CNA.

Depois da eleição de 1948 dar a vitória aos afrikaners (Partido Nacional), que apoiavam a política de segregação racial, Mandela tornou-se mais ativo no CNA, tomando parte do Congresso do Povo (1955) que divulgou a Carta da Liberdade – documento contendo um programa fundamental para a causa anti-apartheid.

Comprometido de início apenas com atos não-violentos, Mandela e seus colegas aceitaram recorrer às armas após o massacre de Sharpeville, em março de 1960, quando a polícia sul-africana atirou em manifestantes negros, matando 69 pessoas e ferindo 180. Em 1961 fundou a ala armada do CNA – Umkhonto we Sizwe (a Lança da Nação) para combater a discriminação do apartheid.

20 anos depois, a África do Sul ainda luta

Vinte anos depois da libertação de Nelson Mandela, a África do Sul é uma democracia vibrante, mas ainda tem milhões de pessoas vivendo na pobreza e buscando uma liderança capaz de confrontar os problemas econômicos. A libertação de Mandela em 11 de fevereiro de 1990, após 27 anos nas prisões do apartheid, colocou em marcha uma transformação política que culminou com a história eleição multirracial de 1994 e com a posse do próprio Mandela como primeiro presidente negro do país. Alguns críticos dizem que o legado de Mandela foi destruído por causa de incidentes como o afastamento do sucessor dele, Thabo Mbeki, do comando do partido CNA e do recente escândalo sexual envolvendo o atual presidente do país, Jacob Zuma.

 

Prisão

Acusado de crimes capitais no julgamento de Rivonia, em 1963, a declaração que deu, no banco dos réus, foi sua afirmação de posição política: “Tenho defendido o ideal de uma sociedade democrática e livre na qual todas as pessoas convivam em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal pelo qual espero viver e que espero alcançar. Mas, se for preciso, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer”. Em 1964 Mandela foi condenado à prisão perpétua.

No decorrer dos 27 anos que ficou preso, Mandela se tornou de tal modo associado à oposição ao apartheid que o clamor “Libertem Nelson Mandela” se tornou o lema das campanhas anti-apartheid em vários países.

Durante os anos 1970, ele recusou uma revisão da pena e, em 1985, não aceitou a liberdade condicional em troca de não incentivar a luta armada. Mandela continuou na prisão até fevereiro de 1990, quando foi libertado em 11 de fevereiro pelo presidente Frederik Willem de Klerk, que também revogou a proibição do CNA e de outros movimentos de libertação.

Como presidente do CNA (de julho de 1991 a dezembro de 1997) e primeiro presidente negro da África do Sul (de maio de 1994 a junho de 1999), Mandela comandou a transição do regime racista, o apartheid, ganhando respeito internacional.

Em 1999, Mandela conseguiu eleger o sucessor, Thabo Mbeki, que posteriormente foi obrigado a deixar a Presidência depois de uma manobra política do seu maior rival dentro do CNA, Jacob Zuma.

Casamentos, separações e aposentadoria

Mandela casou-se três vezes. A primeira esposa de Mandela foi Evelyn Ntoko Mase, de quem se divorciou em 1957 após 13 anos de casamento. Depois casou-se com Winie Madikizela, e com ela ficou 38 anos, divorciando-se em 1996, com as divergências políticas entre o casal vindo a público. No seu 80º aniversário, Mandela casou-se com Graça Machel, viúva de Samora Machel, antigo presidente moçambicano.

Depois de deixar a presidência, Mandela passou a dedicar suas forças ao combate à crise da Aids na África do Sul, levantando milhões de dólares para combater a doença. Seu uníco filho morreu vítima da doença em 2005.

Ainda fora da Presidência, Mandela ganhou uma série de títulos e homenagens, como a Ordem de St. John, da rainha da Inglaterra, Elizabeth 2ª., a medalha presidencial da Liberdade, do então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, o Bharat Ratna (a distinção mais alta da Índia), a Ordem do Canadá, dentre outros. Apesar de ter ganho a condecoração de Bush, Mandela realizou uma série de pronunciamentos, em 2003, em que atacava a política externa do presidente americano.

Em junho de 2004, aos 85 anos, Mandela anunciou que se retiraria da vida pública. Mas a militância continuou. Em 2007, comemorou o 89° aniversário criando um grupo internacional de estadistas idosos e altamente respeitados, incluindo seus colegas Prêmios Nobel da Paz Desmond Tutu e o ex-presidente americano Jimmy Carter, para combater problemas mundiais que incluem as mudanças climáticas, o combate à Aids e à pobreza. A comemoração de seu aniversário de 90 anos foi um ato público com shows, que ocorreu em Londres, em julho de 2008, e contou com a presença de artistas e celebridades engajadas nessas lutas.

Em 2009, com aparência frágil, o ex-presidente sul-africano compareceu a um comício eleitoral do CNA para ajudar a eleger Jacob Zuma, atual presidente do país.

Sugestão de livros: Nelson Mandela

Mandela: Retrato Autorizado (Mac Maharaj) Mais recente biografia realmente autorizada de Nelson Mandela. Com prefácio de Kofi Annan, ex-secretário geral da ONU, e introdução do arcebispo anglicano emérito da Cidade do Cabo, Desmond Tutu, o livro conta com 60 entrevistados em todo o mundo. São, portanto, 60 pontos de vista diferentes sobre Mandela, além de destacar as mais variadas facetas do ex-presidente. O livro possui uma coletânea de imagens raras e algumas inéditas.

Nelson Mandela: Uma Lição de Vida (Jack Lang) Em cinco capítulos, o ex-ministro da cultura da França, retrata a vida de Mandela. O livro, contudo, revela também as contradições do próprio Mandela, na forma de um drama em cinco atos: no primeiro ele é o irmão africano de Antígona; consciente de um dia ter de infringir a lei do Estado em nome de um dever superior; no segundo é Espártaco, o escravo que lidera uma rebelião contra os poderosos; no terceiro é Prometeu, acorrentado pelo racismo; no quarto ato é Próspero de “A tempestade” de Shakespeare,o benfeitor da humanidade, e finalmente no quinto é o Rei Nelson, o sábio soberano. O prefácio é assinado pela escritora sul-africana, Nadine Gordimer, Prêmio Nobel de Literatura e ativista pelos direitos humanos.

Conquistando o Inimigo (John Carlin) O livro narra o um episódio específico: a Copa do Mundo de Rúgbi de 1995. As eleições do ano anterior tinham criado uma nova África do Sul, mas restava o desafio de criar os sul-africanos. Em busca de uma causa capaz de unir brancos e negros, Mandela concordou em sediar a Copa do Mundo de Rúgbi. A escolha desse esporte parecia absurda. Por décadas, o rúgbi fora um símbolo do apartheid. Dessa forma, mais improvável que ganhar a Copa era o Springboks – o time nacional – conquistar o coração dos negros. Mandela precisava que o povo acreditasse no slogan “um time, um país”. Ele teve de fazer os negros verem os jogadores como “nossos rapazes” e assegurar aos brancos que eles tinham um lugar de direito na nova nação. Para isso, mostrou-se um líder carismático e flexível, capaz de conter seus aliados e seduzir seus adversários.

Meus Contos Africanos (Nelson Mandela) Do berço da humanidade surge o caleidoscópio de um livro que refrata a África em sua miríade de facetas e cores – o brilho ofuscante do quente sol africano, o tom azul das montanhas no horizonte, o repouso misericordioso oferecido pela água e pela mata, os estratagemas e a malícia das criaturas, tanto animais como humanas, que povoam esse vasto continente selvagem, e sua generosidade humana, seus grandes corações e seu riso sempre presente. Aqui são encontrados contos tão antigos quanto a África, contados ao redor de fogueiras no final do dia desde tempos imemoráveis, contos herdados dos povos san e khoi, originalmente caçadores e criadores de animais pioneiros, deixados à imaginação daqueles que vieram do mar em grandes embarcações de velas ondeantes.

Nelson Mandela: A Luta é Minha Vida (Nelson Mandela) A obra reconstrói os lentos passos em direção à luta contra o apartheid na África do Sul. Foram reunidos os documentos mais relevantes do Congresso Nacional do país durante 40 anos de pressão contra a política branca. Por meio deles, mostra-se o papel fundamental que Mandela desempenhou contra o apartheid.

Sugestões de filmes

Mandela: Luta pela liberdade (Billie August) A história narra o período em que Mandela ficou preso, contada através das memórias de um guarda racista da prisão que teve sua vida completamente alterada pela convivência com Mandela.

Invictus (Clint Eastwood) O filme, inspirado no livro de John Carlin, mostra Nelson Mandela, depois da queda do apartheid na África do Sul e durante seu primeiro mandato como presidente, quando se esforçou para que o país sediasse Copa do Mundo de Rugbi de 1995. Uma grande oportunidade para unir seus compatriotas. Foi lançado oficialmente nos cinemas americanos no dia 11 de Dezembro de 2009 e está em cartaz no Brasil.

 

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